‘Planeta Mantega entra no jogo do petróleo, do lado dos lobistas’

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Valéria Nader, da Redação; colaborou Gabriel Brito.
28/04/2012

 

O que será que anda acontecendo com o nosso petróleo e com a condução do setor em nosso país? Muitos de nós, antenados com as grandes obras que vêm tomando conta da agenda pública, a exemplo das inúmeras obras do PAC, de Belo Monte, da Transposição do São Francisco, e que estão diuturnamente iluminadas pelos veículos de comunicação, podemos estar nos fazendo esta pergunta nestes últimos meses. Afinal, vieram a nova legislação para o pré-sal, o barulho em torno dos royalties, os vazamentos de óleo no mar, mas, agora, o setor do petróleo anda bem sumido da mídia.


No entanto, o barulho em torno do setor, assim como as articulações dos grandes e poderosos lobistas pra fazerem valer seus propósitos para este cobiçadíssimo ‘ouro do futuro’, estão animadíssimos. É o que se pode inferir a partir das colocações veementes do engenheiro Fernando Siqueira, o ex-presidente da AEPET (a Associação de Engenheiros da Petrobrás).


Além da enorme pressão de lobistas para a retomada dos leilões, inclusive na área do pré-sal, o cartel internacional até hoje não se conformou com o fim da Lei (9478/97), do governo FHC, que introduziu o sistema de partilha no lugar do sistema de concessão na área petrolífera. Não tendo, portanto, conseguido impedir a retomada da propriedade da União sobre o petróleo, está brigando para que não seja votado o PL 2565/2011, que está na Câmara, e que contém emenda que impede a devolução em petróleo dos royalties pagos pelas empresas exploradoras.

 

Quanto à postura do governo face ao tema, Siqueira a toma como preocupante. Segundo declara, “o ministro Mantega, também conselheiro da Petrobrás, disse recentemente que o governo quer que a votação do petróleo se dê depois das eleições municipais ‘para não contaminar o processo’. Tudo o que o cartel internacional deseja. Se a votação for agora, haverá mais uma forte razão para a aprovação do PL 2565, que impede a devolução dos royalties, além de distribuí-los de uma forma mais equânime: os deputados candidatos não votariam contra os interesses de seus eleitores”.

 

Se não está otimista no que tange às condutas públicas atuais no setor petrolífero, o engenheiro tem esperanças de que a Petrobrás retome o monopólio do petróleo em meio a uma tendência mundial de controle estatal no setor. Único modo de, segundo Siqueira, o pré-sal contemplar o seu verdadeiro dono, o povo brasileiro, e de o país se beneficiar de seu petróleo.

 

Confira a seguir a entrevista completa.

 

 

Correio da Cidadania: Vieram a nova legislação para o pré-sal, o barulho em torno dos royalties, os vazamentos de óleo no mar, mas, agora, o setor do petróleo anda sumido da mídia. Por que o sumiço, as questões importantes foram ou têm sido bem equacionadas?

 

Fernando Siqueira: Este sumiço é deveras preocupante, pois a tática do lobby internacional é postergar a votação do Projeto de Lei do Senado (PLS 448), que foi aprovado naquela casa por ampla maioria, e que se encontra hoje na Câmara com o nome de PL 2565/2011. O objetivo deles é “convencer” os deputados a não derrubar a devolução dos Royalties. Este PL reedita a emenda Pedro Simon, de uma forma otimizada, ou seja, impede a devolução (ressarcimento), em petróleo, dos royalties pagos e faz uma distribuição mais bem elaborada para todos os estados. Com uma emenda do deputado Marcelo Castro, mantém os ganhos dos estados produtores nos níveis de 2011, e vai aumentado os ganhos dos não produtores gradativamente.

 

Há, portanto, um consenso nesta nova redação. Mas o lobby internacional não está satisfeito, visto que o contrato de partilha de produção restaura a propriedade da União sobre o petróleo produzido. A lei anterior, de FHC, dava 100% da propriedade do petróleo a quem produzisse e uma obrigação de pagar somente 10% de royalties e mais cerca de 11% de Participação Especial, num total de 21%, tudo em dinheiro. No mundo, os países exportadores ficam com cerca de 80% da produção, em petróleo. Essa era a Lei (9478/97) que o cartel queria manter no pré-sal. Não conseguindo, introduziram a emenda que devolve, em petróleo, os royalties pagos.

