Tentemos ver Cuba sem fanatismos

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Duarte Pereira
04/03/2010

 

Para mim, infelizmente, o lamentável e desnecessário falecimento do prisioneiro Orlando Zapata não está esclarecido. Sabemos, por nossas experiências durante a ditadura militar, que é fácil etiquetar oposicionistas e presos políticos como delinqüentes comuns, bandidos, terroristas, agentes de potências estrangeiras.

 

Será mesmo que Zapata recebeu o tratamento médico e POLÍTICO adequado? Será mesmo que não existe tortura em Cuba, nem prisões arbitrárias, nem condenações sem provas consistentes? Dizia-se o mesmo da União Soviética, da China e da Albânia, para citar alguns exemplos. Será preciso repetir que os fins não justificam quaisquer meios, e que, se os meios não são adequados aos fins, os resultados podem ser inversos aos pretendidos?

 

Por que, passadas tantas décadas da vitória da revolução popular e dos esforços para construir o socialismo, Cuba ainda precisa de métodos como os revelados no episódio para supostamente defender-se? Os revolucionários, especialmente os revolucionários socialistas e marxistas, devem ser exemplares no tratamento de prisioneiros.

 

É difícil saber o que realmente aconteceu com Zapata (e com outros) sem liberdade de informação e investigação, sem autonomia do Poder Judiciário, sem atuação desimpedida de advogados, para recordar algumas medidas democráticas. As razões para as dúvidas são várias. Em minha experiência política, nunca soube, de presos comuns, nem de agentes da CIA que tenham feito greves de fome até a morte. Também é uma novidade para mim que espiões freqüentem as embaixadas dos países a que servem abertamente.

 

Os verdadeiros espiões, que não podem faltar em Cuba, devem enrustir-se com muito mais cuidado e devem receber instruções e passar informações por meios muito mais sofisticados e eficazes. Não seria inusitado que, à semelhança do que aconteceu em outros países, alguns desses verdadeiros espiões estivessem infiltrados em órgãos do Partido Comunista, do governo popular e dos serviços repressivos.

 

Duas lições aprendi ao longo de anos de militância e estudo, e delas não abro mão. A primeira é que é impossível separar revolução democrática e revolução socialista, democracia e socialismo, pois não pode haver socialização efetiva da economia sem democratização da política e da cultura. E os trabalhadores precisam garantir sua emancipação não apenas do capitalismo, mas também do burocratismo que tem emergido das tentativas de construção de sociedades socialistas, com sua seqüela de novos privilégios, novas desigualdades e novas opressões.

 

A segunda lição é que a pior contribuição que podemos dar à causa democrática e socialista em nosso país e nos demais é continuar silenciando diante dos excessos, erros e crimes cometidos por regimes revolucionários – sejam proletários, populares ou simplesmente antiimperialistas.

 

Duarte Pereira é jornalista.

 

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