O petróleo já foi nosso?

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Wladmir Coelho
30/07/2011

 

 

A importância do petróleo para o desenvolvimento econômico nacional é reconhecida desde o início do século XX, através de campanhas de estatização da exploração e comercialização deste importante mineral promovidas por setores nacionalistas.

 

No Brasil destacaram-se nesta linha de pensamento Pandiá Calógeras, Arthur Bernardes, Simões Lopes, pioneiros, ainda nos anos de 1920, na autoria de leis que possibilitavam a implementação de uma política econômica do petróleo voltada para a auto-suficiência.

 

Naturalmente, o poder econômico exercido através dos oligopólios internacionais tratou de impedir a implementação dos objetivos nacionalistas, mergulhando o Brasil na dependência da importação de derivados do petróleo, incluindo a gasolina. Este fato contribuiu para a crise de abastecimento durante a II Guerra Mundial, ficando o gigante da América do Sul praticamente sem gasolina, tendo em vista a destinação desta através dos oligopólios, em obediência às políticas de segurança energética de seus países sedes, para as frentes de combate.

 

Este fato, a crise de abastecimento, contribuiu para o renascimento ou fortalecimento de uma campanha visando a criação de uma empresa nacional que seria responsável por garantir a auto-suficiência brasileira em petróleo.

 

Nacionalismo e Petrobrás

 

As dificuldades para a concretização de tal empresa foram muitas. Internamente, disputavam duas correntes, ambas denominando-se nacionalistas. Havia aqueles seguidores do General Juarez Távora, totalmente contrários à criação de uma empresa estatal para exploração do petróleo, alegando a incapacidade técnica nacional como fator de risco, inclusive para a segurança continental. Segundo o argumento do General Távora, a exploração petrolífera no Brasil deveria realizar-se a partir das empresas estrangeiras, garantindo deste modo o abastecimento das tropas dos Estados Unidos em virtude de iminente invasão do continente por tropas da União Soviética.

 

O General Távora chegou a propor a entrega da exploração petrolífera brasileira ao modelo de leilão das áreas produtivas, através de blocos, fato concretizado posteriormente durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. A ideologia, conforme percebemos, moveu os interesses destes dois políticos de épocas distintas.

 

Em oposição ao modelo de Segurança Continental, encontraremos os defensores da criação de uma empresa brasileira de controle estatal para a exploração do petróleo e garantia da auto-suficiência. A campanha “O Petróleo é Nosso!” assumiu este princípio e através da mobilização popular denunciou os problemas decorrentes da prática imperialista que conservava a tradição colonial e preparou o Brasil para utilizar os recursos energéticos em beneficio do desenvolvimento nacional.

 

Contra os líderes da campanha do “O Petróleo é Nosso” voltaram-se aqueles beneficiados pelos oligopólios. A grande imprensa ignorava a campanha e quando tratava do tema era para acusar os defensores da criação de uma empresa petrolífera nacional de subversivos, inimigos da pátria e por aí vai...

 

Sobrevivendo aos ataques, o advogado e professor Washington Albino, ocupando em 1953 o cargo de diretor do departamento de assuntos econômicos da Associação Comercial de Minas Gerais, apresenta uma proposta que aprofundava o controle do Estado na elaboração da política econômica do petróleo, através de um documento intitulado “Tese Mineira do Petróleo”.

 

O professor Washington Albino defendia, ao contrário da proposta enviada pelo presidente Getúlio Vargas, a nacionalização total de todo o processo de exploração petrolífera, incluindo a distribuição, e passava para o empresariado (neste caso com o apoio do presidente da Associação Comercial de Minas Gerais, Renato Falci), a responsabilidade de financiar parte da implantação da empresa estatal, através da instituição de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE).

 

O professor Washington Albino, falecido no dia 17 de junho de 2011, confessou-me certa vez: "A ‘Tese Mineira do Petróleo’ foi algo fantástico que somente avançou em razão do caráter patriótico de seus defensores". Observe: existiram no Brasil empresários preocupados com o desenvolvimento nacional e contrários à política imperialista.

