O “Brexit” e os seus admiradores

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Rui Tavares
24/06/2016

 

 

 

 

 

Vamos clarificar uma coisa. Este resultado no referendo britânico está relacionado com três coisas: em primeiríssimo lugar, a imigração; em segundo lugar, o nacionalismo; e, apenas em terceiro lugar, a preocupação com a supremacia do parlamento e os argumentos sobre a falta de democracia na União Europeia.

 

Podemos pensar o que quisermos sobre cada um destes temas. A imigração foi mais do que um tema instrumental para a campanha do "Brexit". Ele foi “o” tema determinante desta campanha. Até a concentração quase exclusiva neste tema, os adeptos do "Brexit" perderam nos argumentos econômicos, e foi só a partir do momento em que conseguiram tornar a votação uma campanha sobre imigração que começaram a subir nas pesquisas.

 

O nacionalismo pode ter leituras mais ou menos benignas, mas o certo é que a ideia de “tomar o nosso país de volta” foi a segunda mais importante do debate do "Brexit". Em terceiro lugar apenas — mais compreensível e justificadamente — veio a questão do déficit democrático na UE, embora nunca muito explorado, uma vez que o próprio Reino Unido é uma monarquia hereditária com uma câmara parlamentar composta por 750 lordes não-eleitos.

 

Sobre o que não foi esta campanha? Não foi sobre o euro, não foi sobre a austeridade e não foi sobre o Tratado Orçamentário ou a dívida soberana. O Reino Unido não pertence ao euro, não assinou o Tratado Orçamentário, emite a sua moeda e gere a sua dívida com políticas monetárias mais próximas das dos EUA do que da própria UE. A austeridade levada a cabo no Reino Unido foi inteiramente da responsabilidade do governo de Sua Majestade.

 

A campanha pouco tocou nesses temas, como pouco se falou de desemprego (a não ser como forma de falar de imigração): a taxa de desemprego no Reino Unido anda por volta de 5%. A insegurança laboral e a perda de direitos dos trabalhadores têm sido uma bandeira do governo britânico dentro da própria UE. Ninguém acreditou que os líderes da campanha do Brexit defendessem o Serviço Nacional de Saúde no país: na verdade, vários deles defendiam a sua privatização até uns meses antes do referendo, para depois alegarem que a União Europeia o queria privatizar — o que era mentira.

 

Isto é importante, porque nos próximos dias – e já hoje – muita gente quererá se apropriar da vitória do "Brexit", ou porque torceu por ela ou porque gostaria que o "Brexit" pudesse fazer avançar os seus argumentos preferidos (alguns deles são também os meus) em cada um dos seus países. É uma tentação compreensível, mas é importante que os admiradores do "Brexit" noutros países não estiquem as suas interpretações até o ponto em que elas deixem de ser reconhecíveis por quem quer que tenha seguido esta campanha.

 

Para qualquer observador, mesmo distraído, este referendo foi ganho com temas de direita e nenhuma promessa acionável de políticas sociais. E os principais beneficiários deste "Brexit" serão gente como Marine Le Pen, Geert Wilders e o partido extremista alemão AfD — que são os portadores nos seus países dos mesmos temas. A desintegração da UE beneficia-os e quem desejar que o "Brexit" a acelere acabará por ver que essa desintegração levará ao poder as políticas e os partidos da direita mais extrema, e nenhuma das políticas sociais favorecidas pela esquerda.

 

Para esta, a melhor hipótese continua a ser a de salvar o projeto europeu e até de intervir nos espaços vazios deixados pela saída do país que mais defendeu o neoliberalismo no Conselho Europeu. Apostar no colapso da União Europeia, ou proclamá-lo preventivamente para melhor o apressar, não poderá resultar noutra coisa que não na destruição da vida de milhões de trabalhadores e cidadãos que não são ricos nem poderosos — e a uma escala que faria os anos passados parecerem-se com uma borrasca ou um tempestade, mas não com o tsunami que viria com o fim da UE.

 

 

Rui Tavares, português, é historiador, escritor e deputado independente no Parlamento Europeu.

Artigo originalmente publico no Público.

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