A nova jornada de lutas do MST

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Daniela
28/09/2007

 

 

A nova jornada de lutas do Movimento dos Sem Terra por todo o país assume dessa vez um significado peculiar.

 

Não se trata mais de ocupações com vistas à simples pressão sobre os latifúndios improdutivos, mas ao alcance de um novo patamar de consciência no que se refere ao modelo agrícola atual. Centrado no agronegócio, reforçado ainda mais agora pelos biocombustíveis, esse modelo tende a destronar de vez a agricultura familiar e tornar remotas as chances de realização de uma verdadeira reforma agrária.

Abaixo, o Movimento elege os itens que mais aguçam a curiosidade da população quanto a sua atual estratégia, para esclarecê-los, qualificando o entendimento sobre sua atuação.

 

1. Por que o Movimento está fazendo uma série de ações pelo país em setembro?

A Reforma Agrária está parada em todo o país, 150 mil famílias do MST seguem acampadas e a concentração de terras e a pobreza no campo têm crescido com o avanço do agronegócio, ainda mais agora com programa de biocombustível. Nós temos um Programa Agrário, com propostas concretas para o desenvolvimento do campo brasileiro e combate à pobreza. Um projeto de geração de emprego e de produção de alimentos. O primeiro passo para este projeto de desenvolvimento é o assentamento de 150 mil famílias que estão acampadas em todo o Brasil.

O assentamento dessas famílias, além de desconcentrar a propriedade da terra no Brasil, geraria 750 mil empregos diretos, além dos empregos indiretos na construção de casas, fabricação de ferramentas, maquinário agrícola que movimenta as economias locais. É uma ação que é justa socialmente e tem impactos imediatos na aceleração do crescimento e no desenvolvimento do país. Denunciamos a ociosidade das terras do latifúndio e a exportação de alimentos para fora do país, e queremos também que o governo diga, afinal, qual o seu projeto de reforma agrária.

A reforma agrária tem recebido apoio devido dos governos?

O poder público vem atuando apenas em defesa do agronegócio e do latifúndio, abandonando a agricultura camponesa à própria sorte. Para se ter uma idéia, para a safra 2006/07 o governo repassou R$ 50 bilhões para o agronegócio e apenas R$ 10 bilhões para a agricultura camponesa (via Pronaf); na safra 2007/08, a brutal diferença se repete: R$ 58 bilhões foram liberados para o agronegócio, ao passo que a agricultura camponesa recebeu R$ 12 bilhões.

Além disso, há aproximadamente R$ 40 bilhões em dívida acumulada dos ruralistas, negociada nos anos anteriores. Só os juros não pagos destas dívidas ultrapassam os R$ 4 bilhões por ano, mais do que o governo federal disponibiliza para todas as ações de reforma agrária. Este ano, o agronegócio vai dar o calote em mais R$ 8 bilhões, jogando para 20 anos.

3. Quais as reivindicações específicas dentro da Jornada?

A Reforma Agrária não é só dar a terra aos trabalhadores rurais. Precisamos levar infra-estrutura para o campo. Queremos crédito para
habitação, produção, assistência técnica, educação e saúde. Consideramos que a atualização imediata dos índices de produtividade é fundamental para a efetivação da reforma agrária, assim como a vinculação direta do Incra à Presidência da República.

Além disso, exigimos que o governo crie uma portaria que impeça que empresas estrangeiras comprem terras no Brasil, pois esses processos de monocultura aumentam a pobreza no campo, comprometem a terra, água, biodiversidade e a soberania do país.

4. O que vocês querem em cada uma dessas áreas específicas?

Nós precisamos de crédito e assistência técnica para viabilizar e ampliar a produção nos assentamentos rurais. Defendemos a implantação do programa de agroindustrialização e comercialização.

Queremos a construção de pelo menos 200 escolas em áreas de assentamento, incluindo a infra-estrutura (biblioteca, laboratórios, quadra de esportes etc.). Precisamos garantir a ampliação da oferta nas áreas de Reforma Agrária do ensino fundamental e médio, além do atendimento a essa demanda, pois no campo não há acesso à escola de 0 a 6 anos.

Na área da Saúde, é preciso garantir uma rede de serviços que atenda às áreas de reforma agrária, garantir o Programa Saúde da família (PSF) e a ampliação de equipes e dos profissionais que compõem as mesmas.

Existe uma demanda de moradia para 200 mil famílias assentadas, com a construção de 50 mil casas neste ano e elevando os valores das moradias para reforma e novas construções. Temos também 70 mil famílias que estão no cadastro de Habitação.

5. A jornada de lutas é um rompimento com o governo Lula?

Não, o MST é um movimento social autônomo. Nossa relação com os governos não é de sustentação ou oposição. Isso são termos que a imprensa utiliza. Nossa tarefa é lutar pela democratização da terra e pelo cumprimento do artigo 184 da Constituição Federal, que prevê a desapropriação de latifúndios que não cumprem a função social. Diante da lentidão do processo de reforma agrária no Brasil e nos estados, voltamos a nos mobilizar para exigir o assentamento de todas as famílias acampadas.

