Hasta La Vida por La Tierra

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Grupo de São Paulo
04/01/2012

 

A frase que dá título a este artigo foi destacada da manchete de capa do periódico chileno Punto Final (Ano 45 Nº 735; 10 a 23 de junho de 2011)Coraje Mapuche - Hasta La Vida por La Tierra.

 

Acompanha a manchete foto de Hector Llaitul Carrillança, weichafe (guerrero) de la Nacion Mapuche. Hector e mais três companheiros — Ramón Llanquileo, Jonathan Huillcal e José Huenuche — foram sentenciados brutalmente com base em leis da ditadura pinochetista, ainda vigentes no Chile e aplicadas contra os que lutam por seus direitos, como é o caso dos Mapuches. Passaram por greve de fome vergonhosamente ignorada e desprezada pelo poder oficial chileno, inclusive a grande mídia.

 

A tradição de luta desse povo vem de há muito tempo. Lutou bravamente contra a invasão espanhola (conhecida como conquista) e continua lutando nos dias de hoje. Querem preservar a soberania sobre suas terras, agora ameaçadas pelo projeto HidroAysén, empreendimento hidroelétrico que desrespeita os direitos ancestrais dessa população.

 

O destaque que aqui se faz ao caso da luta pela terra dos Mapuches é, ao mesmo tempo, uma homenagem e um símbolo. Homenagem à altivez e coragem desse povo e símbolo porque bem representa a luta de muitos outros povos latino-americanos por suas terras, suas culturas e o “bem viver” — Sumak Kawsay. Essas lutas são empreendidas pelas populações indígenas e/ou tradicionais. Os pobres e desprezados pelo elitismo das sociedades latino-americanas, vítimas do processo de avanço do capital no campo, resistem. O povo Mapuche é um bom exemplo dessa resistência.

 

Enquanto no Chile se criminaliza e se condena aos Mapuches com as leis de Pinochet, na Bolívia, os empresários, tal qual entre os chilenos, acusam os indígenas de serem “inimigos do progresso”. A luta dos bolivianos é contra uma estrada, financiada pelo governo do Brasil e construída por empresa brasileira, que atravessa a reserva Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure (Tipnis) no centro do país. Por ora, a mobilização e o apoio da maioria da população reverteram esse projeto. No México, em Chiapas, os chiapanecos há vários anos enfrentam o Estado mexicano em defesa de seus territórios e de sua forma de vida. Foram e são combatidos pelo exército mexicano. No Peru, em defesa da soberania alimentar, as mulheres do campo se uniram e formaram a FEMUCARINAP (Federação Nacional de Mulheres Camponesas, Artesãs, Indígenas, Nativas e Assalariadas do Peru). Essas mulheres confrontam o avanço do agronegócio e afirmam “Nós mulheres do campo provemos a alimentação ao nosso país” (Lurdes Huanca, presidenta da Federação). Há lutas em muitos outros países: Uruguai, Argentina, Paraguai, Colômbia, Equador, Venezuela, Guatemala e outros tantos no Caribe.

 

No Brasil existe a luta pela terra e pela soberania alimentar que se contrapõe aos avanços das monoculturas de cana-de-açúcar, do eucalipto e da soja, além da pecuária, que devastam áreas enormes, mormente na Amazônia.  Há luta contra as alterações pretendidas pelos ruralistas para o Código Florestal. Há luta contra o projeto hidroelétrico de Belo Monte na bacia do rio Xingu (PA) e outros grandes projetos que desrespeitam os direitos dos povos indígenas originários e provocam impactos fortemente negativos no meio ambiente. Há muitas outras batalhas levadas a efeito por organizações populares como aquelas ligadas à Via Campesina Brasil (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento das Mulheres Camponesas, Movimento dos Pequenos Agricultores e Movimento dos Atingidos por Barragens), sindicatos e outras organizações, como a Comissão Pastoral da Terra e a Associação Brasileira de Reforma Agrária. A Via Campesina Internacional também tem denunciado o acaparamento de terras e dos alimentos (açambarcamento e monopolização).  Denunciam a compra e outras formas de domínio sobre as terras e produção agrícola, por parte de países e das empresas transnacionais do agronegócio. Em nosso país essa situação é agravada de maneira notável pela política de governo que regulariza terras griladas (Programa Terra Legal). Cinicamente, o governo brasileiro usa a questão das compras de terras por estrangeiros como “cortina de fumaça” para a entrega criminosa da terra pública grilada aos próprios grileiros e/ou agronegócio (vide Ariovaldo Umbelino de Oliveira – “A Questão da Aquisição de Terras por Estrangeiros no Brasil – um retorno aos dossiês”).

 

Para terminar, como exemplo dessa luta comum entre os povos latino-americanos que reagem aos mesmos males, destacam-se aqui algumas conclusões do artigo de Tomás Palau Viladesau, “El Agronegocio de la Soja en Paraguay – Antecedentes e Impactos Sociales y Económicos”.

 

Conclusões sociais e econômicas apontadas por Tomás Palau: a expansão da soja atenta diretamente contra a maioria dos direitos econômicos, sociais e culturais do povo paraguaio; induz ao desenraizamento camponês pela massiva expulsão de famílias de seus lugares de origem nas zonas de expansão do complexo sojeiro; aumenta o desemprego e com ele se aprofunda a pobreza e se agravam os problemas sociais tanto no campo como na cidade; há um aumento da violência contra o campesinato, tanto por parte das forças policiais e militares, como dos paramilitares contratados por sojeiros e latifundiários. Esses fatos levam à criminalização das lutas camponesas de reivindicação em defesa de seus interesses. As principais conseqüências econômicas, além do já mencionado e crescente desemprego (queda de postos de trabalho), são: a concentração da renda; a crescente dependência do comércio exterior para o abastecimento interno; o crescente déficit comercial do país devido ao peso das commodities nas exportações; os gastos fiscais decorrentes dos fortes subsídios patrocinados pelo governo aos empresários da soja. A indolência e cumplicidade do governo do país, somadas ao poder das poucas empresas que dominam o setor, implicam na perda de soberanias que definem a nação — Soberania do Estado Nacional, Soberania Territorial, Soberania Alimentar e Soberania Cultural.

 

Essas conclusões, com algumas especificidades, são válidas para outros países e monoculturas do agronegócio. No caso, em especial, para os três países da tríplice fronteira (Paraguai, Argentina e Brasil), cujos territórios ocupados com o produto já foram denominados “mini república da soja”. Estamos no mesmo barco!

 

A luta pela terra na América Latina é dramática. Tem razão o povo Mapuche.

 

José Juliano de Carvalho Filho, Elisa Helena Rocha de Carvalho, Andrea Paes Alberico, Marietta Sampaio, Guga Dorea, João Xerri, Plínio de Arruda Sampaio,Thomaz Ferreira Jensen do Grupo de São Paulo - um grupo de pessoas que se revezam na redação e revisão coletiva dos artigos de análise de Contexto Internacional do Boletim da Rede, editado pelo Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, de Petrópolis, RJ. Este endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email

 

Artigo originalmente publicado no Boletim Rede.

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