O dia em que Obama chorou diante do mundo

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Mário Maestri
18/12/2012

 

Barack Obama limpou com as pontas dos dedos as lágrimas que escorriam dos cantos dos olhos.

 

Com ar abatido e a elegância habitual, iniciou diante da mídia lobalizada a dança catártica encenada habitualmente para reduzir a já tradicional expressão da cultura estadunidense da morte em mero ato individual desviante. As lágrimas presidenciais foram seguidas pelos tradicionais cultos ecumênicos; vigias noturnas à luz de velas; entrevistas a policiais e psiquiatras; relatos de atos heróicos durante os sucessos; declarações controladas de pais, familiares e amigos.

 

O ataque manteve o script de sempre, sem a dramatização das capas pretas de Littleton que, há doze anos, celebrizaram essa forma de explosão juvenil nos USA, ou a fantasia do vilão Jocker, no lançamento do novo Batman, há poucos meses. Como é comum, o protagonista foi um jovem branco, de classe média, sem precedentes de violência. De novo, apenas as crianças indefesas, talvez para facilitar a conquista da primazia, nem que seja fugidia, do maior número de vítimas.

 

Não é a disseminação de armas a responsável pelos massacres periódicos nos Estados Unidos. Quem mata não é a arma, mas quem a usa, ainda que ela facilite a obra do assassino. Na Suíça, as armas de guerra estão à portada da mão da população juvenil, sem que disso resulte em mortandades habituais nos Estados Unidos.

 

Terem sido usadas no massacre armas compradas legalmente, por uma senhora, mãe de dois jovens, coloca já os limites das propostas de restrição da posse de armas, como dissuasivo de dramas semelhantes. Medida que o presidente chorão furtou-se cuidadosamente de propor nas passadas eleições, temendo as inevitáveis seqüelas eleitorais.

 

A hegemonia imperialista exige a metabolização do uso da violência mortal como instrumento ético e legal. Ela necessita população solidária, moral e fisicamente, da cultura da dominação pela força, do direito da distribuição da morte como profilaxia do criminoso, do malvado, do inimigo, do desviante. Matar é comumente dever e, sobretudo, poder.

 

Desde crianças, os estadunidenses são engatilhados para matar. A morte do bandido, com dor e sofrimento se possível, habita o âmago da cultura nacional dominante, celebrada pela televisão, pelo cinema, pela escola, pelas igrejas, pelo Estado. Heróis nacionais, como o xerife, o caubói, o fuzileiro, o super-herói, são glorificados na epifania da aniquilação física implacável do inimigo. A execução de Bin Laden, sem julgamento, desarmado, em país estrangeiro, transformou-se em uma enorme festa nacional.

 

Na segurança da Casa Branca, Barack Obama decide semanalmente os opositores a serem eliminados pelos aviões não tripulados, no Afeganistão, no Paquistão, onde for necessário e possível. As execuções são divulgadas pela mídia para o regozijo nacional. Sequer os milhares de populares ceifados como perdas marginais [esperadas e inesperadas] dos drones causam lágrimas no Crocodilo Mor e na população solidária na distribuição da justiça final, extra-judiciária e extra-territorial.

 

A arma individual é a principal liturgia da religião da morte. Ela entrega a quem a empunha o poder soberano de aniquilar o mal e impor o bem, de distribuir o castigo e a morte. No Brasil, o pai orgulhoso leva o filho pequeno para ver seu time preferido; nos USA, ensina o pimpolho a manejar e disparar, para matar, caso seja necessário. Um pouco menos da metade da população estadunidense possuí trezentos milhões de armas individuais – e elas são compradas, hoje, como jamais. Os suicídios anuais com armas o são quase quinze mil.

 

A cultura da arma e da morte facilita que jovens desavisados engajem-se periodicamente como soldados, por baixo preço, transformando-se fora das fronteiras em veteranos orgulhosos de matar pelo país. Nos USA, jovens estressados, desesperados, infelizes, mentalmente enfermos, expressam também suas angústias no álcool, nas drogas, em depredações e agressões mais ou menos banais e no suicídio.

 

Entre a juventude estadunidense, é forte a atração pela realização do poder demiúrgico da arma de fogo, sobre desafetos ou estranhos, forma de socialização perversa e perseguição patológica de superação da dor individual e do vazio existencial na materialização de banquete de sangue, diante dos olhos da nação e do mundo.

 

Possivelmente, muito logo, conheceremos novos sucessos semelhantes aos ocorridos em Newtown, Connecticut, ainda mais que o suicídio difunde-se como epidemia entre a população inclinada a tais atos, quando midiatizados.

 

Mário Maestri é historiador.

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