Vídeos Kayapó

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Rodolfo Salm
05/03/2008

 

Há pouco mais de dez anos, quando pus meus pés pela primeira vez na cidade de Redenção, no sul do Pará, senti que aquilo era cinema puro: o faroeste brasileiro, com índios, "cowboys" e o processo de colonização da Amazônia, um mistério para o morador da Região Sudeste (eu vivia em São Paulo então), mas perfeitamente claro para quem conhece a região e cuja descrição é difícil de colocar em palavras. Mas meu objetivo não era Redenção: de lá eu partiria para a Terra Indígena (TI) Kayapó para dar início aos meus trabalhos de pesquisa de doutorado. Com a idéia de fazer um filme-denúncia juntando todos estes ingredientes, liguei para um amigo de infância chegado ao pessoal de vídeo e teatro (que hoje trabalha num circo) e, ao cabo de dois anos, quando já acabava minha coleta de dados para a tese, consegui levar um grupo de "gente do meio" para a aldeia Aukre para "fazer um filme". Não pretendo tomar o precioso tempo do leitor com a narrativa das desventuras da tragicomédia que foi esta operação frustrada. Mas, basicamente, nunca conseguimos fazer filme algum, pois, como concluí mais tarde, tínhamos várias câmeras na mão (grandes e sofisticadas) e nenhuma idéia definida e em comum na cabeça. Mais tarde, eu pude canalizar esta necessidade de manifestar-me sobre o tema na forma de artigos para o Correio da Cidadania.

 

Esta introdução é para dizer que, agora, com o advento do YouTube (o sítio na Internet que permite que usuários carreguem, assistam e compartilhem vídeos em formato digital) e das câmeras fotográficas digitais que filmam, ficou muito mais fácil voltar ao vídeo. Então, para começar, há dois filmes, ligados ao nosso trabalho na TI Kayapó, que eu gostaria de divulgar.

 

O primeiro deles (uma espécie de introdução geral aos problemas ambientais da região) é "Protegendo a floresta tropical amazônica", uma entrevista em inglês concedida pela Dra. Bárbara Zimmerman, diretora do Projeto Kayapó, da ONG Conservação Internacional, ao programa ambientalista Enviro Close-Up, da AOL Television. Bárbara inicia a entrevista contando como aconteceu seu primeiro envolvimento com os índios Kayapó, no final dos anos 1980. Ela recebeu um telefonema do WWF no Canadá, perguntando se poderia trabalhar como tradutora para uma liderança indígena vinda da Amazônia com o objetivo de levantar fundos para um protesto contra o mega-projeto de uma hidrelétrica no rio Xingu. O interessante aqui é que o índio era Paulo Paiakan, que através deste protesto teve um papel fundamental na preservação do Xingu, para depois ser atacado injustamente pela mídia em função de um suposto caso de "estupro de uma estudante". E que a hidrelétrica era Kararaô, hoje rebatizada Belo Monte, fonte de muita polêmica nos últimos anos e ainda hoje quando os planos de sua construção voltam à pauta do governo federal.

 

Bárbara explica que o que há de tão especial quanto aos Kayapó é sua vitória na demarcação legal de uma área de mais de 110 mil km² , tamanho equivalente ao território da Nova Zelândia (ou três vezes o estado do Rio de Janeiro) e três vezes maior que o Parque Nacional do Jaú, que é o maior parque nacional do Brasil. Ela lembra que a reserva dos Kayapó é de longe a maior área de floresta tropical do mundo sob algum tipo de proteção legal; Bárbara fala do sucesso destes índios em proteger suas fronteiras, mantendo-as livres da onda de desmatamentos que chegaram até elas e estão progressivamente contornando-as (com agricultura, pastagens e atividades madeireiras).

 

Aliás, as imagens de satélite do avanço dos desmatamentos e do "abraço" que estão promovendo na TI são verdadeiramente impressionantes. A diretora do Projeto Kayapó conclui afirmando que os conservacionistas que estamos trabalhando nesta área "vemos este investimento (nos Kayapó) como algo de longo prazo, não como um projeto em que se entra, trabalha-se cinco ou dez anos e encerra-se"; que sabemos que ele pode levar décadas devido à complexidade da "capacitação" para que os Kayapó possam lidar com todas estas mudanças; e que este investimento é uma forma de "pagamento" pelos serviços ecossistêmicos que eles prestam ao mundo, pois sem os Kayapó boa parte deste pedaço de floresta já teria ido literalmente para o espaço.

 

O segundo vídeo é "Açaí com os Kayapó no Brasil" (com partes em inglês, em português e em kayapó), uma produção da antropóloga Lisa Feder sobre o trabalho de apoio ao cultivo de açaí que pretendemos desenvolver na terra indígena. Nele, o cacique Okiaboro, líder geral da nação Kayapó, confortavelmente sentado na varanda da sua casa, explica, em bom português, por que precisam de projetos: "para ajudar as comunidades a não destruírem a natureza". Além de mostrar as canções das mulheres, os homens fazendo artesanato e as aldeias e as casas em estilo tradicional, Lisa, que é a narradora do vídeo, conta como os Kayapó tradicionalmente dependem da natureza à sua volta para conseguir comida e bens materiais, caçando e coletando na floresta, pescando no rio e cultivando roçados. No caso do açaí, coletam os frutos em novembro e dezembro, a partir de palmeiras espalhadas na mata, que constituem importantes fontes para sua nutrição.

 

Lisa mostra como os índios passaram a cultivar açaí nos quintais de suas casas e como o cultivo destas palmeiras pode ser importante para sua alimentação. Ela também lembra que os Kayapó eram semi-nômades até meados do século passado, quando foram criadas as aldeias atuais, sendo que hoje, com a sua população crescendo e com o progressivo esgotamento da floresta, os índios têm que se deslocar para cada vez mais longe de suas casas, a fim de atender a suas necessidades. Então, cita a nossa expedição de novembro do ano passado, quando enviamos 8 mil mudas de coqueiro-anão para uma dezena de aldeias Kayapó no sul do Pará e norte do Mato Grosso, como uma forma de apoiá-los em sua nutrição e hidratação. E conclui, tomando açaí com os índios em suas casas, contando como pensamos que o apoio aos índios no cultivo da palmeira poderia ser benéfico para a sua alimentação.

 

Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi.

 

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