Estado espanhol vota: análise dos resultados no País Basco e Navarra

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Raphael Tsavkko Garcia, de Bilbao para o Opera Mundi
25/05/2015

 

 

As eleições municipais e regionais no País Basco (tanto na Comunidade Autônoma do País Basco, ou CAPV, composta por Gipuzkoa, Araba e Bizkaia, quanto em Navarra) trouxeram surpresas, mas também confirmaram tendências importantes.

 

Na CAPV, o dado mais relevante foi a queda em praticamente todos os municípios do Partido Popular (PP), que se torna um partido virtualmente irrelevante. O PSOE local (Partido Socialista Operário Espanhol) igualmente perde terreno, mantendo algumas prefeituras importantes, especialmente em Bizkaia, mas, em linhas gerais, sofre uma fuga de votos.

 

O PP mantém seu feudo em Vitoria-Gasteiz, pese agora enfrentar uma oposição com mais força e perder o governo regional de Araba. Vitoria se tornou um dos últimos bastiões do partido, o que ainda o mantém respirando na região. Efetivamente, o País Basco passa a se alinhar de forma incontestável em campos nacionalistas à esquerda e direita, mas com alguns bolsões nas mãos do PP ou do PSOE e uma presença marcante do Podemos, que pode ser peça-chave para a governabilidade (por exemplo, em Gipuzkoa) e que se tornou o terceiro partido em número de votos (ainda que não em representantes eleitos) em toda a CAPV, com pouco mais de mil votos à frente do PSOE.

 

Uma batalha à parte se deu, enfim, entre o PNV (Partido Nacionalista Basco, nacionalistas de direita) e a coalizão EHBildu (Euskal Herria Bildu ou País Basco Unido, nacionalistas de esquerda). Em Araba, a coalizão EHBildu cresce, ao passo que o PNV se torna a primeira força em número de cadeiras. O PP, até então no poder, cai para a segunda posição, ainda que tenha sido a formação mais votada na região.

 

Em Gipuzkoa, o PNV recupera a maioria regional, porém depende de uma aliança com o PSOE local para governar com maioria folgada, ao passo que EHBildu dependeria do Podemos para formar um governo caso um acordo PNV-PSOE não fosse alcançado. Em Bizkaia, o PNV mantém sua ampla maioria, mas não alcança a maioria absoluta, pese a imensa dificuldade ou mesmo impossibilidade de um acordo entre os partidos de oposição para fazer frente para além da pontual.

 

Em relação às capitais, o PP mantém Vitoria-Gasteiz, porém sem maioria absoluta e com EHBildu em sua cola. Uma possível aliança entre PNV e PSOE pode acabar entregando a prefeitura ao primeiro. Em Donostia, o PNV retoma a prefeitura e, em Bizkaia, o PNV mantém sua ampla maioria.

 

Em Navarra, os conservadores da UPN mantém sua maioria tanto em Pamplona, capital, quanto na região, porém sem ser absoluta. E alianças eleitorais entre os diversos partidos de oposição podem retirar o partido do poder. Espera-se que uma aliança entre nacionalistas do EHBildu e Geroa Bai com outras forças menores, como o Podemos, possa desbancar o partido, um objetivo almejado à esquerda e à direita. Na região, o PSOE mantém sua relevância, ao passo que o PP mantém sua tendência de queda e pouco influirá nas decisões políticas da região.

 

Tempo de mudanças

 

Em linhas gerais, as eleições trazem algumas surpresas, como a troca de direção de algumas prefeituras médias, que passam dos nacionalistas de esquerda da coalizão EHBildu para o PNV, mas também reafirmam tendências, como a perda de votos da UPN em Navarra e a caída imensa do PP em todas as regiões, salvo raríssimas exceções.

 

O Podemos surge com força em nível regional e podendo ser decisivo em Navarra e Gipuzkoa, apesar do menor peso em nível municipal fora das capitais.

 

Irabazi, uma coalizão entre os ambientalistas do Equo e a Esquerda Unida, mantém uma representação marginal em todos os níveis, ao passo que os direitistas da UPyD se tornam absolutamente irrelevantes e o fenômeno Ciudadanos não mostra a que veio no País Basco ou em Navarra, não conseguindo representação digna de nota exceto uma cadeira no parlamento de Araba.

 

A coalizão EHBildu, que havia conseguido nas eleições passadas prefeituras-chave, além do governo de Gipuzkoa e sua prefeitura, perde terreno para o PNV, mas também pode agradecer ao Podemos e suas diversas listas municipais por uma considerável perda de votos à esquerda. Em linhas gerais, localmente, o Podemos não consegue uma votação surpreendente como em nível regional, porém consegue votos suficientes para alterar significativamente resultados locais e pender a balança para vitórias do PNV em cidades médias. 