 

Correio da Cidadania: Pensando um pouco nos Royalties, em nossa última entrevista, você já destacara que a briga entre Sergio Cabral e Paulo Hartung, governadores do Rio de Janeiro e Espírito Santo, em torno da distribuição dos Royalties, era biombo para encobrir mal maior - o ressarcimento em óleo do valor pago em royalties pelas empresas exploradoras do petróleo. Este debate, pelo visto, acirrou-se, não?

 

Fernando Siqueira: O cartel internacional, não conseguindo impedir a retomada da propriedade da União sobre o petróleo, introduziu a emenda que eleva os royalties pagos para 15% e os devolve ao produtor, em petróleo. Assim, a participação da União cairia de cerca de 50% para apenas 35% do petróleo produzido, ficando o consórcio produtor com 65% do petróleo. Mesmo o produtor pagando o custo de produção em dólar, o que importa é o petróleo, pelo seu alto poderio estratégico. Portanto, o Brasil perderia um baita poder de barganha. Já estamos atingindo o pico de produção mundial, segundo especialistas internacionais, e a tendência é: quem tiver petróleo vai ter um poder geopolítico imenso. O cartel quer esse poder para si. Esse debate está agora na Câmara e a pressão é para não votar já, pois os parlamentares tendem, hoje, a aprovar o PL 2565/2011.

 

Correio da Cidadania: E os leilões, bastante desaparecidos dos noticiários, como têm caminhado as negociações e rodadas de entrega do petróleo? A ANP – Agência Nacional de Petróleo - continua promovendo tais rodadas?

 

Fernando Siqueira: Os leilões estão suspensos em face da pendência da votação do PL 2565. Mas, infelizmente, a pressão para a sua retomada é enorme. Tanto o ministro Lobão como a Agência Nacional do Petróleo vêm se posicionando a favor dos leilões. E querem incluir áreas do pré-sal, o que, a nosso ver, não tem sentido. O pré-sal já está descoberto, tem risco baixíssimo e a Petrobrás tem todas as condições técnicas e financeiras para produzi-lo. Os acidentes da BP no Golfo do México e o da Chevron em Frade afirmam bem nossa posição: em ambos os casos a empresa de perfuração era a Transocean, que presta esse serviço às produtoras. Ocorre que quem comanda o projeto de perfuração é a petroleira e não a prestadora do serviço. Nos dois casos, as petroleiras, por economia, levaram a Transocean a contrariar regras de segurança, causando os acidentes. A Transocean trabalha para a Petrobrás e já perfurou vários poços do pré-sal, não causando qualquer acidente. A Petrobrás, sendo uma empresa controlada pelo governo (portanto, pela sociedade), não comete esse tipo de agressão à segurança.

 

Correio da Cidadania: Diante dessa pressão pela retomada dos leilões, inclusive do pré-sal, avançamos minimamente no sentido de impedir que caiam sorrateiramente nas mãos de empresas estrangeiras, ou que os lucros beneficiem as multinacionais dos EUA, Europa e Ásia?

 

Fernando Siqueira: Conforme dito, há uma queda de braço no Congresso: de um lado, o cartel internacional comandado pelo IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo), que quer piorar a nova lei fazendo retornar o ressarcimento dos royalties; e do outro, os parlamentares nacionalistas que não querem deixar que esta situação vingue. Se for votado agora, o PL 2565 tem grande chance de ser aprovado, como o foi no Senado. E ele representa um avanço importante a favor do Brasil. Daí o trabalho do lobby em prorrogar a votação para depois das eleições municipais. Com isto ganham tempo para “convencer” os parlamentares a retomar o ressarcimento.

 

Correio da Cidadania: Como anda a condução política do setor petrolífero - desestabilizador da economia mundial em determinados momentos - pelo governo atual da presidente Dilma?

 

Fernando Siqueira: Também um pouco preocupante. O ministro Mantega, também conselheiro da Petrobrás, disse recentemente que o governo quer que a votação do petróleo se dê depois das eleições municipais “para não contaminar o processo”. Tudo o que o cartel internacional deseja. Se a votação for agora, haverá mais uma forte razão para a aprovação do PL 2565, que impede a devolução dos royalties, além de distribuí-los de uma forma mais equânime: os deputados candidatos não votariam contra os interesses de seus eleitores. Se for depois das eleições, a chance do cartel internacional aumenta, inclusive com a oportunidade de um maior “convencimento” dos parlamentares.

