Sobre a vida em Cuba: resposta a Milton Temer

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Venceslau Alves de Souza (Vini)
02/10/2015

 

 

 

Em 11 de agosto de 2015, o genial Milton Temer escreveu artigo neste Correio intitulado “Cuba, de hoje, e seu possível amanhã”, onde enaltece as qualidades do sistema cubano e afaga seus problemas. Milton Temer tem razão ao atribuir à força imperial a responsabilidade quase total pelas agruras por que passa a ilhota. É fato. Cuba recebeu a mão forte dos impérios e da tirania, duas maldições emaranhadas que se retroalimentaram historicamente, numa dialética perversa. A dupla horrenda fez sangrar a ilha caribenha, impedindo seu povo, livre por natureza, de ser livre de fato e de direito. A praga remonta os tempos em que o genovês Colombo aportou na ilha e, desde então, muita gente ruim tem extraído suas riquezas e suas potencialidades.

 

Os espanhóis foram os primeiros a sugar o sangue dos nativos dali e de negros, arrancados de seu habitat natural e levados para a ilha por quatro longos séculos. Depois, desembarcaram por lá os ingleses, gente mesquinha que somente deixou a ilha em relativa paz ao receber de presente o que viria a ser o estado norte-americano da Flórida. Finalmente, cravaram residência na ilha caribenha – com direito a interregno russo – o mais terrível e cruento dos impérios desde Roma, os Estados Unidos da América, que procuraram tapar cada um de seus poros e sufocar quaisquer chances de se fazer funcionar na ilha uma democracia socialista.

 

Prólogo

 

Temer não quis ver, entretanto, que a combinação esdrúxula desse imperialismo capitalista e do despotismo tosco – muito mais dos Castro do que de Batista – é que sufocou a luta de classes, por tempo demasiado, e engripou o motor da história na ilha. Como consequência, causou o estancamento de forças produtivas que rumassem para uma dialética do bem. E, como extensão, aniquilou a derradeira esperança de se fazer brotar no planeta um homem novo, melhor, socialista. Nós estivemos lá, por mais de um mês, no finalzinho do ano passado – no mesmo mês em que Frei Betto se hospedara nas dependências dos mandões cubanos e escreveu artigos nos quais não conseguia enxergar contradições do sistema castrista – e pudemos constatar isso.

 

Milton Temer é intelectual orgânico da melhor qualidade. Sabe bem que o(s) socialismo(s) é, por sua natureza e por seu espírito, a antítese do liberalismo; é sua negação por essência e única ferramenta política capaz de derrotá-lo e ao seu primo-irmão, o imperialismo. Por isso precisou ser combatido a qualquer custo pela doutrina de Locke na vida moderna. A ideia de que a Terra e tudo que dela advier devem pertencer aos terráqueos assombra ao liberalismo e tem, não por outro motivo, de ser rigorosamente desenraizada. É preciso nos fazer crer que há um preço a se pagar por tudo na vida, e a tarefa de desqualificar, com toda a energia, a utopia socialista, procurando inviabilizar as condições objetivas para seu incremento, ficou a cargo dos tanques pensantes, bombas, cassetetes, mísseis teleguiados e drones estadunidenses nos últimos cento e tantos anos.

 

Para garantir a hegemonia liberal planeta afora, Washington aprimorou seu serviço secreto, a abominável CIA, idealizou a Escola das Américas, e tantos outros instrumentos de ingerência nas vidas dos povos do planeta. Obcecado pela premissa de que o capitalismo é o melhor modo de produção de coisas e subjetividades no mundo, o grande império cruento inventou leis, inculcou valores, ideologias e estilos de vida, dizimou povos, destruiu florestas, apoiou nossas ditaduras e criou a sensação amarga de que fora de seus tentáculos – do divino mercado – nada vai bem.

 

Não é por outra razão que Cuba foi proibida pelos filhos do Destino Manifesto de repassar suas terras e suas riquezas aos seus terráqueos. Os ianques, se autocompreendendo como escolhidos por Deus para reger a Terra, queriam Cuba para si, como a tudo o mais no planeta, para o deleite de seus próprios terráqueos, endinheirados. A pretensa polícia do mundo, com sua moral cristã e capitalista, já havia conquistado no porrete, no xaveco ou no jeitinho, a Louisiana, o Alaska, quase metade do território mexicano, o Havaí, o território de Porto Rico. Cuba não iria passar batida, não mesmo.

