Governo Dilma: Perspectivas e colaboração de classes (2)

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Lucas de Mendonça Morais
17/03/2011

 

Comunicação

 

Em entrevista à TV Brasil, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo (PT), concordou que os meios de comunicação de massas (TV e Rádios) no Brasil precisam ser desmonopolizados. "Mas não vamos fazer isso por lei", advertiu. "Não dá para fazer uma lei que diga que vai desconcentrar, até porque não haveria mecanismos para isso". Ora, então o ministro quer confrontar a realidade? A Argentina aprovou a Ley de Medios que prevê uma maior democratização do espectro televisivo e de rádio que anuncia o fim da hegemonia dos oligopólios. Será que as palavras do ministro refletem conhecimento técnico ou simplesmente negligenciam a necessidade de um novo marco regulatório para os meios de comunicação de massa?

 

Só no setor de televisão, a Globo passou a controlar neste ano 342 empresas; o SBT, 195; a Bandeirantes, 166; e a Record, 142. Além disso, 61 congressistas eleitos em 2010 possuem concessões de rádio e TV. O cenário é de um monopólio/oligopólio absurdo e a resposta que o governo federal promete dar nos próximos quatro anos é a massificação da banda larga – que é necessária em um país onde as transnacionais das telecomunicações atuam somente em cidades de médio e grande porte, privilegiando o serviço a bairros comerciais, de classes médias e elites.

 

Entretanto, a massificação da internet não significa uma democratização efetiva dos meios de comunicação de massas – não nos esqueçamos que a rede mundial de computadores não possui espectros para transmissão para apenas algumas empresas, como na TV e no rádio, portanto não se trata de um "meio de comunicação de massas", apesar de ser instrumento de comunicação das massas. Os meios de comunicação que atingem mais diretamente as massas são a TV e o rádio, portanto, o problema deve ser combatido neste terreno, apesar de a luta se reforçar também com a massificação do acesso à internet e a diversidade de informações que o usuário pode se imbuir.

 

O governo, e principalmente o PT, por questão de sobrevivência política, deverá rever este posicionamento em relação às concessões das empresas de TV e rádio. Prova disto é a utilização perversa do histórico de resistência à ditadura militar da então candidata Dilma Rousseff, tentando tachá-la como terrorista. Que dizer então da Bolinha de Papel Gate promovida por Ali Kamel em pleno auge das eleições no Jornal Nacional da Rede Globo?

 

Podemos visualizar a dimensão do problema com a campanha dos oligopólios capitalistas da mídia, primeiro escalão do entreguismo neoliberal capitalista e do imperialismo global, em favor da extradição do "terrorista" Cesare Battisti. Interessa à mídia esta extradição porque uma vitória de um processo jurídico-político tão absurdo como este, baseado em delação premiada, sem provas e julgado à revelia, significará uma vitória do consenso autoritário da direita italiana e, no Brasil, um exemplo do que acontece com aqueles que resistem à ordem, mesmo que seja aquela ordem dos "anos de chumbo" italianos ou brasileiros.

 

Para a Rede Globo especificamente, ver Berlusconi desfilar com a cabeça de Battisti no parlamento da direita italiana seria o mesmo que desfilar com a cabeça de Lula no Jornal Nacional e Jornal da Globo, dado que a extradição só é possível com base em um golpe constitucional que pode ser promovido pelo Supremo Tribunal Federal, contrariando as ordens do ex-presidente num precedente perigoso. Para empresas golpistas como a Globo, a extradição significa um cala a boca no governo Dilma e na autoridade do ex-presidente Lula. Esta campanha adquire uma força brutal, apesar da mobilização pela extradição ser de apenas setores da direita, da mídia e até de uma certa centro-esquerda; nas ruas, somente na Itália houve demonstrações da extrema direita, fascistas e setores de uma esquerda ressentida. O que vale, para eles, é mostrar que o Brasil não é uma nação soberana.

 

Uma ampla coalizão da direita brasileira, como o PSDB e DEM, os oligopólios desafetos ao PT como a Rede Globo, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Veja (entre outros, conhecidos na blogosfera da esquerda como Partido da Imprensa Golpista, por serem politicamente uma espécie de primeira coluna do anti-petismo e anti-socialismo, de ideologias anti-trabalhadores e criminalizantes dos movimentos sociais), começou cedo os ataques. A Folha, por exemplo, conseguiu bater de largada um recorde de golpismo, com 35 manchetes negativas relativas ao governo Dilma em 7 dias, forçando a barra e tratando o leitor como idiota.

 

Ditadura militar, abertura de arquivos e Comissão da Verdade

 

Pauta sensível para o governo de Dilma, a questão dos direitos humanos deverá ocupar centralidade em algum momento de seu mandato. Mal começou o novo governo e Nelson Jobim vem a público trombetear que a Comissão da Verdade deveria investigar também a atuação dos que resistiram ao regime militar. Do mesmo lado, o general José Elito Siqueira, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, defendeu a estapafúrdia tese de que o país não deve envergonhar-se quando agentes do Estado seqüestram, torturam e executam opositores políticos, dando depois sumiço nos restos mortais para ocultarem as provas de seus crimes. A presidente precisou intervir com bronca, e o general pediu desculpas e alegou que a imprensa o interpretara mal.

