Brasil em 13 versos: o testamento
- Detalhes
- Roberto Antonio Deitos
- 01/07/2016
PARTE 1
1 – O DIA DOS ELEITOS
Na mão a promessa
Que saiu pelo vão dos dedos
E a tinta da caneta falhou no poder
Na hora de fazer valer o povo
A assinatura não cabia no papel
Pois eram muitos os que queriam
Que os sonhos do povo
Fossem reais?...
Assim na falta de espaço
E de papel e de perspectiva
Ficou para outro dia
Para que tanta pressa?
Se podemos multiplicar
O amanhã que não chega!
De quatro em quatro anos
Podemos fazer nossas apostas
Na loteria eleitoral tudo passa
De quatro em quatro anos!
2 – O CHORO DAS LÁGRIMAS
Brotaram das ruas os gritos de mudança
Sonhos alargados nas lutas
Dores da angústia das promessas
O povo chorou as lágrimas derramadas
Das promessas rasgadas
Por que o povo sabe chorar ainda?
Esta era a pergunta nos altos escalões
Dos poderes da República
Na sua ânsia de salvar o povo
Desesperado nas ruas e praças
Atrapalhando o trânsito
Já pouco congestionado
O que pensam essas pessoas?
O que não pensam essas pessoas?
Vamos demorar bastante para decifrar
O enigma das perguntas
Reuniremos os mais notáveis
De presidentes a chefes de tudo
Dos tribunais aos que sabem tudo
Um dia descobriremos o que dizem
Nossa língua é muito complexa
E os dialetos nos confundem
Com a mais alta surpresa
Da descoberta do nada
Dizem com a voz das alturas:
Não tenham pressa
Porque se depender de nós
Que estamos nas alturas
Palavras ao vento...
O amanhã não chegará!
BRASIL EM 13 VERSOS: O TESTAMENTO (parte II)
3 – O CANTO SILENCIADO
Ouvia da janela esperanças prometidas
Ouvia pássaros em voos que não chegaram
Ouvia da boca a negação do povo
Ouvia tudo que chegava como retórica neoliberal
Ora pelos já assumidos, ora pelos convertidos!
O que eles fazem em noites de calidez
Que se perdem na escuridão
Das sombras
Enquanto os sonhos
E as vidas são mutiladas?
Castigos como se fossem
Poupados por aqueles
Que não merecem ser
Aquilo que são
Pois pode haver sonho
Quando não se tem futuro?
4 – OS PROGRAMAS VENDIDOS
Em dias quentes ou em dias frios
Em noites escuras ou de luas brilhantes
Ninguém enxergava o vento que vinha
Nos dias e nas noites o povo foi vendido
Em programas eleitorais e acordos assumidos!
Quem é que vai assoprar no ouvido
O que ele não quer ouvir?...
Para depois sair dizendo
Nas rodas do poder e dos poderes
Que não sabem o que dizem
Como diz passagem de livro
Da Bíblia: “perdoai Senhor, eles não
sabem o que dizem” (?...)
Mas alguém pergunta:
Já faz algum tempo
E não ouço nada
Acho que não estou ouvindo direito...
Vamos para casa meu filho
A praça está ficando muito cheia
Deve ser o congestionamento
Ou o trânsito ou algum acidente
Que fazer meu filho?
Não fosse o trânsito
Já estaríamos em casa.
Meu pai: quando vamos jantar?
Que nada meu filho
Eles não estão pedindo comida, saúde,
Transporte ou essas coisas desnecessárias...
Eles devem estar querendo
Mudar o país...
Sei lá... vamos embora meu filho
Antes que a polícia chegue
E a gente apanhe também
E eu não consigo ouvir mais nada
Acho que não estou ouvindo mesmo...
Será que tem comida em casa
Ou nós já jantamos meu filho?
Agora vamos ter que pensar um pouco
Ou mudar o Brasil?
Eu ouvi alguém gritando meu filho?
Ou vi em algum lugar
Já não sei mais...
A frase era tão bonita:
País rico é país sem miséria, sem pobreza...
Sem não sei o que mais!
Não meu pai são os manifestantes
Gritando: queremos comida, educação,
Casa, não sei mais o que...
Então parece que não estou ouvindo mesmo.
Onde é que paramos mesmo?
