Feliz 2011, “mas eu vou voltar pro buraco!”

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Raymundo Araujo Filho
04/01/2011

 

As pessoas que lêem artigos meus já devem ter percebido que sou um fã do genuíno humor brasileiro, que é o chamado humor de bordão, que tanta tradição tem desde o tempo do grande rádio brasileiro, com seus programas como ‘A Turma da Maré Mansa’ (a Casas Bahia da época), ‘Balança Mais Não Cai’, entre outros. Este humor consiste em um quadro onde a cena se encaminha para uma deixa final, onde é sempre repetido o bordão do personagem principal.

 

Poderia eu citar aqui dezenas de grandes atores brasileiros, muitos deles com aptidão também para papéis dramáticos, e a maioria deles pertencentes às gerações artísticas passadas, sem desmerecer as safras posteriores e atuais, que também têm bons valores, é certo. Desta geração, ainda estão vivos e atuantes Jorge Loureiro (o engraçadíssimo Zé Bonitinho) e o Chico Anysio, com seus 300 personagens (todos emblemáticos e popularíssimos). E mais nenhum citarei, por óbvia possibilidade de cometer omissões injustas, além de alongar demais a introdução deste artigo. Fica a homenagem a estes grandes artistas brasileiros, que tanto bem já fizeram e fazem ao nosso espírito.

 

Atualmente, no Programa ‘Zorra Total’ (TV Globo), um dos dois únicos programas que temos com o formato do humor de bordão (o outro é ‘A Praça É Nossa’, no SBT, com Carlos Alberto da Nóbrega, seguindo o seu pai Manoel da Nóbrega, com alguns excelentes e tradicionais comediantes – e outros não tanto), há um quadro que é muito, mas muito mesmo, engraçado. E falo com isenção, pois sequer gosto do humorista Leandro Has que o protagoniza e que faz o primeiro trabalho que me agrada.

 

Este esquete a que me refiro se trata de um quadro que homenageia os mineiros chilenos (é, o humor de bordão homenageia assim, meio esquisito...), apresentando um protagonista caracterizado como um dos mineiros chilenos, que acaba de "sair do buraco", isto é, ser resgatado da mina, onde ficou muito tempo preso. O cenário é um vasto deserto ao fundo (acho que representando o Deserto de Atacama), com um elevador, por onde o mineiro voltou à superfície, colocado logo atrás, onde a cena se desenrola.

 

O personagem está de macacão, cabeludo e barbudo, o que somado com o, digamos, tamanho avantajado do comediante torna o personagem já meio engraçado por si só, indicando o longo tempo preso na mina.

 

A cena mostra vários jornalistas entrevistando o mineiro que acabara de "sair do buraco", inclusive estando um médico a lhe auscultar, o tempo todo. O diálogo é baseado, então, na chamada críticas de costumes, política e social (o humor de bordão é sempre crítico, pois foi criado para criticar o então ditador Getúlio Vargas).

 

Por exemplo, o mineiro, ao ser perguntado sobre seus planos, responde: "Agora quero viver bem, da minha aposentadoria, pois eu descontei sobre o valor máximo...". Aí o jornalista diz "mas, não vai dar. A maior aposentadoria do INSS está em mil e poucos reais". Ou quando ele diz que vai se consultar na rede pública para fazer uns exames que "o médico pediu com urgência" e a jornalista diz "mas não vai dar. Os exames demoram, às vezes meses, para ficarem prontos". Para estas decepções, ele então profere o bordão do quadro, que é "Então eu vou voltar pro buraco", virando as costas para todos e tentando entrar novamente no elevador que o trouxe das profundezas da mina em que trabalha.

 

Assim decorre o quadro, até que, após umas tantas decepções, ele acaba mesmo adentrando o elevador e mandando que o desçam. Recomendo que vejam, pois é muito engraçado. E rir faz bem, quando não é aquele riso canalha que tanto vemos nas bocas de nossos políticos, tendo alguns nos brindado neste Natal com a apresentação de polpudas contas de tratamentos odontológicos seus e de seus familiares (isso, na melhor das hipóteses, pois desconfio que até "notas frias" de serviços não prestados eles apresentam por lá, não fiscalizados que são).

