O caso do mensalão: até quando ficará impune?

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Frei Marcos Sassatelli
18/05/2012

 

No meu artigo “A máscara rachou e a corrupção vazou”, do final do mês de abril, depois de falar do escândalo Carlinhos Cachoeira, procurei mostrar que os casos de corrupção são simples vazamentos de um sistema sócio-econômico, político, ecológico e cultural corrupto. A corrupção não é só pontual, mas é sobretudo sistêmica e estrutural. Por isso precisamos combater os casos de corrupção e, ao mesmo tempo, abrir caminhos novos para a superação desse sistema corrupto, iníquo, desumano e antiético.

 

No presente escrito, quero retomar o caso do mensalão, que é um velho vazamento do sistema corrupto em que vivemos e que, parece, caiu no esquecimento. Assistimos hoje ao cúmulo do oportunismo e da hipocrisia: diversos políticos dão apoio à apuração do caso de corrupção Carlinhos Cachoeira para encobrir ou esquecer o caso de corrupção do mensalão. Precisamos combater toda e qualquer prática de corrupção, venha de onde vier, doe a quem doer.

 

O escândalo do mensalão ou o "esquema de compra de votos de parlamentares" é a maior crise política do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2005/2006. Em que consiste esse escândalo? “Em 14 de maio de 2005, foi divulgada pela imprensa uma gravação de vídeo na qual o ex-chefe do DECAM/ECT, Maurício Marinho, solicitava e também recebia vantagem indevida para ilicitamente beneficiar um falso empresário - na realidade o advogado curitibano Joel Santos Filho, o denunciante da corrupção, que, para colher prova material do crime, faz-se passar por empresário interessado em negociar com os Correios. Na negociação estabelecida com o falso empresário, Maurício Marinho expôs, com riqueza de detalhes, o esquema de corrupção de agentes públicos existente naquela empresa pública”.

 

Segundo Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, à época procurador-geral da República, “na denúncia que apresentou e que foi acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, o ex-deputado federal Roberto Jefferson (então presidente do PTB, acuado, pois o esquema de corrupção e desvio de dinheiro público estava focado em dirigentes dos Correios indicados pelo PTB, resultado de sua composição política com integrantes do governo) revelou detalhes do esquema de corrupção de parlamentares, do qual fazia parte, esclarecendo que parlamentares que compunham a chamada ‘base aliada do governo’ recebiam, periodicamente, recursos do Partido dos Trabalhadores em razão do seu apoio ao governo federal, constituindo o que se denominou como ‘mensalão’”.

 

O neologismo ‘mensalão’ foi popularizado pelo então deputado federal Roberto Jefferson, numa entrevista sobre o escândalo, que repercutiu nacional e internacionalmente. Ele é uma variante da palavra ‘mensalidade’, usada para se referir a uma suposta ‘mesada’ paga a deputados para votarem a favor de projetos de interesse do Poder Executivo. Segundo o deputado, o termo já era comum nos bastidores da política entre os parlamentares para designar essa prática ilegal.

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou - entre 22 a 27 de agosto de 2007 - o julgamento das 38 pessoas denunciadas pelo procurador-geral da República, em 11 de abril de 2006. “O tribunal recebeu praticamente todas as denúncias feitas contra cada um dos acusados, o que os fez passar da condição de denunciados à condição de réus no processo criminal, devendo defender-se das acusações que lhes foram imputadas perante a Justiça, para, posteriormente, serem julgados pelo tribunal”.

 

Durante uma investigação sobre o banqueiro Daniel Dantas, em julho de 2008, foi descoberto que o Banco Opportunity foi uma das principais fontes de recursos do mensalão. “Através do Banco Opportunity, Daniel Dantas era o gestor da Brasil Telecom, controladora da Telemig e da Amazônia Telecom. As investigações apontaram que essas empresas de telefonia injetaram R$ 127 milhões nas contas da DNA Propaganda, administrada por Marcos Valério, o que, segundo a Polícia Federal, alimentava o Valerioduto, esquema de pagamento ilegal a parlamentares. A Polícia Federal pôde chegar a essa conclusão após a Justiça ter autorizado a quebra de sigilo do computador central do Banco Opportunity” (http://www.diarioliberdade.org/index.php?option=com_content&view=article&id=14162:mensalao-historia-do-maior-escandalo-no-brasil&catid=59:institucional&Itemid=7=3 - 06/04/11).

 

Nas alegações finais do processo, a Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma que, no caso do mensalão, “trata-se da mais grave agressão aos valores democráticos que se possa conceber. No momento em que a consciência do representante eleito pelo povo é corrompida (...), a base do regime democrático é irremediavelmente ameaçada”.

 

O mensalão é considerado, por muitos, o maior escândalo ou um dos maiores escândalos de corrupção política da história do Brasil. Ficam as perguntas: Por que em sete anos o escândalo do mensalão ainda não foi julgado? Por que tanta demora? Quais os interesses que estão por trás dessa demora? Há razões suficientes para levantar muitas suspeitas.

 

Segundo noticiou a imprensa, no processo do mensalão o crime de formação de quadrilha prescreveu em agosto de 2011. Ora, na denúncia do Ministério Público, aceita pelo STF, o crime de formação de quadrilha é citado mais de 50 vezes e é visto como uma espécie de ação central do esquema de corrupção. Infelizmente - embora entre os 38 réus do processo, 22 respondam por formação de quadrilha -, por ter o crime prescrito, nenhum dos 'mensaleiros' poderá ser condenado. O Supremo Tribunal Federal (STF) precisa tomar consciência de que protelar o julgamento de uma prática de corrupção é outra corrupção.

 

Enfim, depois de tanta demora, que a meu ver denota (talvez por covardia) omissão e conivência, no dia 9 de maio de 2012 o STF começou oficialmente a organizar o julgamento do processo do mensalão, que (reparem) ainda não tem data para iniciar (Cf. Folha de S. Paulo, 10/05/12, p. A4).

 

Uma outra prática política é possível e necessária. Lutemos para que ela aconteça em nossa sociedade.

 

 

Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP), é professor de Filosofia da UFG (aposentado).

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