O desafio de fazer valer o Estatuto da Juventude

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Sérgio Botton Barcellos e Maciel Cover
25/10/2013

 

 

"Pergunta a cada ideia: Serves a quem?” (Bertold Brecht)


O Estatuto da Juventude, sancionado em 5 de agosto deste ano, tem 180 dias para entrar em vigor. Ele deve auxiliar na consolidação dos direitos da juventude brasileira, junto com a "PEC da juventude”, que incluiu o termo JOVEM no Capítulo VII da Constituição Federal, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, como: educação, saúde, lazer, transporte público, esporte, liberdade de expressão e trabalho. A partir desses direitos e garantias, pretende-se instituir o Sistema Nacional de Juventude (SINAJUVE), cujas competências devem ser regulamentadas posteriormente.

 

Entretanto, no conteúdo sancionado do Estatuto da Juventude se destacam ainda questões como: as escolas com mais de 200 alunos não precisarão mais ter um local apropriado para a prática de atividades poliesportivas; não há mais reserva de 30% dos recursos do Fundo Nacional de Cultura para projetos e programas culturais direcionados aos jovens; emissoras de rádio e televisão não terão mais que destinar espaços e horários especiais para tratar da realidade social do jovem; e a União não terá mais que criar e gerenciar subsistemas nacionais de informações sobre a juventude e de acompanhamento das políticas. Consta também a criação de um limite de 40% para ingressos com meia-entrada em eventos culturais e esportivos para estudantes e jovens considerados de baixa renda.

 

Dada esta situação, a sanção do Estatuto da Juventude pode ser observada de diversas formas, inclusive a partir da atual conjuntura política e situação do tema da juventude junto ao governo. Considera-se que comemorar a aprovação do Estatuto da Juventude é legítimo e necessário, tendo em vista que ficou nove anos em tramitação no Legislativo e representa um grande passo na caminhada para a conquista de direitos sociais para os e as jovens. Porém, apenas comemorá-la, e divulgar a conquista de direitos das e dos jovens como uma vitória dada, pode ser considerada uma postura com ares de cinismo, de quem quer acumular capital político sobre um processo que está em plena disputa de rumos políticos, inclusive com a discussão e definição do SINAJUVE (Sistema Nacional de Juventude). Desse modo, ao que tudo indica, essa aprovação demanda atenção e, daqui para frente, uma crescente mobilização, para que muitos direitos possam efetivamente ser garantidos ao conjunto da juventude brasileira.

 

Por mais que tenha ocorrido uma relativa participação das organizações e movimentos sociais, audiências públicas, espaços para os e as jovens opinarem sobre a formulação do Estatuto nesses anos de governos com Lula e Dilma, percebeu-se que a aprovação do Estatuto, em certa medida, tomou um rumo institucionalizado e burocratizado pelas relatorias do Senado e Câmara, e depois na decisão sobre os vetos durante a sua sanção. Além disso, o Estatuto tomou um rumo partidarizado em grande parte por disputas no interior do movimento estudantil vinculado à UNE e à UBES, que são apenas uma fração das muitas contidas no conjunto da juventude brasileira.

 

Exemplo disso provavelmente é a questão que paira sobre a meia-entrada em eventos esportivos, culturais e nos cinemas. Estabelecer e não vetar a cota de 40% para a compra de meia-entrada pode ser considerado uma perda em relação a um direito garantido, conquista histórica do movimento estudantil. Cabe lembrar que a UNE (entidade hegemonizada há mais de 20 anos pela UJS – PC do B) articulou e apoiou essa cota junto com artistas e produtores culturais vinculados a cultura de massas em troca, no mínimo, do apoio para manter a exclusividade da confecção das carteiras estudantis.

 

Outro possível desafio no processo de regulamentação do Estatuto, mesmo com o acúmulo de debates do CONJUVE e as iniciativas que partem da SNJ, será o fato de lidar com a fragilidade política desses espaços em um governo que não prioriza o tema da juventude, inclusive na própria Secretaria Geral da Presidência, em meio a uma acirrada disputa inter-burocrática, orçamentária e política, que há no conjunto da ampla coalizão partidária que compõe o governo (2). Essa é apenas mais uma situação que exemplifica a falta de prioridade do governo com a pauta da juventude e falta de capacidade de mais investimentos do Estado, nessa e em outras pautas, devido ao fato de que o orçamento da União está altamente comprometido com a dívida pública.

 

O poder executivo, ao sancionar o Estatuto da Juventude, e o legislativo, ao aprová-lo às pressas, demonstraram certo tipo de “analfabetismo político funcional” na tentativa de ler a realidade do conjunto da juventude brasileira. Exemplo disso é que muitas organizações e movimentos sociais de juventude reivindicavam um estatuto que lhes garantisse direitos, não uma lei que fosse apenas uma carta de intenções e que lhes tirasse direitos. Disputar os rumos das regulamentações das leis será preciso, inclusive para continuar reivindicando a garantia e a ampliação de direitos básicos, como transporte público, educação e saúde, bem como para questionar as violações aos direitos humanos causadas pelos megaeventos no Brasil.

 

Outra questão que poderá vir à tona é quando o conjunto das organizações e movimentos sociais de juventude observarem que, no Estatuto aprovado, muitas das suas proposições nos espaços de consulta foram alteradas e retiradas pela pressão dos(as) deputados(as), senadores(as) e relatorias. Prova disso, além da questão da meia-entrada que "vai dar o que falar”, há reivindicações feitas pelas organizações e movimentos sociais em juventude rural que não foram contempladas, como a garantia do direito à terra e medidas para garantir aos jovens proteção perante problemas socioambientais trazidos pelos agrotóxicos.

 

Constata-se que há muitas organizações e parlamentares querendo “falar pela juventude”, mas poucos que querem dialogar e fazer algo com o conjunto dos grupos de juventude no Brasil. Assim, mesmo que seja sedutor afirmar a necessidade de um veto presidencial ou da revogação imediata sobre o artigo que prevê a porcentagem de 40% para a meia-entrada, acredita-se que a compreensão, as soluções e as respostas sobre o que fazer diante disto têm de vir por e pelo conjunto de organizações e movimentos sociais das cidades e que estão nos diversos territórios, e não só da UNE, UBES e juventudes partidárias.

 

Que a juventude precisa ter voz, espaço e vez, também parece ser consensual e discurso de muitos (as); mas, ao que tudo indica, não será consentido ou dado. Terá que ser disputado e conquistado nas mais diversas esferas da sociedade, cotidianamente, e tanto a formulação das questões quanto as respostas necessárias terão de ser feitas em manifestações massivas. Será preciso pautar um governo e um legislativo enrijecidos pelo múltiplos comprometimentos com as forças nacionais e multinacionais, que retroalimentam o atual estágio do capitalismo no Brasil, pela tecnoburocracia gerencial do Estado e o pragmatismo eleitoreiro de um sistema político distante de um projeto de participação popular.

 

Notas:

1) Serão considerados jovens de baixa renda os pertencentes a famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), cuja renda mensal seja de até dois salários mínimos.

2) No ano de 2011 ocorreu a formulação do Programa Autonomia e Emancipação da Juventude no Plano Plurianual do Governo Federal (PPA 2012-2015). Contudo, o orçamento disponibilizado de R$ 50 milhões é considerado muito insuficiente diante do conjunto de demandas apresentadas pelo conjunto.

 

Sérgio Botton Barcellos faz doutorado no CPDA-UFRRJ e atua na assessoria da PJR; Maciel Cover faz doutorado no PPGCS-UFCG e atua na assessoria da PJR.

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