‘Estamos apenas começando a debater e construir política cultural no Brasil’

0
0
0
s2sdefault
Gabriel Brito e Paulo Silva Jr, da Redação
09/12/2014

 

 

 

Como todos sabem, políticas culturais nunca foram o forte do poder público brasileiro. Iniciativas independentes e descoladas do interesse econômico, talvez como nunca, exigem processos de luta  coletiva bastante determinados. Neste ano, a maior cidade do país convive com mais uma dessas tentativas, na ocupação da chamada Casa Amarela, casarão de arquitetura clássica, animado por diversos coletivos e artistas que têm dado vida diária ao espaço.

 

“Agora, ficou mais difícil chegar até o prefeito. Por outro lado, os vereadores estão dando bastante apoio para a nossa luta. Fizemos uma agenda de atividades na Câmara e aconteceram algumas coisas boas. Por exemplo, descobrimos no decorrer desse processo que a Casa Amarela não estava integrando uma lista da PL 402, com os imóveis do INSS sem uso e em processo de municipalização. Agora está”, disse a atriz de teatro Luiza Maia, em entrevista ao Correio.

 

Além de explicar como funciona a autogestão do local, ideal cada vez mais trabalhado por movimentos sociais e culturais, Luiza falou do surpreendente processo de reintegração de posse do imóvel, após 9 meses de convívio pacífico com a prefeitura, que inclusive incluiu o espaço em seu calendário cultural ao longo de 2014. Ademais, conta as dificuldades dos grupos artísticos em conseguir desenvolver seu trabalho, o que se agrava com os atuais alugueis em voga.

“Os artistas têm sempre de reivindicar uma coisa que na realidade é um direito. É o óbvio. Pense bem, é um espaço pra trabalharmos. A nossa profissão é inviabilizada, a começar pela questão do espaço. Se for aprofundar, vamos entrar no campo de lei trabalhista, no campo de políticas públicas e de financiamento de projetos, vamos debater o fomento da Lei Rouanet, leis de incentivo de uma maneira geral. É um debate muito amplo”, analisou a entrevistada.

 

A conversa completa, gravada nos estúdios da webrádio Central 3, pode ser lida abaixo.

 

Correio da Cidadania: Como se deu a ocupação da chamada Casa Amarela e o que são os “ateliês compartilhados”?

 

Luiza Maia: Há uns três anos, formou-se um movimento que partiu da iniciativa de grupos de teatro, mas ao longo do tempo foi agregando artistas de outras linguagens, num movimento de ocupação de espaços ociosos.

 

Acontece que nós, do teatro, precisamos de espaço para produzir nossa arte, assim como a maioria dos artistas. E a especulação imobiliária aqui em São Paulo é feroz, grupos que têm seus espaços sofrem com alugueis altíssimos e, para quem ainda não tem lugar, é praticamente impossível conseguir um. Tais grupos se reuniram e se organizaram para tentar viabilizar algum processo político, ou algum tipo de projeto com a prefeitura e a Secretaria Estadual de Cultura, para que os espaços ociosos fossem ocupados por artistas.

 

Tentamos ao longo de três anos o diálogo, porque já tínhamos uma lista de espaços potenciais, em que poderiam ser desenvolvidos os ateliês compartilhados, que são projetos do movimento de ocupação dos espaços ociosos. Mas não rolou. Não fomos escutados nas nossas reivindicações. Depois, há cerca de nove meses, decidimos partir para a primeira ação direta do movimento, que é a ocupação da Casa Amarela, na Rua da Consolação, nº 1075.

 

Correio da Cidadania: Como vocês fazem pra gerir o espaço e quais atividades e grupos o movimentam?

 

Luiza Maia: Sempre falamos, entre todos os coletivos, que se trata de um espaço autogerido. Apesar de ainda estarmos desenvolvendo o conceito de autogestão, do que será e do que é. Atualmente, a casa é organizada por todos os artistas que produzem lá, pelos artistas que passam por lá, por pessoas que são simpatizantes do movimento social. Temos assembleias, oficinas, cursos, workshops e apresentações.

 

Mais de cem coletivos de teatro já passaram pela casa, mais de 70 artistas independentes já fizeram produção cultural artística na casa e também se apresentaram. A casa foi palco da Virada Cultural. Conseguimos tal articulação política na época, para que sempre tivéssemos projetos dentro da Casa Amarela, que também já foi palco da Virada Sustentável e da Virada da Educação. Portanto, é um imóvel, um ambiente, bastante usado e muito movimentado.

 

Correio da Cidadania: Por que foi pedida a reintegração de posse de um imóvel que pertence ao INSS, portanto ao Estado, e que tem sido ocupado com finalidades culturais tão conhecidas?

 

Luiza Maia: O processo de reintegração de posse chegou em nossas mãos há mais ou menos 20 dias, por via da oficial de justiça. Até então, pensávamos que demoraria mais, porque nós estávamos em diálogo com o prefeito Haddad, com vereadores, com outras instâncias que ajudariam a Casa Amarela. É um imóvel pertencente ao Estado e, se passar para a municipalidade, viabilizaria os nossos projetos de ação cultural na casa. Fomos surpreendidos pelo processo e estamos correndo atrás. Primeiro, a nossa luta é para derrubar a primeira liminar de reintegração de posse, e pra isso estamos fazendo várias ações.