 

A Revista Época de 16/01 fez uma matéria de 11 páginas com altos elogios ao ministro Mantega. Agora ficou claro. É esta uma nova forma de cooptação. A Câmara de Comércio Brasil/Inglaterra deu o título de homem do ano ao ministro Lobão. Ele voltou de lá defendendo efusivamente os leilões; Gabrielli também ganhou esse título da Câmara de Comércio Brasil/EUA. Agora o “planeta Mantega”, título da matéria, entra no jogo, do lado dos lobistas.

 

Correio da Cidadania: A propósito, em entrevista do ano passado, o economista e estudioso do petróleo Wladmir Coelho declarou que “o governo abriu mão do controle da política econômica do petróleo”. Concorda com essa tese?

 

Fernando Siqueira: Em parte, sim. Com a popularidade que a presidente Dilma vem conseguindo, ela poderia seguir o exemplo da Cristina Kirchner na Argentina e acabar de vez com os leilões do petróleo, que não beneficiam em nada o nosso país. Pelo contrário, entregam um bem altamente estratégico, fundamental para o nosso desenvolvimento, a quem não fez qualquer esforço ou correu risco para descobrir, mesmo tendo essas áreas sob controle nos 13 anos de contratos de risco. Leilão implica em desnacionalizar o nosso petróleo, pois os consórcios internacionais irão exportar todo ele, bruto, sem agregar valor, tendo ganhos enormes em detrimento do povo brasileiro. Só de impostos, o país perde mais de 30%, pois o petróleo exportado não paga PIS/COFINS, ICMS nem CIDE. Além disto, ele não gera emprego nem novas tecnologias ao país. A Agência Nacional de Petróleo, desde que foi criada, defende os interesses externos em detrimento do país.

 

Por exemplo: um dos quatro projetos apresentados pelo governo Lula para melhorar a legislação do petróleo foi o da Cessão Onerosa para a capitalização da Petrobrás. Consistia em o governo ceder áreas para a Petrobrás explorar com uma perspectiva de conseguir 5 bilhões de barris. A Petrobrás compraria do governo essa área com títulos do próprio governo e este, com os títulos, compraria ações da Petrobras. Assim foi feito e a Petrobrás iniciou a perfuração dos quatro blocos cedidos. O bloco de Franco revelou uma reserva da ordem de 6 bilhões de barris; o segundo, o bloco de Libra, revelou uma reserva da ordem de 15 bilhões de barris. O que fez a ANP? Ao invés de manter o Libra com a Petrobrás, conforme autoriza a nova lei, retirou-o da Cessão Onerosa e pretendia licitá-lo. “Mas a senhora vai licitar petróleo descoberto? Libra é uma área estratégica e pela nova lei pode ser mantida com a Petrobrás”, questionamos num encontro no Clube de Engenharia. “Vamos estudar”, respondeu a diretora Magda Chambriard. Se a ANP, órgão do governo, agisse corretamente, não teria dúvidas em manter Libra com a Petrobrás, através de um contrato de partilha.

 

Correio da Cidadania: No que se refere ainda à conduta de nosso governo na área do petróleo, como avalia a sua reação frente ao vazamento provocado pela multinacional anglo-americana Chevron? Existem outros problemas ambientais ocorrendo na exploração petrolífera em terras e águas do Brasil?

 

Fernando Siqueira: O caso Chevron explicita bem o domínio que estas empresas exercem no mundo todo. Decorridos mais de seis meses do acidente, até hoje, os órgãos governamentais não sabem o que realmente aconteceu. A Chevron ocultou a verdade, deu versões falsas e até tentou colocar a culpa na Petrobrás. Na verdade ela obrigou a Transocean a desrespeitar as normas de segurança ao perfurar dois reservatórios em níveis diferentes sem isolar o primeiro deles, revestindo o poço no intervalo que o abrangia. Essa trapalhada resultou no dano ao invólucro do reservatório superior com derrames sucessivos de óleo.

 

A Chevron deveria ser obrigada a reparar o dano, mas ganha tempo para que essas transgressões sejam esquecidas. A conduta dos órgãos fiscalizadores nacionais deixou muito a desejar. Foi uma reação pífia. A produção do petróleo é uma atividade que envolve risco. Em águas profundas mais ainda. Portanto, é preciso que a produção seja exercida por uma empresa que obedeça às leis do país e às normas de segurança. Esta é mais uma razão para que a produção seja feita pela Petrobrás, que, além de maior competência, é controlada pela sociedade.

