Justiça e paz: um abraço necessário

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Maria Clara Lucchetti Bingemer
03/03/2009

 

Como todos os anos, no início da Quaresma, a Igreja do Brasil realiza um movimento em nível nacional: a Campanha da Fraternidade. Neste ano de 2009, o tema é a violência nas urbes brasileiras e o desafio que isso representa para a segurança pública. Encontra sua raiz no coração da mensagem bíblica, mais exatamente no capitulo 32 do profeta Isaías: a paz não virá senão como fruto da justiça.

 

No texto-base da Campanha é apresentada uma reflexão sobre o conflito e suas múltiplas dimensões. Não sempre ou necessariamente negativo, o conflito faz parte da vida e da convivência humana. Pode ser um conflito de idéias ou de decisões. Pode acontecer dentro da própria casa, entre membros de uma mesma família. A questão é a maneira como é administrado e resolvido. Pode ser através do diálogo, buscando um consenso; ou da força, da violência, de modo que as opiniões de uma pessoa prevaleçam sobre as do outro.

 

O texto deixa claro que conflito não é sinônimo de violência e que a convivência humana supõe e deve administrar diferenças e divergências. Estas devem, contudo, ser trabalhadas por meio do diálogo. E se o consenso se revela mais difícil do que parece, há que entrar em cena a figura do mediador. Atualmente, o principal e praticamente único mediador de conflitos é o sistema judiciário, que verifica, à luz da legislação, qual das partes tem razão.

 

A Igreja pretende chamar a atenção para a necessidade de se ampliar a mediação de conflitos na sociedade brasileira. Está mesmo disposta a criar, para mediar os conflitos mais sérios, um ministério ou serviço eclesial com essa finalidade. Ao mesmo tempo, dispõe-se a trabalhar junto aos poderes públicos, a fim de que a mediação de conflitos se torne uma atividade institucional, e não se reduza a iniciativas isoladas. Existem já propostas de leis no sentido de que não apenas advogados, mas também psicólogos, teólogos, possam atuar como mediadores de conflitos.

 

Com respeito à violência, já se entra em outro nível. E a CF admite tratar-se de um problema primordial e grave no Brasil. Portanto, deve ser combatido por todos os meios possíveis, desde a denúncia até a defesa explícita, sobretudo daqueles que são mais vulneráveis. Existe a violência doméstica contra a mulher e a criança, assim como a do crime organizado. Existe a violência praticada e sofrida pela polícia. Existe ainda o racismo, forma terrível de violência simbólica. E os abusos explícitos contra os direitos humanos: tortura nas prisões, trabalho escravo, miséria das grandes maiorias que pagam o preço da exorbitante riqueza de uns poucos.

 

Em todos os casos, o que a Campanha pretende demonstrar é que toda violência encontra sua raiz em alguma injustiça. A perda da correta relação entre pessoas e grupos humanos será sempre a geradora da violência. A injustiça oprime e pressiona até que a reação exploda em violência. Cria-se, então, uma cultura e uma indústria do medo, onde as pessoas constróem muros e cercas elétricas para se defenderem umas das outras.

 

A CF sabe não poder fazer milagres. Quer, porém, suscitar o debate, para que cada comunidade levante as situações de mais insegurança e violência presentes em seu meio, questione sobre suas causas e procure organizar-se para combatê-las. A paz verdadeira só poderá ser fruto maduro da justiça praticada. O problema da segurança pública que assola o Brasil só poderá ser resolvido quando justiça e paz se abraçarem, tal como diz o Salmo 58,11, apontando para os tempos messiânicos.

 

Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.

 

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