 

Assim, pensando no Brasil atual, resolvi escrever um fictício diálogo entre este mineiro e os jornalistas, após ele ter passado os oito anos do governo Lulla lá embaixo, preso na mina em que trabalhava.

 

Jornalista – Então sr. Mineiro, qual é o seu desejo para os trabalhadores brasileiros neste 2011?

 

Sr. Mineiro – Que iniciem o ano com um salário igual ao que preconiza o DIEESE. Afinal, o nosso presidente, quando era oposição, tinha este índice como uma das suas principais reivindicações. E como 70% dos empregos deste país estão na faixa de até 2 salários mínimos....

 

Jornalista – Aí não vai dar! O salário mínimo que o presidente Lulla vai legar ao trabalhador brasileiro é de apenas 25% daquele estipulado pelo DIEESE (= R$ 540,00 a partir de janeiro), para um mínimo de conforto, sem luxo algum, para uma família de 4 pessoas...

 

Sr. Mineiro – Entãããão... Eu vou voltar pro buraco!

 

Jornalista – O que o sr. espera dos políticos brasileiros?

 

Sr. Mineiro – Que ao menos respeitem o povo, não reajustando os seus proventos em percentual maior do que o concedido ao mínimo, não apresentando notas de devolução de gastos desnecessários e particulares, para que paguemos através de nossos impostos.

 

Jornalista – Não vai dar não! O Congresso Nacional acaba de reajustar o salário da presidência da República em 147%, em mais de 60% o dos deputados e senadores, em efeito cascata para os estados e municípios, além dos cargos do Executivo. No Judiciário, os escalões mais altos continuam com suas mordomias, enquanto querem dar apenas 3% para os funcionários do setor. O senador Arthur Virgílio (PSDB) apresentou uma conta de mais de R$ 9 mil do telefone de sua residência particular. A ministra da Pesca nomeada para o governo Dillma, Ideli ‘Salvar-se’ cobrou R$ 4 mil de hotel, mesmo recebendo a tal verba para moradia em Brasília; o hotel que emitiu a nota é em Brasília. Outro parlamentar apresentou uma nota de um "festejo íntimo" de dois dias, para 15 casais (bota íntimo nisso), em conhecido motel de Brasília. A República está de dentadura nova, segundo as notas odontológicas apresentadas para a viúva pagar com o dinheiro do erário. E Lulla propôs que Dillma compre um avião de R$ 500 milhões - repito, R$ 500 milhões - "pois é humilhante ter de fazer escala em deslocamentos com o avião presidencial". É só 10 vezes mais do que ele próprio gastou no Aerolulla...

 

Sr. Mineiro – Então eu vou voltar pro buraco!

 

Jornalista – Qual o problema brasileiro que o sr. gostaria que tivesse sido resolvido prioritariamente nestes oito anos do presidente Lulla e seus aliados políticos no governo?

 

Sr. Mineiro – Ah! É lógico que é a Educação! Com o fim do analfabetismo, inclusive o funcional, e com os jovens na escola, naquela faixa entre 14 e 18 anos.

 

Jornalista – Mas não vai dar! A última pesquisa oficial do IBGE nos diz que, no Brasil, 50% da população já em idade de ser alfabetizada ou não o são, permanecendo analfabetos, ou padecem do chamado analfabetismo funcional, no qual o indivíduo não consegue nada além do que assinar o próprio nome e ler letreiros de marcas famosas, por indução gráfica. Necas de interpretação de textos, nem os mais simples, estendendo-se esta má formação aos universitários, que pouco conseguem entender o que lêem, segundo pesquisas.

 

Sr. Mineiro – Mas, ao menos os políticos que negligenciaram este setor não foram reeleitos, né?

 

Jornalista – Negativo! O governador de Pernambuco Eduardo Campos acaba de ser reeleito, tendo o seu estado em nada avançado na Educação, permanecendo com 25% de analfabetos e 27,5% de analfabetos funcionais adultos (segundo o IBGE), mais de 50% do total. E foi eleito, sob a promessa de priorizar a Educação em seu estado.