6. Qual é a avaliação do MST sobre a gestão do governo Lula em relação à
Reforma Agrária?


A Reforma Agrária não avançou da forma necessária para desconcentrar a propriedade fundiária no país durante o governo Lula. Os assentamentos realizados não atacaram o latifúndio. A maior parte dos assentamentos foi em projetos antigos, regularização fundiária ou em terras públicas. Além disso, a maior parte dos assentamentos se concentrou na região da Amazônia Legal, sem estrutura para prosperar e distante dos principais mercados consumidores. Não foi cumprido o Plano Nacional de Reforma Agrária e agora o governo não quer determinar metas de assentamentos.  O governo deu prioridade para o modelo agroexportador, baseado na produção de monocultura em latifúndios para a exportação de soja, algodão e eucalipto para sustentar a polícia econômica neoliberal.

7. Como o MST avalia o ministro do Desenvolvimento Agrário?

Não nos interessa debater nenhum nome ou cargo no governo. Queremos debater um projeto, uma política para a agricultura e para a reforma agrária, que desconcentre a propriedade, distribua renda, gere empregos e produza alimentos.O governo não pode fazer o contrário disso, sustentando grandes empresas transnacionais que exportam produtos e enviam como lucros nossas riquezas para o exterior. O Brasil não pode sustentar com créditos e recursos naturais a exploração do trabalho, inclusive infantil e escravo, por grandes usineiros e devedores dos cofres públicos.

8. Por que o MST é contrário ao agronegócio?

O agronegócio não tem condições de levar o país ao desenvolvimento nem melhorar a condição de vida do povo do campo e da cidade. Um emprego na Ararcruz Celulose na Bahia custou 400 vezes menos que um emprego em qualquer indústria. Além disso, pela Lei Kandir, as empresas do agronegócio não pagam impostos pela exportação. Por que o povo brasileiro deve sustentar os lucros destas grandes empresas, enquanto os trabalhadores rurais e urbanos não recebem nenhum apoio? Além de gerarem poucos empregos, mais de 10 vezes menos que a agricultura familiar, o agronegócio utiliza grandes extensões de terra para a monocultura para exportação, baseada em baixos salários, no uso intensivo de agrotóxicos e de sementes transgênicas. Além disso, desrespeitam as leis trabalhistas e ambientais, inclusive com a utilização de trabalho escravo. Não têm condições de produzir alimentos para a população e criar postos de trabalho para os agricultores. O agronegócio significa o atraso da sociedade.

9. Por que o combate às empresas transnacionais da agricultura?

As empresas transnacionais da agricultura estão avançando sobre o território brasileiro, por meio da associação com os latifúndios
improdutivos, e se apropriando de terras que deveriam ser destinadas à Reforma Agrária. O agronegócio tem como referência para a produção os preços dos alimentos no mercado internacional, não as necessidades do povo brasileiro. As empresas deterioram o ambiente com o uso da monocultura, como de soja, eucalipto, cana-de-açúcar, café, algodão, laranja, cacau, além da pecuária intensiva.

10. Por que o MST é contra o acordo entre Brasil e Estados Unidos na produção de agrocumbustíveis, como o etanol?

O Brasil não pode usar seus principais recursos, como terra, água e energia solar, para atender aos interesses dos Estados Unidos, que querem manter e ampliar o nível de produção de combustível para sustentar a indústria dos automóveis e os tanques dos carros cheios no seu país. Nós temos de usar esses recursos para resolver os problemas do povo brasileiro, que são de comida, de casa, de emprego. Um possível sucesso desse plano estadunidense seria uma tragédia para agricultura tropical, transformaria grandes extensões de nossas melhores terras em imensos monocultivos, eliminaria ainda mais a biodiversidade e a produção de alimentos, apenas para abastecer seus carros. Expulsaria milhões de trabalhadores do campo em todo mundo, que se amontoariam ainda mais nas favelas das metrópoles.

11. As ações do MST não são violentas?

Somos um movimento social pacífico, defendemos e lutamos pelos direitos humanos e reprovamos atos contrários à vida. A violência no campo se manifesta nas ações dos latifundiários e do agronegócio, que nos últimos 10 anos assassinaram mais de 400 trabalhadores rurais e causaram cerca de 11 mil conflitos, relacionados inclusive a trabalho escravo e desrespeito às leis trabalhistas. A lentidão da Justiça também contribui para a violência no campo contra os trabalhadores sem-terra. Os responsáveis pelos massacres de Eldorado de Carajás, Felisburgo e a morte da Irmã Dorothy ainda estão impunes.

12. As pesquisas demonstram que a sociedade está contra o MST e as ocupações, principalmente depois da ocupação da Aracruz e da Cargill. O que vocês acham disso?

O MST está ao lado da sociedade brasileira na defesa da democracia e do desenvolvimento econômico com justiça social e respeito à natureza. As pesquisas trabalham com um público pequeno, não representando a opinião de toda a sociedade. Além disso, com toda a campanha de criminalização promovida pela mídia é natural que a população só tenha tido acesso à opinião dos grandes meios de comunicação. Se a mídia fosse mais responsável, a população teria acesso aos casos de violência, problemas ambientais e trabalhistas causados pelo agronegócio, que tem prejudicado os trabalhadores rurais, populações indígenas, quilombolas e de camponeses.

 

 

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