Uma manifestação pacífica

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Rodolfo Salm
16/03/2009

 

Aconteceu na sexta-feira, 13 de março de 2009, aqui em Altamira, uma manifestação pacífica contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte no Xingu (clique aqui 160309_rodolfo_altamira_1.jpgpara ver o vídeo da manifestação). Havia algumas emissoras de televisão, inclusive a Rede Globo local. Mas como não houve brigas ou depredações, é claro que não houve espaço para a pauta no Jornal Nacional daquela noite. A manifestação foi organizada em função da comemoração ao Dia Mundial da Luta Contra as Barragens, no dia 14, sábado. Decidiu-se pelo adiamento do ato para um dia de semana, pois a maior parte dos manifestantes eram estudantes do colégio religioso Maria de Mathias, ligado à prelazia do Xingu.

 

O convite do Movimento Xingu Vivo para Sempre convocava-nos para estarmos às 8 horas em frente ao colégio, na beira do rio, no cais. Àquela hora, com a umidade intensa que temos aqui nesta época do ano, o sol já forte através das nuvens brancas e refletido no rio criava uma intensa luminosidade. O plano era marchar até a sede da Eletronorte, cerca de 200 metros dali, também à beira do rio, onde seria feita a manifestação.

 

Excepcionalmente, naquele dia, a Eletronorte estava a esta hora com as portas fechadas, que só foram abertas depois que a manifestação se dissolveu. Ao invés de alguém para falar com os manifestantes, havia um carro da polícia militar com os faróis altos acesos voltados para o público que se reunia em frente ao colégio (ver no filme). À medida que os manifestantes se aproximaram, a viatura recuou, mas permaneceu a postos a cerca de 100 metros de distância.

 

160309_rodolfo_altamira_2.jpgTanto os representantes dos movimentos sociais quanto os estudantes carregavam faixas muito bem feitas com palavras de ordem contra a construção da hidrelétrica, como "Barrar o Xingu é destruir nossa casa. É dizimar nossa vida" (Povo Indígena Juruna de Vitória do Xingu), "Desrespeito aos povos! Basta! Isso não pode continuar!" (Conselho Indigenista Missionário do Xingu), "Queremos ser ouvidos" (Povos indígenas) e "Kararaô tem novo nome: Belo Monte", eram algumas delas. As crianças agitavam bandeirinhas onde se lia "Não às barragens de Belo Monte no Xingu". Ao final, tocaram a canção "Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores", de Geraldo Vandré. Foi tudo muito tocante.

 

Como lembrou o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) na convocatória para as manifestações deste ano em todo o Brasil, nesta data populações atingidas por barragens do mundo inteiro denunciam o modelo energético que tem causado graves conseqüências sociais, econômicas e ambientais. Ainda não temos representantes do MAB trabalhando permanentemente em Altamira, mas a previsão é que tenhamos em breve, em função da perspectiva de construção de hidrelétricas do Xingu. É a 160309_rodolfo_altamira_3.jpgprimeira vez que isso acontece antes da instalação das hidrelétricas e, portanto, a primeira vez que têm a oportunidade de evitar o mal maior.

 

Apesar da evidente apreensão por parte da Eletronorte, aquela foi uma manifestação absolutamente pacífica, diferentemente das noticiadas em várias partes do Brasil, com invasões e depredações. Isso porque a usina ainda não foi construída e não há tanta revolta, a terra e o rio ainda estão preservados. E principalmente porque esta região ainda é relativamente pacata, apesar dos assaltos nas estradas e das notícias recorrentes de crimes como o assassinato da Irmã Dorothy Stang. Mas claro que, se o governo insistir nesta idéia absurda de barrar o último grande rio amazônico em bom estado de preservação ainda livre das grandes hidrelétricas, chamado de "casa dos deuses" no imaginário deste povo, isso tudo pode mudar. Aí a sede da Eletronorte terá bons motivos para se precaver contra manifestações.

 

Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é professor da Universidade Federal do Pará.

 

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