Esqueci meu filho o que íamos fazer...
Acho que queremos muita coisa
Mudar o Brasil...
Será que podemos preparar este prato
Estou ficando com fome e já é tarde?
Vamos embora meu filho
Seu pai quer dormir e você é jovem
Amanhã precisamos protestar de novo?...
Quem é que roubou nossa estrada?
Como vamos chegar em casa agora meu filho?
Podemos, meu pai, ligar para o 0800 Brasil
Dizem que Brasília responde gratuitamente
E assim estaremos salvos!...
Vamos para casa meu filho
Devo não estar ouvindo muito bem...
Ou a linha esta sempre ocupada!?
BRASIL EM 13 VERSOS: O TESTAMENTO (parte III)
5- O VALOR DE UM POVO
Quanto vale o valor da validade eleitoral
Medida pela moeda da troca dominante
Que enche de valor de troca tudo
Compra com o dinheiro governantes
Seus produtos mais valorizados
Em ações políticas negociadas
Nas instituições por eles mesmos criadas!
E o povo pensa que é feliz ao votar
De quatro em quatro anos
Sem saber o porquê das coisas (?...).
6 – QUEM TOCA A SINFONIA
Quem toca o cântico dos explorados?
Quem vê a luz que não ilumina?
Quem chora a dor de quem não come?
Quem chora a saúde sem vida?
Quem chora a dor que não tem sinfonia?
Quem chora por àqueles
Que só têm o infortúnio de chorar
Como uma melodia silenciosa?
7 – O PODER DO CAPITAL
O poder do capital é como a mão que não aceita o braço
É um corpo múltiplo e diverso em si mesmo
É o perverso em si e de si do tudo e do nada
É o pó do sangue de quem é explorado
Mistura das coisas e mercadorias especulativas
Em que a vida subsumida desaparece lentamente
Como um sopro diluído nas entranhas do universo
Ampliando sempre o pó da acumulação de poucos!
8 – AQUELES CONVENCIDOS DE QUE SÃO ANJOS
Os anjos andam pelos blocos de luzes
Os encarnados acham que são anjos
Acreditam em si mesmos como anjos prometidos
Nos lugares estatais e financeiros sonham
Com reinos novos cheios de dinheiro
Enquanto ao povo o sonho de ser anjo deve alimentar a alma
E acobertar a farsa dissimulada
A liberdade e a humanização são anjos desprotegidos!
9 – SEM MEDO DE SER FELIZ...
Quando o outro em mim se expressa
Me coloco no seu lugar...
O medo de ser feliz que no outro
Se expressa em mim pode terminar...
Se o ato social for de todos
Quando ninguém pode ser o outro
Que em cada um pode ser feliz
Pois a felicidade não tem preço
Se a humanidade não pudesse ser vendida
Em valor de mercadoria.
Quando isso acontece
O medo de ser feliz aparece
E vira negação da vida
A negação do outro
A negação do futuro
A negação do sonho.
A fertilização da barbárie
Só produz o medo de ser feliz
Para ser sem medo de ser feliz
A felicidade humanitária
Precisa ser de todos.
Quando poucos contam seus sonhos felizes
E muitos sonham infelizes sonhos felizes...
Que precisam ficar sem medo de ser feliz
É porque a felicidade não é um presente
Num embrulho engomado
Na demagogia da promessa esquecida
Daqueles que detêm os poderes
Do dinheiro e da política
Contando notas musicais
De uma sinfonia fúnebre...
E acham que estão fazendo bastante
Para a insignificância de seus atos!
Num esforço valoroso
Sonham felizes com um novo mandato!
E assim dia chove e dia sai sol iluminado
E os pobres continuam
Sem medo de ser feliz
Mesmo vivendo a infelicidade
Nas entranhas escondidas
Da aparência feliz!
Ora, para que servem os programas de TV?
Mostrem senhores:
Não somos um povo feliz
Sem medo de ser feliz?
A felicidade parece que veio junto
No pacote da infelicidade
Como um guardanapo para limpar
A boca quando pensamos
Que nos lambuzamos com a sobremesa.
BRASIL EM 13 VERSOS: O TESTAMENTO (parte IV)
10 – PAÍS RICO É PAÍS SEM POBREZA...
