Carajás: por que o sonho morreu?

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Lúcio Flavio Pinto
15/12/2014

 

 

 

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Três décadas após início da mineração, estão mortos planos de criar, em torno
do minério, projeto de desenvolvimento sustentável. Livro examina razões do fracasso.

 

A mineração em Carajás completa 30 anos. Já acumula bastante história. Muito mais, provavelmente, do que outras regiões mineradoras do mundo com mais idade. Um dos elementos de maior impacto nessa história é justamente a velocidade da exploração dos recursos minerais, o maior dos quais, de longe, é o minério de ferro.

 

As jazidas de Carajás estão dentre as maiores do mundo. Há algumas que ainda a superam quantitativamente, como o próprio quadrilátero ferrífero de Minas Gerais, que já tem sete décadas de lavra em escala crescente. Mas nada se parece a Carajás em qualidade. Todos concordam que, sendo imensa, como poucas no planeta, é a melhor de todas.

 

A quantidade de ferro contido nas serras que se acumula nessa província mineral, 550 quilômetros a sudoeste de Belém, não tem paralelo quanto a teor, que quase dobra comparativamente ao competidor australiano. Este já seria um elemento de poderosa influência sobre a maneira de explorar essas minas de ferro. Como todos sabem, minério não dá duas safras. E uma preciosidade como a de Carajás é única. Não haverá outra igual.

 

Além disso, há o cenário do qual esses jazimentos minerais fazem parte. Nenhuma outra área de mineração é tão bela e tão rica quanto Carajás. Os platôs a partir dos quais se fazem as escavações estão no topo de vertentes completamente cobertas por florestas. Lá embaixo serpenteiam dois grandes rios, Parauapebas e Itacaiúnas. Os solos são relativamente férteis. A fauna é fascinante.

 

A mineração podia ser combinada com outras atividades em harmonia e sinergia, como nunca antes. Quatro anos antes de o primeiro trem sair da serra carregado de minério para exportação, o governo concebeu um programa de fomento à verticalização do minério (o “Grande Carajás”, de 1980) e um planejamento centralizado para reter na região parte da renda que a produção iria gerar, indo do minério ao aço, e abrindo um vasto leque de outros segmentos produtivos.

 

Nada do melhor que se previa realizou-se. Mas tudo de negativo que se temia ocorreu. O ritmo de extração de minério da primeira área mineralizada, em Serra Norte, seguiu uma taxa de incremento impressionante. A meta máxima de produção, que era de 25 milhões de toneladas anuais, se multiplicou por quatro.

 

A nova frente, na Serra Sul, a mais importante, já começará, em 2016, próxima do pico de produção atual, em 90 milhões de toneladas. Em quatro décadas, nada mais restará desse depósito, nem mesmo seus belos – e raros – lagos perenes. Esgota-se a reserva com uma sofreguidão suspeita, como se o explorador, a antiga Companhia Vale do Rio Doce, temesse que os paraenses (e brasileiros) despertassem do seu sono letárgico e descobrissem que estão cedendo um patrimônio natural insubstituível sem tentar dar-lhe melhor aproveitamento econômico. Um crime de lesa-pátria.

 

O alto preço alcançado pelo minério de ferro, em função da feroz demanda chinesa (que hoje responde por um terço do consumo de aço do mundo), que sofreu queda recente, mas permanece no patamar mais elevado dos últimos tempos, serve de canto de sereia para desviar as atenções da questão mais importante: a matéria prima se vai para gerar efeito multiplicador na terra do comprador, não na do produtor.

 

Os sonhos de criar cadeias produtivas se tornaram pesadelos, agravados pela depredação dos outros recursos naturais, sobretudo da floresta, sacrificada na pira de fogo da insensatez de uma política que apoia a pecuária e a agricultura de ciclo curto. Uma política que transformou a floresta amazônica do sudoeste do Pará em sertão e, daqui a pouco, cerrado, campo aberto ou o que for da vegetação remanescente.

 

Se é ponto pacífico, entre os estudiosos da mineração, que ela é um eficaz instrumento de formação de frentes pioneiras, mas não de desenvolvimento, se não vem acompanhada por atividades econômicas de extensão, para beneficiamento da matéria prima, por que é exatamente isso que ocorre em Carajás? Será que o destino colonial da região já está escrito nas estrelas e só nos resta lamentar o leite derramado e chorar a morte de Inês?

 

Não, propõe o livro que José Márcio Palheta escreveu e lança agora (Território e mineração em Carajás, 272 páginas, edição da Universidade Federal do Pará). Ele é um momento seguinte ao da literatura atual, que se detém no diagnóstico da situação. Agora é preciso identificar, analisar e expor os elementos ligados às decisões – e, antes delas, às intenções dos que decidem.

 

Por que eles decidem de tal maneira que acaba justapondo a riqueza do recurso natural em estado bruto à pobreza decorrente da sua (má) utilização? Por que as tantas formas de crescimento quantitativo, da população ao PIB, dos negócios às compensações pela falta de correspondência tributária da atividade, não se traduzem em desenvolvimento e progresso? Por que crescem os conflitos, enquanto a paz não se materializa?

 

José Márcio Palheta oferece abundantes raciocínios e dados para aqueles que não querem se restringir ao rosário de lamúrias e lágrimas. Seu trabalho é uma sólida penetração na complexidade de componentes que respondem pela fisionomia atual de uma região mineradora formada no Pará por 35 municípios, seis dos quais, derivados de Marabá, constituem o território de Carajás, por sua geografia e por sua geopolítica, pelo que é e pelo que alguns Maquiavéis de meia tigela (ou cuia?) gostariam que fosse.

 

Uma verdadeira Esfinge, a engolir os que não a decifram, o que, felizmente, não é o caso do autor deste livro, de preciosa importância para quem faz a história do Pará dos nossos dias. Para fazê-la melhor.

 

 

Lúcio Flávio Pinto é jornalista paraense e publica o Jornal Pessoal (JP).

 


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