Em Navarra, resta uma incógnita: Podemos irá se aliar a Geroa Bai, EHBildu e Izquierda-Ezkerra para formar uma maioria capaz de desbancar a UPN, que poderia se aliar ao PSOE-PSN? O mesmo raciocínio vale para Pamplona, sua capital.

 

Um leitor desavisado poderia achar tal aliança óbvia, porém a presença da chamada Esquerda Abertzale, representada pelo EHBildu, dificulta as negociações. O partido mantém ligação com coletivos de presos políticos ligados à ETA e é considerado por PP e PSOE (além de UPyD e Ciudadanos) como um "aliado" do grupo armado, ou mesmo seu representante institucional, o que demonstra claro desprezo pela opinião e direitos de ampla parcela da população basca.

 

Existe a possibilidade de o PSOE condicionar apoios a listas do Podemos em outras regiões da Espanha em troca de uma negativa ao apoio à esquerda nacionalista basca, ainda que em muitos casos será o PSOE que precisará dos votos do Podemos para conseguir desbancar o PP como em Castilla la Mancha, Extremadura etc.

 

Pode ainda pesar sobre uma possível aliança entre EHBildu e Podemos o espectro do medo imposto majoritariamente pelo PP, mas também pelo PSOE, visando prejudicar a formação de esquerda e cidadã nas eleições gerais convocadas para este ano com a tentativa de colar no partido uma virtual ligação com a ETA ou ao menos com uma esquerda "radical". Sem dúvida, as eleições gerais entrarão nos cálculos na hora de compor alianças após as eleições municipais e regionais de ontem.

 

Digno de nota, pese as perdas eleitorais do PSOE, PP e mesmo do EHBildu, apenas o terceiro foi capaz de realizar uma autocrítica ao reconhecer que cometeu erros e buscará escutar a cidadania para melhorar e recuperar os milhares de votos perdidos. Os demais fizeram questão de se considerar, de uma forma ou outra, vencedores.

 

Comparações e Espanha

 

Como de costume, as eleições bascas são um mundo à parte em relação à Espanha, com forte votação de partidos nacionalistas, pese o surgimento com força do Podemos que, sem dúvida, retirou votos importantes tanto do PSOE quanto do EHBildu. Este crescimento do Podemos basco acompanha os resultados na Espanha, ao passo que o Ciudadanos não seguiu na região o crescimento conseguido em nível estatal, tendo uma votação pífia.

 

Em outras regiões, porém, Podemos e Ciudadanos conseguiram chegar ou mesmo superar as expectativas, como em Madrid onde, sob o nome de Ahora Madrid e em coalizão com o coletivo Ganemos, Manuela Carmena disputou cabeça a cabeça a primeira posição contra o PP, terminando ao fim com 20 cadeiras contra 21 do PP e com a possibilidade de, em coalizão com o PSOE (9 cadeiras), formar uma maioria, dado que o Ciudadanos conseguiu 7 cadeiras e não conseguiria garantir uma maioria ao PP.

 

Em Barcelona, por sua vez, Ada Colau, da coalizão Barcelona en Comú (Podemos, Ganemos e movimentos sociais locais), venceu a eleição com 11 cadeiras, uma a mais que os conservadores nacionalistas da CiU (Convergência e União), porém terão trabalho para formar uma coalizão, dada a pulverização dos votos na cidade.

 

Por toda Espanha, vê-se o crescimento de grupos ligados ao Podemos (seja o partido em si ou grupos locais em coalizão ou adotando seu nome e suas bandeiras e concorrendo em seu nome), assim como do partido Ciudadanos/Ciutadans, com capacidade de promover mudanças e alterar panoramas eleitorais.

 

O PP viu sua votação total na Espanha cair de 37,54% para pouco menos de 27% e pode perder os governos de Madri, Valência, Extremadura, Aragão e Castilla la Mancha, mantendo apoio do Ciudadanos Murcia e Castela e Leão, ao passo que o PSOE cresceu marginalmente 2% e a Esquerda Unida caiu pouco mais de 1%.

 

Os votos somados dos partidos menores nestas eleições já correspondem a quase 50% do total, o que pode indicar o fim do bipartidarismo na Espanha já nas próximas eleições gerais, que ocorrem ainda este ano, e uma pulverização do parlamento espanhol.

 

Raphael Tsavkko Garcia, jornalista, doutorando em Direitos Humanos pela Universidad de Deusto (Bilbao) e mestre em Comunicação.

Publicado originalmente em Opera Mundi.

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