Privacidade no Google

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Rodrigo de Oliveira Andrade
14/03/2012

 

O Google, um dos mais populares sites de busca do mundo, efetivou, no último dia 1º de março, sua Nova Política de Privacidade para o uso da maioria de seus produtos e plataformas. A medida causou polêmica ao redor do mundo, visto que ela permitirá à companhia de Brim e Palmers combinar informações pessoais que seus usuários, uma vez logados, compartilham ao utilizar seus produtos e sites, tais como Gmail e Youtube, com seus próprios produtos e sites, exceção apenas para o Google Chrome, Google Books e o Google Wallet.

 

De acordo com informações publicadas pela American Civil Liberties Union (ACLU), o Google pretende, com isso, ter uma visão mais abrangente de seus usuários para, então, poder lhes fornecer serviços melhores. Para isso, sua nova política prevê a “descoberta de coisas básicas, como o idioma que você fala, e complexas, como os anúncios que você achará mais úteis ou as pessoas on-line que são mais importantes para você”. Para a Agência Francesa de Privacidade, CNIL, no entanto, os argumentos utilizados pela companhia para justificar a implementação de sua nova política revelaram-se inócuos e difíceis de serem compreendidos, até mesmo por profissionais de privacidade treinados.

 

Diante disso, uma coalizão de cinqüenta grupos de consumidores da Europa e dos Estados Unidos enviou uma carta ao CEO do Google, Larry Page, numa última tentativa de fazer com que a empresa repensasse a aplicação de sua nova política. De acordo com Rob Waugh, em texto publicado pelo Mail Online, a carta afirma que a nova política da gigante de buscas é injusta e impensável. Além da União Européia, países como Japão e Coréia do Sul, entre outros, também se mostraram avessos à nova política do Google, a qual, além de confusa, pode ser considerada ilegal em muitos países.

 

Apesar do discurso oficial, tal como o divulgado à AllThingsD, no qual o Google continua a afirmar que a atualização de sua nova política pretende fazer com que suas práticas de privacidade sejam mais fáceis de serem compreendidas, o fato é que os reais interesses da empresa assemelham-se muito aos do Facebook, como foi exposto em texto publicado pelo Correio da Cidadania em 10 de fevereiro de 2012 (disponível aqui). Em outras palavras, ao ter em mãos desenhos mais reveladores sobre o perfil de seus usuários, o Google poderá vender espaços publicitários mais segmentados – a principal fonte de sua receita anual de US$38 bilhões.

 

Não seria a primeira vez que o Google obtém informações confidenciais de usuários da internet para utilizá-las a bel-prazer. Mês passado, por exemplo, uma reportagem publicada pelo Wall Street Journal revelou que engenheiros do site de busca bloquearam as configurações especiais de segurança do navegador da Apple, o Safari, deixando-o vulnerável aos espiões do Google, os quais, segundo Sergio Motta e Albuquerque, em texto publicado pelo Observatório da Imprensa, inseriram cookies (minisoftwares em forma de texto que são plantados em um navegador para tracejar hábitos e gostos de usuários da web) nos browsers dos usuários a fim de mapear seus gostos e preferências e beneficiar os anunciantes parceiros da companhia.

 

Casos como os protagonizados pelo Facebook, Google e, mais recentemente, pelos projetos de lei estadunidense SOPA (Stop Online Piracy Act), PIPA (Protect Intellectual Property Act) e o Acordo Comercial Anticontrafação (ACTA, em inglês Anti-Counterfeiting Trade Agreement), têm nos mostrado, em primeiro lugar, o quão frágil tem sido a aplicação de regras claras sobre o funcionamento do fluxo de dados compartilhados via internet. Ao mesmo tempo, nossa liberdade virtual encontra-se cada vez mais cerceada. Isso graças ao comportamento omisso de órgãos reguladores acerca de embates ilegais, indecentes e antiéticos entre plataformas multimilionárias e ao posicionamento parcial de governos, como o dos Estados Unidos, que se empenham em emplacar projetos que visam restringir a democratização do conhecimento enquanto mantêm impunes empresas que violam os direitos de privacidade de seus usuários – vale lembrar que, apesar de nada ter sido feito em relação à atualização da nova política de privacidade do Google, no último dia 5 de março, promotores federais dos Estados Unidos oficializaram o pedido de extradição do fundador do site de compartilhamento de arquivos Megaupload, Kim Dotcom, acusado de violação de direitos autorais por ter facilitado milhões de downloads ilegais.

 

Há, todavia, de se compreender tal postura por parte do governo estadunidense. Afinal, em meio a uma crise financeira e econômica que assola, sobretudo, a Europa, empresas como Google e Facebook lucram como nunca, ajudando, assim, a estabilizar, na medida do possível, a economia dos EUA.

 

Ironia à parte, muito tem se falado sobre o poder da internet e, principalmente, das redes sociais, compreendidas como uma importante ferramenta de mobilização popular e de democratização da comunicação e da liberdade de expressão, fenômeno que, por sua vez, traria consigo o fim da hegemonia dos grandes meios de comunicação, porta-vozes das classes dominantes. Por outro lado, é sabido que o sistema capitalista é hábil em incorporar à sua lógica mercenária mecanismos com forte potencial revolucionário. Contudo, estamos diante, aqui, do fluxo inverso. Isso porque tanto os já citados projetos de lei estadunidenses quanto a invasão de privacidade promovida pelo Google e Facebook tentam conter o ativismo digital proveniente da adaptação de plataformas, criadas, a princípio, para fins financeiros, pela sociedade digital para uso político/social.

 

Ao mesmo tempo, enfatiza o jornalista Eduardo Silveira de Menezes, é preciso refletir sobre quem realmente (e também virtualmente) está no comando. Afinal, apesar de a internet ser utilizada, em muitos casos, como ferramenta de promoção do pensamento crítico, sendo este o primeiro passo para o rompimento do fluxo alienante de nossa sociedade unidimensional, ela ainda é coordenada por grandes corporações interessadas em conhecer melhor seu potencial consumidor ou inimigo político.

 

Rodrigo de Oliveira Andrade é jornalista.

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