 

A volta ao passado

 

No mês seguinte à morte do professor Washington Albino, observou-se na imprensa brasileira uma determinada euforia quanto ao aparecimento de empresas brasileiras de exploração petrolífera, agora denominadas "independentes". Este termo, independente, refere-se ao afastamento destas da Petrobrás, transformada em monstro desde a implementação das políticas coloniais – ou neoliberais – do governo Fernando Henrique Cardoso e mantidas ainda hoje.

 

Sabemos muito bem que a maior parte dessas independentes vive das benesses estatais e cumpre com perfeição a política de exportação de petróleo e manutenção da prática colonial por meio da associação com os grupos de sempre.

 

Recentemente, duas empresas independentes, a Barra Energia e Queiroz Galvão, compraram da Shell a participação de 20% em um bloco de exploração petrolífera na Bacia de Santos. O governo nacionalista do Brasil saudou o fato como ampliação da presença nacional no pré-sal, tratando a sua "inimiga", a grande imprensa, de noticiar o fato como fator de credibilidade e sustentabilidade da política econômica brasileira.

 

Poucos, todavia, prestaram atenção aos detalhes. Vejamos: A Barra Energia, desde 2010, encontra-se associada ao First Reserve Corporation. Esta corporação de investimentos é presidida por Willian E. Maculay, membro atuante no conselho das 50 maiores empresas petrolíferas do mundo. O vice presidente, John A. Hill, foi diretor adjunto da US Energy Information Administration, órgão responsável por informar o presidente dos Estados Unidos a respeito das reservas de petróleo.

 

Outro investidor da independente e brasileira Barra Energia, a River Stone, é presidida por Pierre F. Lapeyre Jr. Este empresário e banqueiro foi diretor do Goldman Sachs, o mesmo banco que vai intermediar o empréstimo para o pré-sal acertado durante a última inspeção do presidente Obama no Brasil. A River Stone atua através de uma joint venture com o grupo Carlyle.

 

O grupo Carlyle, controlado entre outros por figuras como Geoge Bush pai e John Major, atua no ramo dos armamentos e energia. No Brasil controla a CVC turismo e segundo entrevista de seu diretor, Fernando Borges, à revista Isto é Dinheiro em 12 de outubro de 2010, "a exploração de petróleo (no Brasil) não é nosso foco, mas as indústrias relacionadas a ela sim". Neste ponto, observamos como se efetiva o conteúdo soberano na exploração do pré-sal previsto na legislação nacionalista para sua exploração.

 

Somemos aos fatos apresentados o controle de 5% da Queiroz Galvão pelo Capital Group International. Trata-se o referido grupo de uma empresa de gestão de fundos internacionais com participação e interesses em diferentes empresas, incluindo do setor energético. Naturalmente, seus gestores levam em consideração os interesses gerais dos oligopólios, aos quais associam-se no momento de aprovação ou rejeição das políticas econômicas das empresas nas quais controlam ou participam do Conselho Gestor.

 

Neste momento pergunto: a legislação brasileira para o petróleo – existem duas, ambas de fundamentação neoliberal – não estaria necessitando de uma revisão? Afinal, a lei 2004 de 1953 cumpriu os seus objetivos de garantir a auto-suficiência e por isso foi superada? Neste último caso a resposta é não.

 

Ao retirar da Petrobrás a condição de pilar para o desenvolvimento nacional, os governos FHC, Lula e Dilma Rousseff abriram espaço para a perpetuação do modelo imperialista. O Brasil está, neste momento, sem uma política de segurança energética. Isso é muito grave.

Wladmir Coelho é mestre em Direito, historiador e membro do Conselho Curador da Fundação Brasileira de Direito Econômico.

Web-Site: http://politicaeconomicadopetroleo.blogspot.com/

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