Marina, um caso raro

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Danilo Pretti di Giorgi
16/05/2008

 

É quase inacreditável que Marina Silva tenha conseguido manter-se por tanto tempo como ministra de um governo com uma política tão negativa para o meio ambiente, mantendo intactos seus princípios, lutando e conquistando vitórias até o fim. Alguns analistas mais românticos consideram que ela abriu mão de suas crenças em muitas de suas decisões, como, por exemplo, ao assinar a concessão de florestas públicas e ao dividir o Ibama de uma forma que desagradou muita gente.

 

São muitos os casos de pessoas bem intencionadas, que, uma vez dentro do assustador mundo da política, acabam abandonando suas convicções em nome do famigerado pragmatismo. Outras não suportam a sujeira e para seguir firme em suas crenças abandonam a vida pública. Marina é um caso raro de pessoa pública que sabe ceder quando isso é inevitável, pois tem a inteligência, a força e a capacidade política suficientes para perceber quando objetivos de longo prazo justificam recuos estratégicos ou mesmo tomadas de decisão dolorosas.

 

É certo que ao governo interessava sua permanência, apesar da pedra no sapato que ela representava para os desenvolvimentistas. Ter à frente do Ministério do Meio Ambiente uma ambientalista internacionalmente reconhecida emprestava ao governo - principalmente no exterior - um selo de qualidade que ele não merecia ter. Por outro lado, acredito que suas poucas vitórias em meio a tantas derrotas justificavam com sobras sua permanência, uma vez que, considerando a realidade que ela foi obrigada a enfrentar, não havia outra pessoa capaz de chegar a tanto dentro do governo Lula.

 

Seu trabalho abnegado, aliado à força de sua imagem, foi fundamental para segurar a instalação das hidrelétricas na Amazônia e para forçar a adoção de critérios de segurança muito mais rígidos para a liberação destes projetos. Da mesma forma, acho pouco provável que Lula tivesse assinado a demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol caso não fosse Marina a ministra do Meio Ambiente. Mais: os 24 milhões de hectares de novas áreas de conservação federais por ela conquistados permanecerão lá depois do seu pedido de demissão. São apenas alguns exemplos.

 

Hoje não consigo imaginar quem tenha em Brasília, como Marina tinha, força e coragem para atacar publicamente o projeto governamental de transformar o Brasil na OPEP do etanol, para encarar o tanque de guerra Roussef, para enfrentar o rolo compressor do agronegócio, para ousar se contrapor aos objetivos do PAC ou para manter posição firme contra as hidrelétricas nos grandes rios da Amazônia - apesar das incomensuráveis pressões contrárias por todos os lados. Mesmo em temas que foram considerados derrotas políticas de sua gestão, Marina seguia com abnegação buscando minimizar seus efeitos negativos, como no caso da criação de reservas paralelas à futuramente asfaltada BR-163.

 

As efusivas reações à sua saída por parte dos representantes dos setores mais umbilicalmente ligados à destruição da floresta dizem muito e não deixam margem de dúvidas quanto à importância de seu trabalho. Foi uma festa geral. Para parlamentares ligados ao agronegócio ouvidos pela imprensa, Marina teria muito "ranço ideológico", faltaria nela "bom senso" e sua gestão teria representado "um atraso para o país". Para o deputado Marcos Montes (DEM-MG), sua saída foi "mais um gol" de Lula.

 

Marina era como um exército de um homem só. Sua visão em defesa da floresta era praticamente única no alto escalão do governo. Ainda assim, conquistou muitas vitórias, muitas vezes imperceptíveis, nos detalhes da redação de projetos, tornando-os menos nocivos, ciente que devagar se vai longe. Vou sempre guardar sua gestão como um exemplo de perseverança, paciência, fortaleza, sabedoria, fé e coragem. Citando as últimas palavras da sua carta de demissão, que Deus continue abençoando e guardando nossos caminhos, Marina.

 

Danilo Pretti Di Giorgi é jornalista.

 

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