Décadas de riqueza
Quem conta os dinheiros?
A Casa da Moeda Nacional?
Ou é guardado pela Fazenda
E o Banco Central?
O que chega ao povo
Começa pelo salário mínimo
Pela bolsa família... mínima
Pois o mínimo não cresce
Mais que o mínimo
Motivo de ser mínimo...
Nos poderes palacianos
O dinheiro se reparte
Partido em pedaços
Como se não tivesse donos?
Depois de muitas andanças palacianas
Passa pelos rendimentos melhores
E termina na sétima economia mundial
Passa por poucos milionários e bilionários
Com quem as fortunas e a riqueza
Acumulam em poucas necessidades
E muitos luxos e luxos...
Variados... e complexos...
Que aos pobres não sobra tempo para ver
O que é roubado pelo capital
Como um guarda-chuva sem alça!
O luxo voando por cima de nossas cabeças
Em aeronaves espaciais
Os produtos internos brutos
Transnacionais dos nacionais
Voam como pássaros no céu
E quando se encontram com as nuvens
Sonham que são as novas divindades
Que vieram para atormentar
Os pobres infelizes e mortais
Que ficam olhando para os céus
Querendo conversar com as nuvens...
Pois só elas parecem que nos entendem
E às vezes choram como nós!
11 – PÁTRIA AMADA...
Ou viver a liberdade ou morrer pela nação
Só faz parte da verdade fora das orlas do poder
Duas coisas numa só
Só que valem como pó
Quando o povo
Fica só e triste é explorado
Qual nação qual liberdade
Espalha em suas mãos?
Se antes de tudo vem a vida
Que lhe é aos poucos tirada
De suas próprias mãos!
Se o povo é o coração da pátria
A pátria amada pode suicidar seu coração?
12 – OS SIGNOS E OS ASTROS
Não sigo a ventania ando com o vento
No eixo da rotação ficamos do mesmo jeito
Promessas prometidas em dias de sol
Convertidas em noites de laços e anzóis
Para controlar o povo
Enquanto o capital dorme
No travesseiro da especulação
Como um parasita de tudo e de todos
Para alimentar a gula insaciável
Numa proliferação monstruosa
Como signo e astro de si mesmo!
Que só consegue ver o povo
Pela fresta da vida
Num orifício cada vez mais míope!
BRASIL EM 13 VERSOS: O TESTAMENTO (parte V)
13 – ELES NÃO SÃO OS PROMETIDOS
Do chão que brotou poderes
Poucos são os que ficam com o povo
Como signos e astros de si mesmos
Criam fortes alianças com o capital
E muitas vezes se misturam tanto
Que são novas formas
Metamorfoses de si próprios.
Vivem o mundo novo das forças políticas
Iguais aos que eles combatiam
Que não representam o povo
Não representam a mudança
Não representam a vida
E não querem a humanização
E a transformação social
Do verbo não se fez vida
Da vida não se fez verbo
Assim a vida passa despercebida...
Há dias que chove
Há dias de eleições
E o povo vai levando a vida...
Até quando suportará tanta manipulação?
Esqueceram de colocar em pauta
Que o capital é o futuro de si mesmo
Enquanto deixa o povo sem esperança
E sem futuro!
Eles não são os prometidos
Eles são os primeiros de si mesmo
Que como o capital
São promessas de si mesmo
Na negação do futuro
E da esperança que só pode estar
Nos outros (o povo, todos os homens)
Que ficaram do outro lado
Esperando chegar o amanhã
Que só pode estar quando todos
Forem às ruas e avenidas da vida
Negar os poderes do dinheiro e da política
Dizendo que dá para ser feliz
Sem medo de ser feliz
Quando descobrirmos que são poucos
Os guardiões da infelicidade
E da desumanização!
As nuvens mandam chuvas
E o sol brilha iluminado atrás delas
E a noite chega com a lua de luz
Para esconder que choramos
A humanidade em cada um de nós
Que é negada!
Meu pai veja as borboletas voam...
São lindas e coloridas
Meu filho elas voam...
Meu pai por que nós também não aprendemos a voar?
Parece ser tão fácil...
Meu filho parece que só não podemos ter medo de altura...
E entender que os prometidos não existem!
Pois se existem estão em cada um de nós!
