Neonazismo e crimes de ódio de Brasil: por uma política repressiva efetiva

0
0
0
s2sdefault
João Gabriel Vieira Bordin
30/04/2013

 

 

No último dia 14, foi preso em Americana (SP) Antônio Donato Baudson Peret, o militante neonazista que enforcou um morador de rua na capital mineira, tirou foto do crime e postou-a, há alguns dias, em seu perfil no Facebook. Pelo visto, a rápida divulgação em repúdio ao ato levou o Ministério Público e a Polícia Civil a agirem, resultando na prisão do agressor. Antônio é acusado de ter cometido ao menos três outros atos de agressão contra homossexuais. Entre eles, apenas um foi levado ao conhecimento da justiça.



A celeridade com que se levou a cabo o processo que resultou na prisão de Antônio é digna de nota e deve ser elogiada. Entretanto, o detalhe de uma pintura deve ser visto à luz do quadro como um todo, do contrário ele fica incompleto. A verdade é que a coibição desse tipo de crime no Brasil deixa muito a desejar. É de se supor que a rapidez com que Antônio foi preso não é a regra, mas a exceção na prática judiciária, e que, não fosse a estupidez do autor do crime ao jactar-se dele nas redes sociais, a investigação do fato teria caído na mesma morosidade e apatia em que caem investigações semelhantes.



Esse é, portanto, o primeiro ponto a ser tratado: embora haja no arcabouço legal brasileiro dispositivos específicos para combater os chamados “crimes de ódio”, na prática esses dispositivos caem no vazio porque não há uma política pública específica voltada para garantir o cumprimento da lei. Por exemplo, não existem delegacias específicas para investigar crimes de ódio, nem efetivos policiais para tanto. Sem toda uma estrutura executiva e judiciária para suportar a lei, ela não passa de letra morta.


Além disso, mesmo os dispositivos jurídicos são insuficientes. Embora crimes como o racismo sejam inafiançáveis e, portanto, punidos com mais rigor do que os crimes comuns, não motivados por intolerância e preconceito, ainda assim a lei é muito branda. É preciso endurecê-la ainda mais. O problema é que na maioria das vezes as penas impostas aos criminosos, quando chegam a ser julgados e condenados, estão em contradição com o que dispõe a lei, ou seja, acabam sendo mais leves do que o previsto em lei. Em parte, porque muitos dos crimes de ódio são julgados como crimes comuns, ou seja, como agressão, injúria etc. O próprio histórico de Antônio, marcado pela impunidade, sustenta essa afirmação, e oferece um exemplo nítido da falta de vontade política e jurídica em reprimir tais crimes. Portanto, mesmo a lei sendo já branda demais, há resistência para fazê-la cumprir integralmente.



Uma segunda questão fundamental que tem de ser analisada é o pano de fundo social a partir do qual crimes como os cometidos por Antônio devem ser entendidos. Eles não são atos isolados, mas práticas comuns de grupos neonazistas espalhados por todo o país. Esses grupos existem desde, pelo menos, a década de 1980, mas pesquisas recentes provam que eles vêm crescendo em todas as regiões, tanto em número de membros, quanto em suas atividades. Essa componente histórica e social do problema, portanto, é de fundamental importância para entendê-lo. Há no país algo em torno de uma dezena de grupos neonazistas diferentes que congregam aproximadamente 3 mil membros, sobretudo no sul e sudeste. Pesquisa recente mostra também que a organização e mobilização desses grupos via internet têm crescido a taxas exponenciais.



Portanto, trata-se de um fenômeno em claro processo de desenvolvimento, e que tem ganhado impulso sob as circunstâncias histórico-sociais contemporâneas. No Brasil não se tem dados oficiais sobre os crimes motivados por ódio e preconceito, mas se tomarmos como base o estudo da organização Grupo Gay da Bahia fica claro que a situação é alarmante: em 2012 foi assassinado um homossexual a cada 26 horas, ou seja, quase 350 no total, o que representa um crescimento de 21% em relação a 2011 e de mais de 170% nos últimos 7 anos. A situação real provavelmente é ainda pior do que mostram os dados, dado as evidentes dificuldades em reuni-los. Se somarmos os crimes cometidos contra gays aos crimes cometidos contra negros, mendigos, migrantes etc. o quadro geral dos crimes de ódio no Brasil é sem dúvida desesperador.


O terceiro e último ponto a ser tratado é que, para além, dos grupos e indivíduos neonazistas organizados e militantes, há ainda os que se simpatizam com eles, embora não partam para a ação direta. Estudo da antropóloga Adriana Dias, da Unicamp, mostra que, segundo o seu critério de simpatizantes (internautas que visitam e baixam ao menos uma centena de arquivos em sítios neonazistas), existem mais de 100 mil neonazistas somente no sul do país. Essa conta pode ser expandida ainda mais se considerarmos que as ideologias dominantes no senso-comum carregam também uma série de elementos fascistoides ou protofascistas, mais ainda do que as pessoas estão dispostas a admitir.

 

Basta uma rápida olhada nos comentários sobre notícias afins nos sítios dos grandes veículos de comunicação virtual para se ter uma noção de que para uma grande parcela da população os crimes de ódio (quando não levados ao extremo) são vistos como crimes de menor importância, que não deveriam receber a atenção que têm merecido. Quando os crimes não são subestimados, é comum encontrar a condenação tanto dos criminosos quanto das vítimas, fundamentalmente por causa de preceitos morais conservadores, como a condenação à homossexualidade ou à mendicância, por exemplo.



É fundamental que reconheçamos toda a profundidade e extensão do problema para propormos ações concretas e eficazes contra ele. Somos todos responsáveis por esses crimes mais do que gostaríamos de admitir. É preciso endurecer a lei e eliminar qualquer brecha que possa levar ao seu descumprimento; é preciso instituir políticas públicas eficientes e amplas e conceder o suporte necessário para que sejam postas em práticas; e é preciso vontade política para fazer isso.

 

João Gabriel Vieira Bordin é cientista social.

Blog: Laboratório Dialético.

0
0
0
s2sdefault