 

Muito mais do que servir como quintal de Washington, estas regiões lhe serviam estrategicamente para exercer sua hegemonia sobre o planeta, custasse o que custou para a vida das populações locais. Por isso, o Império oferecera 300 milhões de dólares pela ilha na virada do século retrasado. Tio Sam imaginava que a anexação da ilhota caribenha era só uma questão de tempo.

 

Deixa estar

 

Mas Cuba era osso duro de roer e não capitulou diante do imperialismo ianque. A massa de camponeses rudes, com sangue nos olhos, que nada tinha a perder – senão suas vidas abrutalhadas de privação apadrinhada por Washington -, resistiram à arrogância do Império. E a ilhota se transformava num capítulo à parte nas pretensões de Tio Sam, que babava de fúria. Ainda assim, as condições dadas e os interesses particulares do Grande Império, no contexto da débâcle do socialismo real, preveniram que o monstro jogasse bombas e mísseis contra o povo cubano, ou que enviasse tropas, tanques e financiasse golpes de Estado contra a ilha, como fazia mundo afora com uma frequência quase monótona.

 

Convencido do fim da história, quando da ruína final da malfadada planificação soviética, Tio Sam articulou tática menos imbecil para a ilha. A ideia assentava no abortamento das condições mínimas para o estabelecimento de uma sociedade verdadeiramente socialista. Era preciso impedir a criação daquilo que, em algum escrito, Vygotsky chamara de "homem novo", do homem não capitalista, como elemento adicional e essencial ao desenvolvimento das forças produtivas rumo à nova sociedade. Nada de incendiar criancinhas vivas, de arrancar os olhos de velhinhos escanifrados ou de instigar a população local (e mercenários cruentos) a trucidar presidentes a socos e pauladas no meio da rua. Era preciso não meter o nariz diretamente nos assuntos cubanos. Era preciso agir com prudência e cautela, ainda que a URSS e o dirigismo stalinista já tivessem ido para o espaço, e a Guerra Fria parecesse vencida.

 

Impedir que da ilhota brotasse esse homem novo faria malograr o próprio socialismo. E ninguém melhor do que Fidel Castro no poder para assegurar tal façanha. O velho chefe, antiquado, era, por isso mesmo, "o cara" para os fundamentalistas de Washington; tudo que a maior democracia do planeta (sic) precisava para minar as bases de um dos últimos redutos de resistência ao liberalismo. Mas, antes de nos fazer balançar a cabeça positivamente para o chauvinismo econômico estadunidense, Tio Sam queria incutir em nossas mentes burguesas a impraticabilidade do socialismo, também na América tropical.

 

O império queria fazer reinar livre a ordem do capital no planeta, antes que esta seguisse para Marte, como imaginaram um dia seus founding fathers. O liberalismo sempre teve muito claro que sua hegemonia – e mesmo sua existência – assentava no combate vigoroso a sua negação, à negação à autodeterminação dos povos. Daí que fez sangrar Cuba, o touro irredutível, à beira da morte, mostrando-a antes frágil, cambaleante; tratando de creditar na conta do socialismo as desventuras do regime castrista, como se o tirano viesse promovendo o socialismo em Cuba, como se viesse buscando criar o homem novo.

Aos fatos

 

 

Pura falácia, Milton Temer, e isso nada tem que ver com “o turista que ali estaciona por poucos dias sem trazer um capital mínimo de informações sobre o processo histórico da Revolução”. Você que é jornalista, e dos bons, deve ter notado que em Cuba não há uma banca de jornal, um canal de televisão que estimule o contraditório, uma publicação que não seja chapa-branca, por mais que a provocação pareça pequeno-burguesismo tosco. Mas o fato é que estivemos na Ilha por mais de um mês e não pudemos entrar nos bancos cubanos porque estávamos de bermudas; tampouco pudemos participar de reuniões do Partido Comunista, pois vestíamos camisetas, sob um calor de 40 graus; para ficarmos em pouquíssimos exemplos, dos tantos possíveis. "Os velhos caciques não permitem", confessam alguns, mais ousados, e essa é a premissa básica de nossos argumentos.

