Classe C, endividamento e desaceleração do crescimento.

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Venâncio de Oliveira
21/01/2012

 

Inadimplência é o crime que está freando o milagre econômico da era lulista: pessoas com dívidas não podem mais consumir para salvar a economia como fizeram em 2009. De acordo com dados do serasa experian (1), a inadimplência é a maior em nove anos (2). Pesquisas do IPEA (3) já vinham indicando a percepção das famílias sobre seu alto endividamento. Talvez, em um futuro próximo, ter nome sujo vai deixar de ser uma desonra pessoal e passar a versar em todas as famílias brasileiras.

 

E agora? O que significa exatamente esta relação entre endividamento e crise? Para tentar aproximar-se dos meandros da arquitetura econômica, sem cair em sua naturalização – vê-la como uma mecânica de ciclos – devemos partir da política efetiva que para nós foi dos grandes trunfos do tal deslocamento dos emergentes em relação à crise mundial. Um dos eixos da estratégia do governo do PT foi a inserção pelo mercado. A esquerda escolheu desenvolver e humanizar o modelo atual do capitalismo brasileiro, sem rupturas, nem reformas estruturais (tanto à esquerda como à direita).

 

O governo de coalizão trabalhou na linha de programas que geraram um aumento do consumo e deslocou os dois extremos da escala de classes sociais, classificadas por orçamento familiares. O estrato social médio, entre R$ 1200,00 a R$ 2.400,00 (4) passou a ser mais representativo, isto é, a Classe C ganhou corpo e passou a ser 30% da população brasileira. Na outra escala, conforme a Forbes (5), também aumentou o número de super-ricos no Brasil. Neste caso, é só observar as riquezas de figuras como Blairo Maggi e Eike Batista para ter-se uma dimensão deste crescimento, invisível nas estatísticas, em que os orçamentos milionários aparecem em meio aos da escala superior da classe média (6).

 

Diversos programas de assistência social e também o aparecimento com força de massas e massas de crédito foram algumas das táticas desta estratégia. O consignado cobrado na folha de pagamentos de aposentados e funcionários públicos aqueceu mercados pequenos, gerou emprego e renda. Os bancos também liberaram recursos. O Plano Minha Casa Minha Vida ajudou no endividamento. Isto gerou por um lado uma demanda efetiva, por outro, uma dívida que deveria ser paga, como já afirmamos outrora (7). Se não for, quem vai financiar o novo emprego e renda? Pois é da dívida do funcionário que sai o dinheiro da quitanda que paga os atendentes contratados.

 

A grande questão desta estratégia de inserção pelo mercado é a manutenção do modelo gerado anteriormente. Crescer num mercado em que os eixos de acumulação se dão principalmente por:

 

1) Agronegócio, monopólio da terra e exportação de alimentos; 2) Especulação imobiliária e má distribuição da infra-estrutura urbana; 3) Concentração bancária e imposição de altas taxas de juros, que ultrapassam o 100% ao ano para cheque especial e crédito, e mais de 200% ao ano no cartão de crédito; 4) Financeirização da economia e acumulação mundializada, pois uma disputa em nível internacional e um aquecimento do mercado local geram, obviamente, chuva de capitais internacionais, sendo que a desnacionalização da economia já foi feita faz tempo, nem o capital brasileiro é nacional; 5) mercado de trabalho instável e flexível.

 

Estes fatores criam uma fórmula mágica de crescimento inconsistente. A demanda pela exportação de soja e o aquecimento da demanda popular geram inflação. Pois, se alimentos são exportados, casas são valorizadas por meio da especulação e os empréstimos são supervalorizados pelos juros, o que podemos esperar desta nova classe C? Um sinal positivo gera valorização da economia brasileira e invasão de importados. Bem como, com um mercado flexível, qualquer sinal negativo de concorrência maior e inadimplência gera desemprego e desaceleração da economia.

 

Já dissemos em outra ocasião (8) que seriam quatro fatores os embriões da crise no Brasil: 1) inflação, principalmente por conta da crise de alimentos, vindo a somar-se a valorização do preço de aluguéis e casas; 2) alto endividamento privado; 3) choques negativos da Europa e dos Estados Unidos; 4) possível choque de desaceleração da economia chinesa. Somado a eles, o que vemos é uma retirada pontual do governo da economia, a velha política monetarista da qual não se retirou, mesmo depois de sua senilidade na análise da crise imobiliária, diagnóstico: inflação é aumento da demanda, principalmente pelos gastos públicos.

 

O que percebemos é que os dois primeiros processos estão se desenvolvendo rapidamente, e foram influentes no ano, numa inflação de 6,5%, principalmente no item alimentação e bebidas - de 7,18%, medido pelo IPCA do IBGE (2012). O alto endividamento privado está em escalas históricas e podemos esperar seu crescimento, depois da nova onda de flexibilização promovida pelo Banco Central.

 

O terceiro elemento mantém sua história de solavancos pontuais, ameaça de calotes, tanto dos Estados Unidos como dos europeus. O quarto elemento ainda é uma incógnita, mas cremos que depende muito do anterior, isto é, a caída de demanda dos países do centro capitalista (EUA, Japão e Europa) parece ter impacto sobre a economia chinesa, e apresenta sintoma de crise de superprodução. Devemos estar atentos para os sinais vindos de fora, que podem gerar mais sobressaltos.

 

As eleições de 2012 podem frear a desaceleração, sem, contudo, conter a inflação. Obras públicas são de praxe para ganhar eleitorado, gerando demanda e emprego. Podemos esperar crescimento um pouco maior para este ano. Porém, até quando a estratégia de inserção de mercado, sem mudanças profundas, gerará seus frutos?

 

Notas:

 

1) http://www.serasaexperian.com.br/index-novos-visitantes.html

 

2) Maior endividamento deve contribuir para desaceleração. Folha de S. Paulo – Poder – Erica Fraga. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/19313-maior-endividamento-deve-contribuir-para-desaceleracao.shtml

 

3) http://ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=3233&Itemid=33

 

4) http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/orcfam/default.asp?z=t&o=23&i=P

 

5) Crescimento da economia do país cria 19 milionários por dia, diz "Forbes". Do UOL Economia, em São Paulo. 29/11/2011. http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2011/11/29/crescimento-da-economia-do-pais-cria-19-milionarios-por-dia-diz-forbes.jhtm

 

6) Acima de R$ 10.000,00.

 

7) O Ajuste Fiscal não resolverá a inflação. Venâncio de Oliveira, 27/01/1. http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5433:economia280111&catid=26:economia&Itemid=58

 

8) A Economia Política Brasileira do Lulismo sem Lula. Venâncio de Oliveira, 21/12/2010. http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5323:economia211210&catid=26:economia&Itemid=58

 

Venâncio Guerrero é economista e militante do Tribunal Popular da Terra".

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