Os interesses convergentes que derrubaram Lugo

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Idilio Méndez Grimaldi
03/07/2012

 

Três interesses convergiram para a derrubada de Lugo: os interesses das transnacionais do agronegócio e do setor financeiro; da oligarquia latifundiária, aliada ao capital transnacional; e dos partidos políticos de direita. Todos apadrinhados pelos Estados Unidos da América do Norte.

 

Os objetivos estratégicos são: reinstalação de uma “democradura” exclusivamente regida pela direita, com apoio dos EUA e alguns países europeus como nos tempos da guerra fria; encurralamento e criminalização da esquerda e dos movimentos sociais; avanço da produção meramente extrativista agroexportadora, com a postergação indefinida da industrialização do país; consolidação violenta do processo de esvaziamento do campo e sua população.

 

No campo geoestratégico, o Paraguai se converte aceleradamente em um problema cada vez mais grave para o Brasil e às possibilidades da União das Nações Sul-Americanas, a Unasul, e tende a se consolidar como uma base importante de operações dos EUA no processo de disputa pelo controle da América do Sul.

 

A União dos Sindicatos da Produção (UGP, na sigla original), que integra os produtores mecanizados do país, mas que na prática vale de refúgio aos latifundiários, especuladores e rentistas da terra, organizou toda essa trama contra Lugo. Quando a transnacional Monsanto teve obstáculos para impor sua semente transgênica de algodão e milho por descumprimento de normas legais, começou a aumentar a pressão da UGP. A Monsanto faturou – sem pagar impostos, em forma de royalties – 30 milhões de dólares, só em 2011, com sua soja transgênica, sem contar o faturamento com a venda de sementes. Uma parte desse montante se distribui anualmente entre os tecnocratas da UGP.

 

Esse sindicato pressionou primeiro pela destituição de Miguel Lovera, um técnico que dirigia a instituição de controle e uso de sementes e agroquímicos no país. Depois, ameaçou com um protesto nacional, denominado Tratoraço, que consistiria no fechamento de estradas com maquinários agrícolas. Por último, pressionou pelo “juízo político” de Lugo.

 

A UGP é dirigida por Héctor Cristaldo, um empresário ligado estreitamente ao grupo empresarial dos Zuccolillo. Esse grupo é sócio da Cargill, outra transnacional do agronegócio. O grupo Zuccolillo também é dono do diário ABC Color, dirigido pelo seu proprietário Aldo Zuccolillo. A linha editorial desse periódico está recheada de incitações e provocações às Forças Armadas e aos partidos políticos no sentido de derrubar Lugo, desde o início de seu governo.

 

Em janeiro deste ano, Aldo Zuccolillo se reuniu com o político do Partido Colorado, o também agroempresário Horacio Cartes. O senador colorado Juan Carlos Galaverna manifestou que Cartes saiu “deslumbrado” do encontro com Zuccolillo. Segundo as correspondências do WikiLeaks, publicadas pelo próprio Zuccolillo no ano passado, Cartes foi associado pela DEA, a agência anti-drogas dos EUA, ao narcotráfico e à lavagem de dinheiro.

 

Chamativamente, no último momento do governo Lugo, Cartes foi o principal propulsor dentro de seu partido do “juízo político” do presidente, ideia apoiada pelo diário ABC Color, de Zuccolillo. Por fim, Cartes levou seu partido – que tinha sido derrotado por Lugo em 2008, após 60 anos no poder – a promover a destituição do presidente. Isso ocorreu após os sangrentos acontecimentos em Curuguaty, em 15 de junho, no qual morreram seis policiais e onze camponeses, em uma desocupação de latifúndio de propriedade do ex-presidente do Partido Colorado, Blas Riquelme. Essas mortes serviram como principal desculpa para a derrubada de Lugo.

 

Em um giro de 180 graus, o Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA) abandonou sua coalizão de governo com Lugo e pelas mãos de seu presidente, Blas Llano, também se juntou ao juízo político impulsionado pelo Partido Colorado, o diário ABC Color e a UGP.

 

Hoje, ao PLRA, no poder após 70 anos de secura e com Federico Franco como presidente do Paraguai, lhe resta pouco mais de 13 meses para governar, tendo que fazer o trabalho sujo de reprimir seus ex-aliados de governo: a esquerda e os movimentos sociais, que iniciarão uma sistemática resistência ao governo liberal, destruindo qualquer possibilidade de vitória nas eleições do próximo ano. Horacio Cortes, pré-candidato do Partido Colorado, sorri e vê melhorar suas chances com o apoio do ABC Color, da embaixada estadunidense e da UGP.

 

Finalmente, Lugo e seus assessores deveriam reconhecer que cometeram um grave erro: pensaram que podiam governar ao lado do imperialismo, da oligarquia feudal e dos partidos de direita, tributários dos poderes de fato e traidores da pátria. Como disse Atilio Boron, é um erro acreditar que um governo timidamente progressista, como foi o de Lugo, possa prosperar transigindo com os interesses oligárquicos e imperiais, sem articular com os movimentos sociais e partidos de esquerda.

 

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Idilio Méndez Grimaldi é jornalista e pesquisador; autor do livro “Os herdeiros de Stroessner” e membro da Sociedade de Economia Política do Paraguai (SEPPY)

 

Traduzido por Gabriel Brito, jornalista do Correio da Cidadania.

Publicado originalmente em La Jornada.

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