 

O fato é que os problemas de Cuba, Milton, são de ordem econômica, e é algo de medieval o bloqueio promovido por Tio Sam contra a ilha; você tem razão. Mas sua natureza é fundamentalmente de ordem política. São dois problemas distintos, geralmente atribuídos pelas classes dominantes do PC cubano – a suposta vanguarda consciente da ilha, imaginada e constituída para dirigir a classe operária rumo a uma sociedade sem a exploração do homem pelo homem - ao horrendo embargo imposto por Washington ao povo cubano. Ocorre que o império tinha claro que Castro nunca fora um democrata e, tampouco, um bom maestro. Daí que, a certa altura, desistiram de eliminá-lo fisicamente. Melhor seria cansá-lo e fazer com que nos cansássemos do velho chefe.

 

Os ianques sabiam que, longe da tutela russa, seu mando faria reinar na ilha nada menos que um capitalismo besta e atrasado, capaz de domar a luta de classes e travar o motor da história. Míope, o autocrata promoveria uma espécie de modelo de mal-estar social, que não conseguiria criar as condições objetivas mínimas para que a primeira, a luta de classes, saísse da tenra infância e a segunda, a máquina da história, chegasse à adolescência. Não deu outra; Washington venceria mais esta.

 

Admitamos: Fidel não teria ficado no poder por mais de meio século se tivesse despertado a consciência adormecida de seu povo. O Estado na ilha não é produto das contradições de classe, mas de um consenso fabricado pelo próprio tirano, a seu bel-prazer, que diz o que é certo e o que é errado; o que é bom e o que é ruim para as pessoas. É, pois, o modo como Fidel, muito mais preocupado em negar o capitalismo do que construir o socialismo, quer que se produza a vida material na ilha que condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral; é isso que fez de Cuba a Cuba de hoje, não a sua miséria econômica, que é obra do Império, mas suas ideias, opiniões e instituições políticas.

 

Ora, Milton, você sabe melhor que nós que nos rascunhos que dariam origem a O Capital, Marx já indicava que a verdadeira riqueza é aquela construída coletivamente; a socialização do conhecimento que os próprios produtores promovem. A centralização da produção de tudo tem de ser democrática. É o trabalhador que deve estar no centro das decisões do que, como e onde produzir, não a um dirigismo sem fim. O ponto central é que os trabalhadores coloquem a economia para funcionar, e a sociedade como um todo, tendo em vista os seus interesses (1).

 

Fim da utopia

 

Na Cuba de Castro isso não existe, bem como não existe almoço grátis, e isso não é menos importante que a questão do bloqueio. Ali, o homem novo foi abortado antes mesmo de ser gerado, e nenhum sistema social será socialista se não admitir a imprescindibilidade de se promoverem as condições para a invenção desse homem. A URSS de Stalin que o diga. Nessa dialética horrenda, o trabalhador cubano, humilhado, alienado e aviltado pela substituição da opressão capitalista pela tirania estatal, nasceu velho, e não lhe foi permitido transformar-se em classe para si.

 

Agarrado ao malfadado modelo totalitário soviético e à busca do poder pelo poder, Castro não quis entender que é o trabalhador, o produtor de tudo na sociedade, que tem de ser o protagonista do processo revolucionário. É preciso que se desenvolvam as forças produtivas no seu limite, desenvolvendo conjuntamente sua consciência e que o produtor de riquezas tome as decisões políticas enquanto classe. Foi o democrata Marx quem disse isso – antes de ser escorraçado e acusado de revisionismo, de traidor da 'causa', por seus colegas da Internacional. Mas interessa a Cuba manter a alienante e malfadada linha de produção taylorista, recurso capitalista sugerido por Lênin e levado às últimas consequências por Stalin, tão caros à URSS e a Trotsky, e que aliena o trabalhador tanto quanto o capitalismo.

 

Não bastasse, não pode se pretender socialista um sistema que finge não ver suas crianças pedirem trocados nas ruas, suas meninas e meninos se venderem por uns dólares e a alienação imperar por toda parte. E mente, por romantismo bobo ou má-fé, que definitivamente não é seu caso, Milton, quem diz que isso não existe em Cuba. A enfermidade está lá, por toda parte, mas é obnubilada se vista pelos vãos dos portões do QG dos Castro.

