AA, BBB, CVV: a audiência sobe e a sociedade perde

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Paulo Henrique Lima de Oliveira
06/02/2008

 

Em meados do mês de janeiro deste ano, a maior emissora de TV do país anunciava mais uma edição de um programa que se propõe a “vigiar” ou “monitorar”, através de câmeras instaladas em uma confortável casa, a vida cotidiana (?) e fútil de diferentes pessoas que foram selecionadas por seus “talentos” e “qualidades”. Os dotes físicos, com certeza, são valorizados com bastante cuidado na escolha destes candidatos. A casa, que não contempla a diversidade brasileira (não existem velhos, portadores de deficiência, obesos, estrangeiros etc.), é uma caricatura mal feita daquilo que entendo como programa de entretenimento. O programa agride aos que esperam da TV algo mais do que mera exibição de corpos e divulgação de produtos de consumo rápido os mais diversos. Saudades do Chacrinha!

 

Um prêmio sedutor em dinheiro para o ganhador do programa e uma série de patrocinadores que vão de um grande banco privado a uma das maiores fabricantes de automóveis do Brasil mostram o tamanho do investimento em um programa como este. Não há futilidades televisivas sem grandes patrocínios. Não haveria grandes empresas, incluindo-se aí bancos e montadoras de veículos, se houvesse clientela mais exigente, mais amadurecida mesmo.

 

Uma curiosidade ainda me deixa inquieto neste início de BBB 8ª edição: a pouca discussão midiática sobre o tema. Na sua primeira versão, especialistas de diversas áreas escreveram sobre este tipo de programa e a discussão ganhou um aprofundamento maior. Talvez não tenhamos paciência, nem tempo, para dialogar sobre um mesmo tema por diversos anos. Também estamos acostumados a discutir os temas apenas na época em que eles estão em plena evidência. Creio que estou atrasado neste momento.

 

Pois bem, as letras que são bastante conhecidas e caracterizam e identificam o programa televisivo BBB são anunciadas, vendidas, patenteadas e mostram que o capital, quando quer, pode apostar todo o seu potencial de investimento em algo que pressuponha lucro imediato e certo. Não é a toa que o mercado também vive de letrinhas: CDC, OP, BM&F, UFIR e outras.

 

Outras letras, porém, mostram que a sociedade poderia contemplar com mais profundidade outras propostas, mesmo que a mídia as deixe de fora do horário nobre. O BBB poderia ser momentaneamente esquecido e nos fazer refletir sobre outras abreviações de nomes que não viraram marketing instantâneo, mas têm uma história por contar, como o AA.

 

Ser um ex-AA é mais do que sair da casa, é manter compromisso integral com os que partilharam de um mesmo dilema, às vezes, anos a fio. É mostrar que a entrada e a saída são ganhos. É ser reconhecido pelos fracassos e sucessos.

 

O AA faz também a sua seleção para o acolhimento dos pretendentes a entrarem na sua “casa” e divulgarem as suas histórias. É uma seleção amorosa, onde atributos como idade, aparência física ou situação econômica não têm importância alguma. O prêmio do AA é mais enigmático, sem tempo certo para ser entregue. O melhor de tudo é que ele é sempre partilhado. Diferente do BBB, onde as brigas significam que “o jogo” está pegando fogo, as outras letras optam pela paz. Não sei se o AA tem patrocínio sequer para divulgar os seus serviços. Bancos, montadoras de automóveis, emissoras de TV e tantas outras empresas talvez não vejam em outras letras investimentos necessários.

 

Falo de investimento financeiro, mesmo. O passo organizacional para o funcionamento da instituição que dialoga com pessoas que sofrem os problemas do alcoolismo está consolidado, mas poderia ir muito mais além.

 

A mídia, assim como as grandes empresas, poderiam ainda ampliar a sua visão comercial divulgando e apoiando (quem sabe em horário nobre), além do BBB, o CVV. Um serviço de apoio a pessoas que buscam amparo emocional através de ligações telefônicas. A valorização da vida parece se perder quando um projeto como este necessita constantemente de voluntários para que possa funcionar plenamente. O CVV necessita mais do que voluntários, necessita de investimentos financeiros, de reconhecimento social mais amplo, de muitos telefones como os que as empresas disponibilizam para que os curiosos possam ouvir as “conversas” dos BBB que estão “confinados”. A TV confina a todos?

 

O maior faturamento do verão de uma emissora de TV e dos seus anunciantes se concentra em um programa que ganhou identidade com as suas letras e a sua futilidade característica. O maior ganho que a sociedade poderia ter neste momento talvez fosse perceber que o alfabeto da cidadania e das escolhas midiáticas vai além de algumas letras. Podemos mudar de canal, podemos tomar atitudes, podemos pensar sobre o assunto. As grandes empresas idem. Daqui a pouco, elas estarão também no “paredão” de uma sociedade que não se vê apenas no BBB, mas no MST, no GAPA, na CNBB, na OAB...

 

Para o leitor mais distraído, informo que a siglas AA e CVV representam respectivamente: Alcoólicos Anônimos e Centro de Valorização da Vida. BBB todos sabem o que não significa.

 

 

Paulo Henrique Lima de Oliveira é sociólogo (UFC), mestre e doutor em Geografia (UFMG e UFU). Escreve no blog www.aquiaa.blogspot.com . Email: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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