 

Correio da Cidadania: Acredita que a situação da Casa Amarela esteja conectada a outras ocupações que vêm ocorrendo em SP, tanto por moradia como outras como a de vocês?

 

Luiza Maia: Num contexto mais amplo, acho que se conecta, mas também é fruto de um contexto próprio. Porque ocupação de espaço cultural, apesar de ser menos comum pra quem conhece mais a ocupação de moradia, já existe há bastante tempo aqui na cidade de São Paulo. Podemos citar o CDC Vento Leste, onde está o Coletivo Dolores, tem o espaço do Pombas Urbanas, o da Brava Cia, o Teatro União e Olho Vivo... Todos esses espaços são ocupações. Cada uma se desenvolve de maneira diferente, mas são ocupações.

 

A Casa Amarela vem na mesma toada. A única coisa é que lá não tem um coletivo gestor ou alguns coletivos gestores, como a maioria desses espaços, mas vários artistas que passam e produzem. Por isso falamos em ateliê compartilhado. O nosso projeto é para que não tenha um número restrito de indivíduos que assumam a gestão do espaço. A ideia é que o espaço seja gerido autonomamente pelas pessoas que produzem e passam por lá.

 

Correio da Cidadania: O poder público de São Paulo tem atuado na questão? Acredita que a atual prefeitura seja mais sensível às pautas culturais e possa oferecer mais apoio à promoção de políticas nesta área?

 

Luiza Maia: Como eu disse, nós fomos surpreendidos pelo processo de reintegração de posse, porque até então o prefeito estava em diálogo conosco. Ele recebeu algumas cartas do nosso movimento e até nos citou em outras reuniões de pauta de cultura. A Secretaria Municipal de Cultura aceitou contratar a Casa Amarela para atividades desenvolvidas na Virada Cultural, e que ocorreram no espaço. Até então, havia um diálogo. Agora, ficou mais difícil chegar até o prefeito.

 

Por outro lado, os vereadores estão dando bastante apoio para a nossa luta. Fizemos uma agenda de atividades na Câmara e aconteceram algumas coisas boas. Por exemplo, descobrimos no decorrer desse processo que a Casa Amarela não estava integrando uma lista da PL 402, com os imóveis do INSS sem uso e em processo de municipalização.

 

Quando tivemos acesso a tais informações, nós fomos até os gabinetes dos vereadores, conversamos com a comissão de planejamento urbano e conseguimos que a Casa Amarela passasse a integrar a lista, sendo seu 11º imóvel. Já foi uma conquista muito grande. Porém, é só  o começo. Depois, conseguindo aprovação do PL na Câmara, precisa ser sancionado.

 

Num segundo momento, depois de municipalizar o imóvel, ele teria de ser realmente destinado à cultura, o que não é uma certeza. Ainda é uma possibilidade, uma outra luta. Nós temos que barrar o processo de reintegração de posse urgentemente, porque, se ocorrer, já sabemos que, até mobilizar novamente e reocupar o imóvel, pode ser tarde demais. É um processo bastante delicado.

 

Correio da Cidadania: Como avalia o quadro geral das políticas culturais de São Paulo, tanto antes como depois da entrada de Fernando Haddad na prefeitura da cidade, inclusive em relação à promoção da cultura em regiões periféricas?

 

Luiza Maia: Na verdade, sabemos que política cultural ainda é algo que estamos começando a construir e debater aqui no Brasil. Há poucos dias, saiu o orçamento do governo e novamente a cultura é um dos menores, dentro do planejamento dos quatro anos do governo. É vergonhoso.

 

Quanto à questão da descentralização, em relação à periferia, pensamos na Casa Amarela como um lugar central, basicamente para viabilizar o acesso à maioria das pessoas. Tanto para os artistas que ficam na periferia da zona norte, quanto os artistas que estão na periferia da zona sul. Se eles quiserem vir todos os dias ao espaço, neste sentido, seria mais democrático. Também, por ser um imóvel da União, já que pertence ao Estado e ao INSS,  já é um prédio público. Tudo isso pesou na escolha da nossa ocupação da Casa Amarela.

 

Todavia, foi uma primeira iniciativa. Ela tem oito meses. É um bebê, a Casa Amarela é um projeto do movimento. Portanto, queremos expandir. Se tivermos perna, força do movimento para continuar, e interesse das pessoas envolvidas, podemos vir a ter outros lugares. A Casa Amarela teve um lado estratégico por se localizar no centro.

 

E quanto às gestões anteriores, tudo que acontece no campo da cultura é construído com muita luta. É difícil uma gestão ter um olhar mais sensível para o tema, transformar em projetos, ações, coisas concretas para os artistas.

 

Os artistas têm sempre de reivindicar alguma coisa que na realidade é um direito. É o óbvio. Pense bem, é um espaço pra trabalharmos. A nossa profissão é inviabilizada, a começar pela questão do espaço. Se for aprofundar, vamos entrar no campo de lei trabalhista, no campo de políticas públicas e de financiamento de projetos, vamos debater o fomento da Lei Rouanet, leis de incentivo de uma maneira geral. É um debate muito amplo.

 

 

Ouça o áudio da entrevista

Gabriel Brito e Paulo Silva Jr são jornalistas.


0
0
0
s2sdefault