EUA: recessão anunciada, proposta paliativa e uma questão sem solução

0
0
0
s2sdefault
Fernando Del Corro
23/01/2008

 

 

O presidente dos Estados Unidos da América, George Walker Bush, cujo nome traduzido significa algo como “o mal que caminha contra o agricultor”, acaba de revelar um pacote anti-crise frente à gravidade da situação econômica de seu país, que se apressa, segundo todos os indicadores, a entrar em um processo recessivo com implicações planetárias.

 

Depois de muita negociação, não houve para a Casa Branca outro remédio senão aceitar a realidade. Não só rebeldes frente à visão neomercantilista (erroneamente chamada de “neoliberal”) predominante, como Joseph Stiglitz, mas homens respeitáveis do establishment, como Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve (o banco central americano) já auguravam tal fato, ainda que em diferentes profundidades.

 

Isso também foi avisado, dentro desta nossa região, em março de 2007. O economista brasileiro Ricardo Amorim foi um dos primeiros a analisar a bolha imobiliária norte-americana. Desde então, foram se produzindo fatos confirmantes como os prejuízos e falências de bancos – incluindo alguns da magnitude do Citicorp e do Merrill Lynch – e a inviabilidade de pagamentos por parte dos devedores.

 

O próprio Fed, agora conduzido por Ber Bernanke, frente à realidade manifesta dos fatos, resolveu deixar de lado sua usual política de aumentar as taxas de juros com um critério antiinflacionário. Pelo contrário, optou por reverter tal tendência e por começar a diminuição das taxas, tratando de injetar maior liquidez e aliviar, desse modo, as dificuldades do sistema financeiro.

 

De um outro lado, o oito vezes derrotado candidato à presidência dos Estados Unidos Lyndon LaRouche, em uma vídeo-conferência mundial que ofereceu no dia 17 de janeiro, rechaçou todas as políticas de estímulos financeiros como as que geram maior liquidez e pediu, clara e simplesmente, que o Estado salve devedores e credores hipotecários. Curioso foi que prontamente chegaram numerosas propostas de adesão partindo de legislaturas estaduais.

 

O octogenário LaRouche pediu que fossem retomadas as políticas aplicadas nos anos 1930, após a grande recessão iniciada em 1929, pelo então presidente Franklin Delano Roosevel. A política de Roosevelt foi uma combinação de investimentos produtivos, como a Administração do Vale do Tennessee, e de gasto social, que resultaram na criação de quatro milhões de novos empregos.

 

Mas, na verdade, a recuperação definitiva da economia norte-americana foi ajudada pela aparição de diversos regimes autoritários europeus, em particular o nazismo alemão, feito que desembocou na Segunda Guerra Mundial. Foi uma crise da qual se salvaram muito poucos países, dos quais o mais importante foi a velha China, então governada pelos nacionalistas do Kuo Ming Tang.

 

Claro que hoje uma das perguntas é se a China poderá ser arrastada ou não pela crise dos Estados Unidos. As circunstâncias de então foram muito distintas e os que se salvaram foram aqueles que ainda utilizavam o padrão prata, ao qual o próprio Roosevelt voltou durante sua gestão. Hoje, as condições da China para superar a crise se baseiam em outros parâmetros.

 

Corte de impostos terá potencial reativador?

 

Este é um tema para ser observado, mas antes tratemos de considerar até onde a injeção de US$ 145,5 bilhões de dólares aos cidadãos desse país via redução de impostos surtirá o efeito reativador esperado. Em princípio, parece algo simplista. A política de reduzir impostos foi um histórico cavalo de batalha de George W. Bush, desde sua campanha presidencial contra o hoje prêmio Nobel Al Gore.

 

Seus resultados nesse terreno têm sido catastróficos. O déficit fiscal do Tesouro do país é o maior do mundo, o maior de sua própria história e o que cresce de maneira mais acelerada. Não só por sua política tributária, mas também por outras questões, como as operações da polícia imperial no Iraque e no Afeganistão e suas 737 bases militares em todo o mundo. Foi algo parecido que gerou a queda do Império Romano, no início do século II.

 

As contas públicas se sustentam com um crescente endividamento externo, que tem como principais financiadores o Japão, a China e a Arábia Saudita, nesta ordem. Todos eles, em contrapartida, não só são grandes credores como também possuem descomunais reservas monetárias – no caso da China, as mesmas são de cerca de US$ 1,5 trilhão, para os quais estão tratando de arrumar melhores destinos.

 

A gestão deste Bush se caracterizou por desatar um hiperconsumo desenfreado, algo somente possível com o endividamento ilimitado mencionado anteriormente. Dentro deste esquema se desenvolveu a muito comentada “bolha imobiliária”. As hipotecas não foram feitas somente para compras de bens, mas também para outras extravagâncias.

 

Aqui, então, cabe perguntar se baixar os impostos gerará uma ressuscitação do consumo agora em retrocesso ou se os devedores, quando puderem, optarão por diminuir seus passivos e salvar suas propriedades. O mais crível é que a última opção aconteça, pois é muito pouco provável que se freie a recessão em marcha. Em troca, poderá incrementar a inflação e dar lugar à estagflação que teme Stiglitz.

 

Além disso, sempre é preciso levar em conta na economia os aspectos psicológicos. Não se trata de uma ciência exata, apesar do necessário uso de instrumentos matemáticos. São muito interessantes os trabalhos dos brasileiros Pércio Arida e André Lara Resende sobre a incidência psicológica na inflação, algo que serviu de base para a instalação, na Argentina, do “Plano Austral” de 1985.

 

Se em boa proporção dos habitantes dos EUA se instalar o temor frente aos endividamentos, será muito difícil que repentinamente esse medo desapareça. O pouco dinheiro que será adicionado a seus orçamentos por via do alívio de impostos não deverá ser utilizado para assumir novas dívidas, mas sim para cancelar as preexistentes.

 

Quanto ao resto do mundo, é difícil imaginar que não sofrerá as conseqüências da crise, ainda que de maneira não-simétrica. A China, há tempos, está tentando, sem conseguir, colocar um limite em seu crescimento. Uma diminuição das importações norte-americanas seguramente deverá proporcionar tal meta, mas é muito pouco provável que o país asiático deixe de crescer.

 

A China, como a Índia, nos últimos anos tem incorporado várias centenas de milhões de camponeses em sua produção industrial e de serviços. Estes milhões são os que impulsionam, mais fortemente que quaisquer outros, a grande demanda de commodities agroalimentícias, que fez subir seus preços e, em conseqüência, alavancou o ganho de seus produtores.

 

Ainda que com um retrocesso consumista, os EUA não poderão, seguramente, deixar de lado suas importações principais. É pouco provável que vendedores de hambúrguer, entre muitos outros, deixem de utilizar call-centers indianos para contratar pessoal local com custos bem maiores. É pouco provável que as grandes empresas tradicionais voltem a concentrar nos Estados Unidos a sua produção.

 

A maioria concorda que será difícil escapar da crise em qualquer lugar do planeta que seja, mas também há concordâncias generalizadas de que os efeitos serão assimétricos. Depois de décadas sendo vítimas de um processo de empobrecimento resultante da deterioração de seus termos de troca, no idioma de Raúl Presbich, parece que os produtores de commodities agroalimentares e energéticos não ficarão tão mal.

 

Publicado originalmente em http://alainet.org.

 

 

Fernando Del Corro é jornalista, historiador e professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Buenos Aires.

{moscomment}

0
0
0
s2sdefault