E a chuva começou e no início de seus pingos
Com as gotas escreveu o filho na calçada da praça:
Somos nós mesmos os prometidos
E esquecemos disto?
O pai olhou e disse:
Sempre é tempo de recordar quem somos?...
Podemos ficar aqui mais um pouco meu filho
Assim a chuva passa e ninguém percebe
Que estamos chorando!
E acabem exigindo que as lágrimas
Sejam declaradas em nosso testamento
Como as únicas riquezas que ainda temos!
Pois as lágrimas também podem ser
Fiadoras prometidas como o preço
No valor das promessas não cumpridas
Das nulidades futuras da história!
Não há o que juntar meu filho
Lágrimas são migalhas sonegadas
Que evaporam no tempo negado!
Meu pai não se preocupe, olhe:
As nuvens carregadas de chuvas que virão
Para se juntar com nossas lágrimas
Esparramadas pelo chão
Como se estivéssemos pisando firmes
Soldando a massa no chão
Empunhando novas lutas que virão!
Escreva, meu filho com gotas ou lágrimas
Em nosso testamento:
Nossas vontades são reais
Contra essa gente (acima dos mortais)
Que negam a razão e a vida!
Empreendem atos políticos
Ou estabelecem pactos como convertidos
Ou se declaram personificações do capital.
Expressam internalizações
Dos interesses das classes hegemônicas
E do imperialismo que as alimenta.
Como velhos e novos
Senhores de si mesmo
E prometidos de ninguém
Senhores da negação do futuro
E da emancipação negada!
A vida não lhes pertence como futuro
Porque não a desejam mais...
E a morte (se escondendo dela)
Aparece encantando como se fosse
Um paraíso...
Que oculta a barbárie triunfante...
E como se fosse uma eternidade
Consome o finito de todos
Subtraindo o lugar da vida e do futuro.
Abdicaram do povo
Na ânsia egoísta de se tornarem
Senhores adorados pelo capital
Como seus confiáveis adoradores!
Nessa ânsia alucinante alguém
Num lapso de lucidez pergunta:
O que são aquelas pessoas
Que nos veem lá de baixo
Estão no futuro... ou no abismo
Que a deixamos?...
Andam nos perguntando:
Por que estamos no futuro
Se tanta gente lá embaixo
Gritam desesperadas
Como se houvessem perdido
O dia de suas viagens?
Será que estamos com nossas
Aeronaves espaciais voando
Muito baixo em dias sem nuvens?
Será que elas conseguem nos enxergar
E ainda gritam sem saber o que fazer?...
Pensando que somos o futuro
E a esperança que jamais fomos
Ou não somos mais?...
Lapsos em pensamentos diluídos:
“...Senhor, perdoai-vos...”, porque eles
Não sabem por que gritam... (?)
Ou estamos (nós aqui nas alturas... em nossas aeronaves)
Tão distantes que não podemos ouvi-los mais?
Temos que ter muito cuidado...
Porque as ondas de seus ruídos... que fazer...
Podem prejudicar nosso voo entre as nuvens carregadas!
Ficar longe dos que gritam: que fazer?
É a melhor saída para não sentir
Desagradáveis tempestades!
Quando o universo brilha sorridente... como fogo...
Pode não ser de felicidade, alguém diz, já sem ouvir os gritos
Que não incomodavam já distante: é fogo queimando!...
É fogo queimando... eles estão gritando fogo queimando?
O fogo queimando... o fogo... queimando... o que fazer?
O que fazer?... Alguém pergunta e logo diz:
Não se preocupe: Estamos tão distante deles...
Só vejo um clarão bem perto de nós que parece fogo queimando!...
A história não absolverá
Quem não era nunca foi
Quem quis ser não foi
Quem lágrimas criou
Quem dor não sentiu
O povo cansou
Os prometidos não são
Os imaginados que eram
Pouco a pouco evaporam
Como gotas ao sol
Em plantações sem sementes
Os frutos não nascem
E o povo padece!
Lá embaixo grita a multidão:
Quem são aqueles no clarão entre nuvens
Que parece fogo queimando?
Eles próprios respondem:
Eles não são os prometidos!
Os prometidos somos nós!
Que aqui embaixo
Ficaram esquecidos.
Roberto Antonio Deitos é poeta e professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.