Dois caminhos de uma tragédia

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Gilvan Rocha
26/05/2012

 

Nos anos de 1960, fazia pouco mais de um ano que havia acontecido a Revolução Cubana, de grande repercussão mundial, sobretudo, porque estávamos em plena Guerra Fria. Naquele momento, aqui no Brasil, tomava todo impulso o movimento de massa prenunciando uma considerável onda revolucionária. A pré-revolução no Brasil manifestava-se através da explícita radicalização dos movimentos sociais, destacando-se o crescimento geométrico das Ligas Camponesas no Nordeste, como em outras regiões.

 

Outro sinal dessa radicalização era o crescimento das greves selvagens, ou seja, aquelas greves que passavam por cima das direções pelegas e reformistas, aguçando o processo de mobilização operária. Por sua vez, nos meios militares, particularmente entre os sargentos das três Forças Armadas e também entre os marinheiros e os fuzileiros navais, crescia um processo politizado de insubordinação dos praças contra os seus “superiores”. A título de exemplo, basta lembrar os casos do levante dos sargentos em setembro de 1963, em Brasília, e o levante dos marinheiros e fuzileiros navais no Rio de Janeiro, isso já em 1964.

 

Existia aqui, sem a menor dúvida, um quadro pré-revolucionário e a esquerda, que se auto-intitulava socialista ou comunista, dividia-se em duas grandes correntes. A primeira delas, liderada por Moscou e representada pelo PCBão, defendia o “caminho pacífico para o socialismo”. Enquanto isso, havia uma segunda corrente que defendia o caminho da luta armada. Essa corrente, defensora da luta armada, era representada por alguns agrupamentos, um deles seguindo a orientação de Pequim, defendendo “a guerra popular e prolongada”; outro, inspirado num livreto escrito por um intelectualóide francês, chamado Regis Debray, defendia a criação de focos revolucionários. O bloco da linha pacifista cantava, solenemente, o hino: “Ó Pátria amada, Idolatrada, Salve! Salve!”

 

A esquerda, da luta armada, confundia o conceito de revolução com o embate militar. Para eles o fuzil era o símbolo da revolução. Num plano secundário, aquém da luta armada propriamente dita, estava o seu programa nacional-reformista que, aliás, era comum às duas correntes. Dessa maneira, eles, “os guerreiros”, partidários da luta armada, preferiam cantar a plenos pulmões: “Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil”, e por isso julgavam-se radicais.

 

O primeiro ministro soviético, Nikita Krushev, dizia que os defensores da luta armada eram sanguinários e aventureiros e esse discurso chegava a sensibilizar muitos corações que tinham aversão à idéia de derramamento de sangue, e preferiam omitir-se diante da morte silenciosa, produzida pela miséria.

 

Hoje, feito um balanço, o “caminho pacífico para o socialismo”, além de ser uma fraude teórica, pois uma impossibilidade, custou muito mais derramamento de sangue do que o romântico caminho da luta armada, de feição blanquista.

 

Seguindo a linha pacifista de Moscou, deram-se os golpes de força contra-revolucionários, aqui no Brasil, na Indonésia – onde morreram cerca de 500 mil pessoas – e no Chile, onde o uso da força contra-revolucionária fez milhares de vítimas. Tais episódios são postos para baixo do tapete de forma a serem esquecidos e, nesse sentido, eles têm obtido êxito, o que é uma lástima.

 

Uma esquerda mal formada e mal informada, como essa que retratamos, não poderia parar aí na sua trágica caminhada. Pós o golpe de 1964, aqui no Brasil, uma parte da esquerda, a esquerda moscovita, apresentou-se com o seguinte argumento: “o inimigo traiu”. Ora, os inimigos não traem. Eles apenas cumprem, cruelmente, o seu papel histórico. Quem traiu foram aqueles que semearam ilusões levando a cabo o seguinte discurso: “o nosso exército é formado por filhos do povo, e se dispõe a garantir a legalidade constitucional. Por essa razão, não há nenhum perigo de golpe”. Diziam ainda: “Além disso, temos organizado um dispositivo militar sob a direção do camarada General Assis Brasil e se a direita ousar dar o primeiro tiro haveremos de esmagá-la.”

 

Não foi preciso o primeiro tiro, bastou o primeiro grito e o velho PCBão sumiu, escafedeu-se, deixando as massas populares em completa orfandade política. Por outro lado, uma parte da esquerda mergulhou num discurso bastante simplório, quando dizia: “revolução se faz com armas e dinheiro. O dinheiro tem nos bancos e as armas nos quartéis, basta irmos buscá-los, e chega de blá-bla-blá”.

 

Num primeiro instante, esses grupos heróicos pegaram a burguesia desprevenida e lograram êxitos espetaculares, como foram os casos do cofre de Ademar de Barros, do seqüestro do embaixador estadunidense e do desvio de um caminhão de armas praticado pelo heróico capitão Lamarca. Isso para citar apenas três exemplos de grande impacto.

 

A burguesia reorganizou o seu aparelho de Estado, recrutou o que existia de mais cruel na polícia civil, os seus mestres torturadores, tomou algumas lições com instrutores da CIA e virou o jogo a ferro e fogo, como havia de se esperar de inimigos ciosos do seu dever.

 

Assim foi que milhares de homens e mulheres, excelentes militantes, se imolaram na fogueira da cretinice política, tão bem cultivada mundo afora, tanto por Moscou como por Pequim ou a Albânia e, finalmente, pelo Dr. Debray, com seu livrinho “Revolução na revolução”. Pelo seu contributo ao sistema sócio-econômico vigente, esse senhor, exímio charlatão em matéria de marxismo, recebeu como prêmio sua nomeação como ministro da Cultura na França. A História é feita por alguns virtuosos e muitos possuidores do mais vil descaramento.

 

Por essas razões é que a esquerda de hoje não conhece o passado, e a nossa esquerda brasileira, em especial, pouco ou nada sabe sobre o episódio de 1964. Dessa forma, urge mergulharmos na História e dela tirar as incontáveis lições para que não repitamos tantos erros que nos têm levado a sucessivas tragédias, cujo produto semi-acabado é a situação que hoje vivemos em escala mundial, quando o capitalismo estoura pelas costuras, porém mantém uma hegemonia política quase absoluta. Vençamos as nossas carências, nos libertemos dos equívocos e dogmas implantados nesses noventa anos de stalinismo, resgatemos o socialismo revolucionário, repudiemos a fantasia do socialismo evolucionário, por sua natural inviabilidade. Fora o capitalismo! Viva a vida!

 

Gilvan Rocha é militante socialista e membro do Centro de Atividades e Estudos Políticos.

Blog: www.gilvanrocha.blogspot.com

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