 

Não escrevemos aqui em nome “da ‘esquerda’ favorável às ‘guerras humanitárias’, vulnerável à canalhice da direita de pintar Cuba como inferno ditatorial”, como você bem lembra. Tampouco pretendemos ser “papagaios repetidores de campanhas que só visam liquidar o exemplo cubano ou, na melhor das hipóteses, degradá-lo ao máximo”. É preciso que sejamos honestos. É preciso sair de Havana, ir a Santiago, Holguin, Cienfuegos. É preciso viajar nos escassos e péssimos ônibus que cruzam com enormes dificuldades a ilha, morar com o campesino oprimido, com o pescador explorado, com o universitário ansioso, com o homossexual abusado, entediado; é preciso ficar bêbado numa roda de salsa para se compreender o que de fato acontece ali, longe das surradas cantilenas romantizadas sobre a vida em Cuba.

 

E não pense você, Milton, que acreditamos ser opção o que faz o cubano médio em busca de sobrevivência. Numa ilha cercada por tubarões, de onde o dirigismo centralizador não deixa que saia, nem mesmo um ex-campeão de esgrima num pan-americano escapa à sina. Professor universitário desempregado, ele se vende, a preço baixo no mercado branco da prostituição de meninos e meninas de Cuba. Eu e você também o faríamos. É preciso entender porque um sistema de saúde avançado e gratuito não consegue animar o cubano médio a sair de casa e restaurar os dentes estragados. A resposta não é meramente econômica, Milton, mas fundamentalmente política.

 

O fato, Milton Temer, é que as classes foram eliminadas na ilha, e isso nada tem de ver com bloqueio econômico. Fidel não depositou o poder nas mãos da classe operária e dos camponeses nas cinco décadas em que esteve à frente do governo. Ele extinguiu as classes e nada colocou no lugar, senão semióforos patéticos que tentam, ainda hoje, convencer a gente batalhadora da ilha do triunfo da Revolução, ou melhor, do regime que surgiu depois de 1961. O capricho do mandão só fez socializar a miséria e acossar o populacho, além de transformar médicos, professores e engenheiros em meros coletores de lixo, flanelinhas e/ou alvos do assédio sexual e moral de gringos burgueses babões, para quem o regime fecha os olhos, em nome do "aperfeiçoamento do sistema socialista".

 

É sofrível perceber que o autoritarismo castrista transformou em jinetera a patuleia trabalhadora, que agora tenta levar vantagem em tudo para garantir a boia do dia seguinte. Na ausência de direitos burgueses de cidadania, criam dificuldades para vender facilidades, gingam, xavecam e trapaceiam sempre que podem, tais como os nossos malandros daqui, ou dos barrios de Los Angeles, dos cortiços da Cidade do México e das colmenas de Tegucigalpa. Nada de novo, somente submodos de produção capitalistas e subdesenvolvidos, adubando gente à sua imagem e semelhança. Com a diferença de que, com a ausência de classes, inexiste a luta por direitos de cidadania, sejam eles civis, políticos, sociais ou de quarta geração, por mais jograis que pareçam, impedindo também que se gire o motor da história, em proveito do produtor de riquezas.

 

Como em qualquer outro lugar

 

As pessoas em Cuba, Milton, não estão dando a mínima para os tais direitos de cidadania. Mas, tampouco se preocupam com aquela coisa de mais-valia, seja ela absoluta ou relativa. Você está equivocado. Poucos ali sabem de fato o que isso significa. Cada qual quer mais é dar-se bem, a qualquer custo, nos casamentos arranjados com estrangeiros (em estado de quase decomposição e cujos netinhos esperam em casa ansiosamente pela chegada do vovô), no 171 ou no jeitinho, na ginga ou na quizomba.

 

Isso mesmo, aquela coisa que o delírio pretensamente weberiano chamou de malandragem e um dia nos fez crer que esta era coisa nossa; cravada no DNA do brasileiro, dentro da mesma ideologia americanista que ainda acredita que foi a ética que pariu o capitalismo – camuflando os objetivos econômicos de classe de Wall Street; outrora, mercadores de escravos. Nada, a malandragem é também cubana, e é também guineense, argelina, própria dos capitalismos atrasados.