 

Correio da Cidadania: Neste sentido, que papel tem sido reservado à Petrobras no atual jogo político-econômico do petróleo? Você concorda, por exemplo, com investimentos que vêm sendo feitos pela estatal em associação com grupos econômicos nacionais, muitos dos quais não gozam de retrospecto satisfatório no que se refere à responsabilidade social?

 

Fernando Siqueira: O projeto do governo Lula trouxe avanços, como a Petrobrás ser a operadora de todo o pré-sal e o contrato de partilha que resgata a propriedade do petróleo para a União. Mas pecou em não acabar com os leilões. O fato de a Petrobrás ser operadora de todos os campos do pré-sal dá uma certa tranqüilidade porque ela é uma empresa controlada pela sociedade. A medição do petróleo produzido e a avaliação dos custos de produção (que são ressarcidos em petróleo) são a maior fonte de corrupção na produção mundial de petróleo. Sendo a Petrobrás a operadora única, temos um pouco mais de tranquilidade. Ela terá um papel fundamental na lisura do processo produtivo. Além disso, fica mais fácil controlar o ritmo da produção.

 

Mas havendo um sócio estrangeiro, com este detendo 70% do projeto de produção, vai pressionar para produzir o máximo possível. Se o pré-sal for produzido sem controle, ele pode acabar em 13 anos. Se for produzido atendendo ao interesse do país, pode durar mais de 40 anos. Daí defendermos a entrega total à Petrobrás, sem leilões e sem sócios privados. Além do mais, ela compra no mercado nacional, gera emprego e tecnologia e respeita o meio ambiente. É um papel estratégico e social que ela tem exercido com competência. Portanto, sou favorável a que ela trabalhe dentro das premissas da Lei 2004/53: sozinha.

 

Correio da Cidadania: Em um momento em que a vizinha argentina, como você citou de passagem, acaba de retomar maior controle da petrolífera YPF, não podemos deixar de lhe perguntar: ainda acredita na retomada do monopólio do petróleo pela Petrobrás?

 

Fernando Siqueira: Certamente. Essa é a tendência mundial. Hoje, cerca de 90% das reservas estão em mãos de empresas estatais, pois os países se conscientizaram de que o petróleo é o produto de maior conteúdo estratégico, entre todos. Os países desenvolvidos dependem totalmente dele, e não têm reservas, estando numa brutal insegurança energética. A sua substituição total exigirá mais de 25 anos e muitos investimentos.

 

A volta do Monopólio Estatal fará com que o pré-sal contemple o seu verdadeiro dono, o povo brasileiro. Só assim o país se beneficia do petróleo, fazendo negociações vantajosas. Essa é a nossa luta principal. Defendemos a volta da Lei 2004/53, fruto do maior movimento cívico da nossa história e que, durante a sua vigência, permitiu a descoberta de mais de 90% das reservas atuais, incluído o pré-sal, que há mais de 30 anos vinha sendo mapeado pelos técnicos da Petrobras. Só foi perfurado, com sucesso, quando a tecnologia permitiu. Mas foi efeito da Lei 2004, promulgada em 1953.

 

Correio da Cidadania: Finalmente, a pergunta que nunca cala: imagina, assim, que possa haver uma nova reversão da Lei do Petróleo, de modo a estender os contratos de partilha para além das áreas do Pré-Sal?

 

Fernando Siqueira: Sim. Na medida em que o povo brasileiro se conscientizar de que esta é a maior chance que o Brasil já teve de deixar de ser o eterno país do futuro para ser o país do agora, acredito que um novo movimento nacional irá em busca dessa reversão. Inclusive das áreas do pré-sal já licitadas. Há condições legais para isto: 1) a Constituição diz que o direito coletivo deve prevalecer sobre o individual. E o petróleo é da União, portanto, dos brasileiros; 2) uma mudança de contrato pode ser efetivada quando mudam as condições contratuais. Quando as áreas do pré-sal foram licitadas, elas não contemplavam o pré-sal, porque ele não havia sido perfurado, portanto, não era comprovado. Contemplavam apenas o pós-sal. Como o pré-sal só foi descoberto e comprovado depois, ele não integrou as condições contratuais. E só foi descoberto porque os técnicos da Petrobrás acreditaram, mas nem os estrangeiros nem a ANP contaram com o pré-sal no processo de licitação.

 

Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania. Gabriel Brito é jornalista.

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