Por que o mercado financeiro tem razão

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Alex Alves Tolkmitt
04/02/2012

 

O economista chefe do Departamento do Tesouro Norte-Americano, Alan Krueger, estima que a crise do mercado financeiro de 2008 custou ao contribuinte americano 17 trilhões de Dólares (17.000.000.000.000 US$!!!) até hoje. Na Europa, devido às repercussões da crise, o Banco Central Europeu continua incessantemente injetando dinheiro do contribuinte em bancos privados e os países, por sua vez, aumentando seus subsídios e ajudas às grandes empresas e ao mercado financeiro. Em meio a estas avalanches de zeros atrás de um número qualquer, grande parte do povo europeu começa a indagar cada vez mais o porquê de este dinheiro todo não estar indo para entidades e mecanismos que beneficiam a maioria da sociedade, e sim para umas instituições financeiras privadas quaisquer.

 

Ao mesmo tempo, em toda a Europa, principalmente nos países mais afetados pela crise, como Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha, Itália, mas também de forma mais branda em todos os outros, aumentam drasticamente os cortes das despesas públicas e, por conseqüência, aumenta a degradação do Wellfare State (estado do bem estar social). Aumenta assim também o número de indignados com esta situação, aonde o povo é cada vez mais “expremido” de um lado para poder sobrar mais dinheiro para bancos, grandes empresas e o setor financeiro do outro; aumenta o número de pessoas que perguntam “por que é que temos nós contribuintes que salvar bancos das suas incompetências” ou “por que é que este dinheiro não pode ser aplicado nos serviços públicos que tanto precisamos e se degradam cada vez mais”? 17 trilhões de Dólares seriam o suficiente para acabar com a fome no mundo por 600 anos...

 

Assim, temos hoje na Europa duas facções: o mercado financeiro, que exige mais cortes, mais licenciamentos, mais efetividade dos serviços públicos restantes, mais privatização e mais estímulo para bancos, grandes empresas e o mercado financeiro; e, por outro lado, o povo que pede qualidade de vida e que políticas não sejam feitas em prol do lucro e da ganância desenfreada, e sim do bem-estar social.

 

Por um lado, é claro, concordo plenamente com a demanda do povo. Porém, por outro lado, acho que a demanda é completamente ingênua e errônea e, por isto, tendo a achar que é o mercado financeiro quem tem razão.

 

A grande idéia do “capitalismo”, tão bem formulada por Locke, Smith, Ricardo e tantos outros, é que, a partir da ganância individual pelo lucro, a riqueza de uma sociedade poderia aumentar, pois, se alguns se tornassem “ricos”, mais cedo ou mais tarde, esta riqueza se distribuiria pela sociedade fazendo todos enriquecerem e viverem melhor. Desta forma, a base mais fundamental daquilo que vivemos hoje e chamamos de “capitalismo” é o lucro e, sem lucro, sem “crescimento econômico”, o sistema financeiro no qual vivemos desaba completamente, pois todo o seu alicerce é fundado exclusivamente no lucro. Perguntamos-nos por que há tanta corrupção no meio político, por que os políticos que elegemos acabam parecendo não fazer nada pelo povo, tendemos até a achar que existem grupos mundiais que conspiram contra nós, o povo, e que aí está o problema. Porém, estas questões não são novas e já atormentavam os precursores do capitalismo. A única resposta que Adam Smith conseguiu dar à questão de quem então conseguiria controlar este inúmero bando de individualistas lutando pelo seu próprio lucro e bem-estar sem qualquer escrúpulo, quem dirá visão social, foi que haveria uma “mão invisível”. E séculos se passaram sobre a questão da “mão invisível”, e séculos se passaram em prol ao lucro desenfreado, e séculos se passaram até chegar à atualidade, onde vemos que as grandes riquezas não se difundem pela sociedade, elas se acumulam e continuam privadamente crescendo...

 

Das bases assim, do capitalismo, é muito simples responder àqueles que querem saber o porquê de os políticos eleitos “democraticamente” parecerem trair o povo ao oferecer tantas vantagens aos que mais as têm: para que haja mais lucro e este sistema no qual vivemos possa sobreviver! Não há conspirações, o próprio capitalismo prevê que, se queres fazer algo pelo povo deves fazê-lo para o privado; eis a lei do sistema que escolhemos viver. Por que incentivar as grandes empresas e não os serviços públicos? Para que haja mais lucro. Por que dar dinheiro aos bancos e ao mercado financeiro? Para que haja mais lucro. Por que cortar os gastos públicos, por que diminuir salários, despedir funcionários, aumentar os anos de trabalho, aumentar o preço dos transportes, da saúde, das necessidades básicas? Lucro, lucro, lucro... Eis o que se chama de “capitalismo”! E eis a ideologia, e eis a utopia: dando mais lucro a alguns poucos toda a sociedade se beneficiará! Sim, são primícias do séc. XVIII que continuamos a viver no nosso dia-a-dia...

 

Por tudo isto, tendo em vista que aceitamos viver no capitalismo, não posso negar que é o mercado financeiro quem tem razão; pois, se a base da nossa economia e do mundo como o conhecemos é lucro, e é, pois vivemos e insistimos no capitalismo, o mais evidente é fazer tudo que for possível para que lucro exista e, assim, que esta “sociedade” como a conhecemos não acabe. Do outro lado, tendo a concordar plenamente com as demandas do povo que quer uma sociedade mais humana e igualitária, mas sinto dizer que estão todos exigindo do capitalismo algo que ele não pode e nunca pôde dar. Se não é esta sociedade baseada no lucro que queremos, então é talvez a hora de acordar e descobrir que o que realmente não se quer não são as “ajudas” e “benefícios” aos bancos, grandes empresas e mercado financeiro, o que não se quer não são políticos corruptos, o que não se quer não é menos ganância e individualismo, o que não se quer realmente é o capitalismo! Eis o que faria sentido e, enquanto não for esta a exigência, sinto muito, mas é o mercado financeiro que terá sempre razão!

 

Alex Alves Tolkmitt é um compositor brasileiro que vive em Bruxelas. Contato:

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