 

O malandro cubano, trabalhador explorado não pelo capitalista, mas pelo Estado tirano, está dando de ombros para direitos de cidadania e para o processo de alienação do homem. Essa se tornou disciplina descartável no curso cambiante da enxurrada de dólares que desafoga a Ilha. É peso demais para quem já sofreu tanto, e mais este fardo ele não aguenta carregar. Melhor mesmo é grudar os olhos no futebol ou na TV, ou nas "ricas novelas brasileñas".

 

Os intelectuais orgânicos de outrora morreram de velhos, ou de tédio! E a dialética há muito deixou de figurar das rodas de conversa do arquipélago. Para os mais jovens, 'a causa já era', e a práxis jamais encantou. Seu fetiche está mesmo é na mercadoria e, no limite de sua utopia, anseia por um mercado dinâmico, nas 'maravilhas' do Black Friday, com direito às insalubridades gastronômicas do McDonald's e passeios de mau gosto ao mundo da fantasia de Walt Disney, mais ou menos o mesmo que enche os olhos e lava a alma de nossa classe média tupiniquim, pequeno-burguesa.

 

É nessa exata medida que se reproduz o novo homem velho de Cuba, pagando e recebendo propinas, permanecendo no armário para fugir ao encalço do stalinismo à cubana, realizando pequenos furtos contra o Estado impiedoso - que podem lhe valer mais de vinte anos de cana. Daí porque as aberrações do aparelho senil, que lhe extrai mais-valia e lhe arranca as energias, não se revelam em sua consciência. A apropriação do excedente, pelo Estado, é justificada por esse mesmo Estado, como sendo culpa do embargo norte-americano.

 

E é curioso que você não cite de forma alguma esse conteúdo autoritário do sistema. Justamente você, de quem me lembro anunciando, ao começarmos a construir o PSOL, que nosso partido seria um “partido reformista socialista, de esquerda, na linha do reformismo revolucionário que Carlos Nelson Coutinho já explicou muito bem no Brasil, com um caráter essencialmente republicano – republicano no sentido de cidadão, antiautoritário, libertário e justo” (2).

 

Mas o homem cubano não é bobo, Milton Temer; é malandro. No fundo sabe que a classe operária e os camponeses estão longe de serem os verdadeiros donos do país, e têm claro que estes batalhadores não produzem para eles mesmos, mas para uma burocracia interna. Sabe que o poder político em seu país longe está das mãos do proletariado. Sabe bem que isso não é socialismo, pois não pode ser socialista um Estado que reprime as massas trabalhadoras e as submete pela violência e pela alienação. Daí que prefere ser chapeiro a professor universitário, pois seu estômago fala mais alto na escolha.

 

Por isso não dá a mínima para as contradições e não vê sentido em lutar. Sua cabeça está no mercado e sua reflexão política não avança, embora não se furte de falar mal do autocrata, quando não está sendo espiado pelos inúmeros agentes do Estado, disfarçados entre a população. Ele sabe bem com quem se abrir ou se fechar e ele não se abriria para amigos do velho chefe. É isso, entende? E aqui nada há de propaganda vulgar anticubana.

 

No imaginário do homem cubano, Milton, como você bem lembrou, a mão forte do Império continua à espreita. Faltou dizer, camarada, que este homem cubano sonha com o dia em que a tirania venha a cessar. Fique íntimo dele, sinta suas consternações e ele lhe confessará. Ele está certo, mas espera que a dialética perversa tenda a tomar novos rumos, dada a configuração político-econômica atual. O que está por vir, entretanto, e isso o homem cubano está longe de projetar, não é a criação de nenhum homem novo, mas a luta por meros direitos de cidadania, que transformará a ilha numa democracia burguesa, mais besta do que a nossa. É pena, Milton.

 

 

Notas:

 

 

1) (O Capital, p 47)

 

2) http://www.correiocidadania.com.br/antigo/ed384/politica6.htm

 

 

Venceslau Alves de Souza (Vini) é professor, sociólogo e historiador. É autor de Malandragem e Cidadania; Novos Rumos (no prelo). Novas Edições Acadêmicas Editora.

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