Amaral de Souza: não em nosso nome!

0
0
0
s2sdefault
Mário Maestri
19/06/2012

 

Morreu na quarta-feira, 13 de junho, aos 82 anos, Amaral de Souza, entronizado no governo do Rio Grande do Sul pelo regime ditatorial, contra a vontade e os direitos do povo sulino. Como deputado estadual, federal, vice-governador (1975-1979) e governador (1979-1983), Amaral de Souza conformou a base de apoio político-administrativa da ditadura cívico-militar. Foi plena e conscientemente responsável pelos crimes praticados contra o povo rio-grandense e brasileiro em 1964-85.

 

Como tantos outros apoiadores do Golpe, para fazer jus às sinecuras com que a ditadura premiava seus servidores excelentes, desdobrou-se no papel de turiferário venal, incensando, defendendo e participando do regime que baniu, prendeu, torturou, desapareceu e matou os melhores filhos e filhas do Rio Grande e do Brasil. Ajudou e participou do confisco de direitos civis, políticos e econômicos da população rio-grandense e brasileira.

 

Por além de suas posições, o Brasil conheceu grandes e destemidos políticos, de pequena estatura física, como Getúlio Vargas e Luís Carlos Prestes. Em todos os sentidos, Amaral de Souza foi homem e político minúsculo, o que teria contribuído para sua escolha como governador de mentirinha, pelos generais de plantão, nos anos finais da ditadura. Esbofeteavam assim por uma última vez o povo que alçara ao governo estadual, pelo poder do voto, e não raro os defendera pela força do fuzil, homens da dimensão de Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, Flores da Cunha e Leonel Brizola.

 

Da administração Amaral de Souza, a história possivelmente registrará o serviço policial mesquinho de queima de arquivo, ao mandar destruir os registros da DOPS, delegacia especializada na repressão à resistência à ditadura. Tudo para suprimir as provas e registros das ações criminosas dos esbirros civis, policiais e militares do regime ditatorial e, quem sabe, informações referentes a atos seus, diretos ou indiretos.

 

É obrigação de um Estado minimamente democrático reprimir as homenagens em vida e póstumas àqueles que violentaram direitos populares. Em não poucos países, o negacionismo dos crimes das ditaduras anti-populares é prescrito e punido pela lei. Entre nós, não! O Estado desdobra-se para manter os criminosos impunes, quando vivos, e para homenageá-los, após a morte. Através do país, ruas, praças, colégios públicos portam o nome de ditadores e de seus sequazes.

 

Como já é tradicional, a grande imprensa sulina desdobrou-se para desculpar e elevar o político democraticida e antipopular, procurando no elogio de seu passado promover a defesa possível da ordem ditatorial. Regime de exceção que expressou valores, interesses e classes sociais que, mutatis mutandis, são os mesmos que defende e representa atualmente.

 

Amaral de Souza foi apresentado como político da distensão, diálogo, transição. Chegou-se ao desabuso de propor não ter contado com a “simpatia e afinidade” dos generais que o designaram como testa de ferro no governo do Rio Grande do Sul! Não houve referência aos seus serviços à ditadura, nos anos anteriores à designação como governador, e às violências que ocorreram durante seus mandatos de vice e governador.

 

Sequer foi lembrado que, em novembro de 1978, Lilian Celiberti, seus dois filhos menores, e Universindo Diaz, ex-militantes uruguaios refugiados em Porto Alegre, foram presos, torturados e enviados para o Uruguai, tudo ao arrepio das próprias leis ditatoriais. Denunciado o ato criminoso por jornalistas e comunicadores corajosos, as autoridades civis e militares explicaram o seqüestro como retorno voluntário ao Uruguai!

 

Na mesma trilha, o atual governador do RS decretou luto oficial de três dias, em homenagem ao ex-governador de coturno. Abriu amplamente o portão nobre do Palácio Piratini para velar os restos do político que forçara as portas pequenas dos fundos da sede do governo do Estado, contra a vontade do povo sulino, apoiado apenas na razão e na força das baionetas.

 

Sobretudo, envolveu diretamente o povo sulino na homenagem à ditadura, ao proclamar: “O governo do RS lamenta profundamente a morte do ex-governador Amaral de Souza e transmite a sua família os pêsames do povo gaúcho. Amaral de Souza teve sempre um papel destacado no cenário político e passa para a memória do povo gaúcho como um líder respeitado, que prestou serviços importantes ao desenvolvimento do nosso Estado”.

 

Por favor, senhor governador, diga o que quiser, mas não em nosso nome!

 

Mário Maestri é historiador e professor do curso e do programa de Pós-Graduação em História da UPF.

E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

0
0
0
s2sdefault