 

O primeiro país que a presidente Dilma Rousseff visitou foi a Argentina, no dia 31 de janeiro. Ela se encontrou com representantes das Madres de la Plaza de Mayo, o que indica que irá realmente tocar a questão dos direitos humanos e da Comissão da Verdade, dado que o Brasil foi recentemente condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que apreciou o desaparecimento dos guerrilheiros que estavam no Araguaia e entendeu a lei de auto-anistia de 1979 como ilegítima.

 

Este julgamento da Corte é um suporte internacional favorável para que Dilma avance na questão da abertura dos arquivos da ditadura militar, da punição dos torturadores e do respeito aos direitos humanos. Entretanto, nesta caixa de marimbondo, como visto, haverá bastante veneno, como demonstrou Nelson Jobim e poderá mostrar seu partido, criando grandes problemas para Dilma, dado que a abertura dos arquivos compromete ainda a direita, os oligopólios e os militares, uma tríade nada fácil de combater politicamente.

 

Dilma e as perspectivas políticas

 

A idéia de que a economia está próspera e não sofre nenhuma influência da crise econômica do capitalismo mundial não consegue ser mais sustentada pelo governo. A crise internacional prevalece e já afundou os EUA, que têm hoje cerca de 15 milhões de desempregados. Além dos EUA, a Europa e o Japão também sofrem uma desaceleração que levará os governos a estourarem suas dívidas, como acontece com Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda e Itália. A França também se encontra muito endividada, e o gendarme da União Européia e locomotiva econômica, a Alemanha, implementa com toda a força os pacotes de austeridade, ou seja, o ataque às políticas sociais conquistadas pela classe trabalhadora. O Estado, tanto o brasileiro quanto os demais, tornam-se cada vez mais reféns do capital especulativo.

 

Para os trabalhadores, o quadro não é nada confortável. Ainda segundo o historiador Mário Maestri, o balanço central é a derrota econômica, social, política e ideológica dos trabalhadores, que emergem do período desorganizados e fragilizados na confiança em suas forças, programas, organizações e partidos. Derrota de grande dimensão, enquadrada por mais de vinte anos de refluxo do movimento social no mundo e no Brasil, após a vitória da maré liberal de fins dos anos 1980.

 

O movimento pela reforma agrária, com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra à frente, terá de enfrentar no Ministério da Agricultura o advogado e empresário Wagner Rossi, do PMDB, totalmente ligado às patronais. Mais um indicativo das dificuldades que os movimentos sociais enfrentarão, com o governo privilegiando o agronegócio, e não a agricultura familiar e as cooperativas.

 

A presidente Dilma Rousseff se negou a sentar-se com os dirigentes das principais centrais sindicais (CUT e Força) para negociar o aumento do salário mínimo e, para tal, convocou o Secretário Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, que foi um dos principais conselheiros de Lula durante o governo passado e, pelo visto, continuará sendo um dos conselheiros mais próximos de Dilma.

 

Na política externa, agora com Antonio Patriota (sem partido) à frente, o governo de Dilma deverá seguir firme a orientação anterior, de certa prioridade a países da África e China, mas agora provavelmente com intensificação de relações com os Estados Unidos e a Europa, dado que o Brasil tem sido um paraíso para a farra de capitais estrangeiros especulativos e de investimentos de curto e médio prazo.

 

A Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 serão eventos que proverão a garantia de que "tudo irá funcionar bem" para o capitalismo nos próximos anos. Prova disto é a política anticonstitucional que chegou a levar o Exército para forçar a saída de traficantes de morros e favelas estratégicas para assegurar o controle estatal do tráfego de turismo internacional em determinadas avenidas cariocas. De outra parte, a aspiração do Brasil a ingressar no Conselho de Segurança da ONU, da qual as alianças com mais de 50 países na África e a China são estratégicas, também cria um ambiente em que a diplomacia internacional irá pressionar o Brasil e o governo na questão dos direitos humanos, e aí deverá haver um avanço, ainda que tímido, nas questões da ditadura militar e da autoanistia de 1979.

 

A questão é que o capitalismo, por sua dinâmica global, faz com que o Brasil dependa, e muito, dos EUA e da Europa, que ainda são os gendarmes políticos e locomotivas econômicas de fundamental importância para o modelo neocolonial de exportação de commodities (mercadorias) brasileiras. Portanto, para o governo, a aproximação (e conseqüente subordinação na hierarquia global) aos EUA e à Europa não se trata de uma opção, mas, do ponto de vista capitalista, uma necessidade.

 

Resta saber se a presidente Dilma Rousseff e seu governo irão avançar em pautas tão urgentes como a efetiva democratização da comunicação, abertura dos arquivos, julgamento dos torturadores através de uma Comissão da Verdade e a realização da sempre adiada reforma agrária, ou se ajoelharão perante as exigências daqueles que investiram mais de R$150 milhões para financiar sua campanha eleitoral.

 

Leia também:

 

Governo Dilma: perspectivas e colaboração de classes (1)

 

Lucas Morais é jornalista, tradutor e editor brasileiro do Diário Liberdade.

Twitter: @luckaz

 

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