 

Já o estado do Rio, embora seja o segundo mais rico do Brasil, tem o pior desempenho na Educação em relação a TODOS os da região Sudeste, e acaba de reeleger o governador Sergio Cabral no primeiro turno. E é justamente na faixa entre 14 e 18 anos que se dá a maior desescolarização dos jovens.

 

Sr. Mineiro – Então, eu vou voltar pro buraco...!

 

Jornalista – Como o sr. espera encontrar a esquerda brasileira?

 

Sr. Mineiro – Que faça oposição ferrenha a tudo o que compactue com o capitalismo e o neoliberalismo, a sua forma mais perversa, não elegendo a continuidade dos que cederam ideologicamente.

 

Jornalista – Não vai dar! A maioria dos partidos que se diz de oposição de esquerda ao Lulla acabou votando na continuidade de seu governo, chamando-o "mal menor", como fizeram o PCB e o PSOL, este segundo ainda colocando o seu candidato à presidência da República no primeiro turno, o bravo Plínio de Arruda Sampaio, como se diz, pendurado na escada, coisa que não merecia, embora todos tenham percebido que o coerente foi ele, e não seus falsos correligionários.

 

Sr. Mineiro – Então eu vou voltar pro buraco!

 

Jornalista – Como o sr. espera encontrar a macroeconomia brasileira, após estes oito anos de governo Lulla?

 

Sr. Mineiro – Bem, que o processo de industrialização do país esteja em crescimento, que tenha acabado a farra dos papéis da dívida interna brasileira (70% do PIB), onde capitalistas não peguem dinheiro lá fora a juros de 1% e comprem nossos papéis da dívida para faturarem 20, 30 vezes em cima, mantendo o governo refém do possível resgate conjunto destes papéis, obrigando-o a manter R$ 300 bilhões de superávit primário, enquanto gasta apenas R$ 20 bilhões nas áreas sociais. Que as exportações de produtos industrializados aumentem em relação à dos produtos primários. E que os juros da taxa SELIC baixem, mas também reduzindo a diferença entre o custo do dinheiro que os bancos emprestam e os juros cobrados ao consumidor.

 

Jornalista – Não vai dar não! O processo industrial no Brasil está se deteriorando, proporcionalmente às taxas de expansão do PIB. O "spread" (diferença de preços entre a captação do dinheiro e o cobrado pelo seu empréstimo) aumenta, as exportações de produtos primários superam bastante a dos industrializados e a importação destes aumenta dia a dia.

 

Sr. Mineiro – Então eu vou voltar pro buraco!

 

Jornalista – Como o sr. espera encontrar o campo brasileiro, a Reforma Agrária e a qualidade dos alimentos?

 

Sr. Mine iro – Pelo que eu ouvi antes de o Lulla ser eleito, a Reforma Agrária já deve estar em seu processo final, o campo pacificado e a redução dos agrotóxicos nos alimentos deve ter sido imensa.

 

Jornalista – Negativo! A Reforma Agrária parou, houve muitas mortes de camponeses e o Brasil tornou-se o maior consumidor de agrotóxicos do mundo.

 

Sr. Mineiro – Então eu vou voltar pro buraco!

 

Sr. Mineiro – Bem, só me resta viver da gorda poupança que devo ter, com o rendimento de meus salários, estes anos todos.

 

Jornalista - Não vai dar não! A poupança nos anos Lulla rendeu menos do que a do tempo do FHC.

 

Eis que, depois de mais essa, o sr. Mineiro entra no elevador e grita: "Deeeessssce!!!".

 

Feliz 2011 para todos e todas. Que Puderem! Pois minha vontade é "voltar pro buraco!".

 

Raymundo Araujo Filho é médico veterinário homeopata e já avisa que faz piada para ter ânimo de continuar, como vai fazer, escrevendo sobre a impiedade da política e dos políticos brasileiros, e seus pelegos de plantão com o povo.

 

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