Marina Silva: a persistência da falsa alternativa

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Gilson Amaro e Valério Paiva
05/10/2010

 

"No nos pongamos a discutir si el alma es mortal o es inmortal, sino pensemos que el hambre y la pobreza son las que en realidad matan" (Camilo Torres).

 

Para que vieram Dilma e Serra, todos já sabem. Mas outros dois personagens de modos e conteúdos diferentes se destacaram nesta eleição presidencial, de um lado Plínio Sampaio (PSOL) e do outro Marina Silva (PV).

 

Plínio ganhou notoriedade nos debates, defendendo mudanças estruturais na sociedade, com um programa que visa à igualdade, desmascarando a falsa polarização entre as outras três candidaturas citadas. Já a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina, recentemente desfiliada do PT por falta de espaço para seus projetos pessoais e não por uma questão de princípios, ganhou destaque ao lançar uma cruzada em defesa do segundo turno, e por apostar num discurso amplo, generalista, que se arroga acima das diferenças: conciliador, antenado com o século XXI, acima dos embates, uma suposta nova política.

 

E é inegável que para os incautos, na maioria pessoas bem intencionadas, indignadas com a bandalheira na política atual, a intenção do Partido Verde e de Marina Silva pareça como alternativa de expressão da verdade, contra o mainstream político expressado pela disputa do bloco PT-PCdoB-PMDB-PSB X PSDB-DEM-PPS, e portador de um novo projeto pautado no meio-ambiente. Mas basta um pequeno olhar sobre a composição do PV no Brasil, uma rápida análise no discurso de Marina e uma curta pesquisa em sua atuação como senadora para vermos que o produto é bem diferente da propaganda.

 

Fundado por militantes oriundos da luta armada como Fernando Gabeira, Alfredo Sirkis, Carlos Minc, José Penna e Juca Ferreira, o PV teve uma origem progressista em meados da década de 1980 ao portar um programa de vanguarda na defesa da ecologia. Mas o PV passa longe de representar uma nova política. Com o passar do tempo, a defesa da ecologia foi jogada para escanteio, se degenerando num mero partido pragmático. Com a necessidade de suas lideranças de romper a então pequenez, passaram a se aliar com outros partidos que estavam no poder, não importando quais fossem.

 

O giro do PV se dá a partir do momento que novas figuras oriundas da direita começam a se filiar ao partido. O discurso de defesa da ecologia e do meio-ambiente, que já estava no escanteio, é substituído pelo da sustentabilidade. Idealizado por tucanos como Fábio Feldmann e influenciado por militantes de ocasião como Al Gore, parte da premissa de que o capitalismo irracional está sugando rapidamente os recursos no planeta, o que atrapalhará não apenas o bem-estar da humanidade, mas principalmente o próprio desenvolvimento do capital com a escassez de recursos não-renováveis. O PV troca a defesa do meio-ambiente pela sustentabilidade, ou seja, o melhor modo de os recursos não acabarem rapidamente e a garantia de que o capitalismo possa se desenvolver e lucrar por mais tempo com esses mesmos recursos.

 

Hoje, esse partido é o mais fiel escudeiro do fisiologismo e do coronelismo, um poderoso sustentáculo da velha política que produz e reproduz as desigualdades, as corrupções e aberrações que os bem intencionados apoiadores de Marina querem combater. O PV é um bom concorrente para o PMDB quando se trata da competição entre oportunismos. Com a diferença de que não aparenta ser uma colcha de retalhos de dezenas de oligarquias regionais, como faz o ex-MDB.

 

O PV, além apoiar o governo Lula, compondo (ainda hoje) o Ministério da Cultura, fez parte de vários governos conservadores. Alem do PT federal e dos estados em que é governo, o Partido Verde está junto com o PSDB em São Paulo e Minas Gerais, do grupo de César Maia no Rio de Janeiro e tem em sua direção o oligarca Sarney Filho (ex-ministro do Meio Ambiente do governo FHC). Como afirma Fernando Gabeira, o Partido Verde não é nem de esquerda, nem de direita. Só que esse discurso demagógico só serve para legitimar alianças esdrúxulas, que sustentam o que existe de pior nos setores dominantes da política brasileira.

 

Com a adequação ao discurso da sustentabilidade, que pode agregar valor a empresas que se auto-denominam portadoras de responsabilidade social, vários "empresários do bem" fazem parte do PV, como Guilherme Leal, presidente da empresa de cosméticos Natura e taticamente indicado como candidato a vice-presidente de Marina Silva. Já em 2002, Guilherme Leal foi um dos maiores financiadores da campanha ao senado de Marina Silva. Não por acaso, além do valor agregado que a associação com os verdes propicia, as empresas que usam o velho expediente de apoiar candidatos nas campanhas acabam cobrando a fatura depois, no tráfico de influência para fechar contratos e outros favores típicos da corrupção brasileira.

 

Já Marina Silva, em sua retórica na qual tudo pode ser conciliado, esquece-se de dizer que pesam sobre a empresa de seu "Leal" e bilionário vice-presidente acusações por diversos crimes. Exemplo disso é o processo movido em 2009 pelo Ministério Público Federal contra a Natura, acusada de biopirataria no Acre, o mesmo estado de Marina Silva. De acordo com o MPF, a Natura usurpou um fruto utilizado por índios da região, o murmuru, para produzir xampus e sabonetes, patenteando o fruto. A empresa utilizou um conhecimento milenar dos povos indígenas para ganhar dinheiro e ainda se arrogou proprietária do fruto. Quando questionada sobre este fato Marina limita-se a dizer que essa disputa é "natural".

 

Interessante ainda é observar à dita metodologia de trabalho do século XXI da Natura, que seguindo o exemplo da famigerada AVON, explora a força de trabalho das suas 800 mil "consultoras". São mulheres, na maioria das vezes pobres e negras, que por falta de opção se sub-empregam e passam a trabalhar em condições degradantes, não tendo acesso aos direitos sociais e trabalhistas assegurados por lei. Ou seja, as vendedoras da Natura são um perfeito exemplo da precarização do trabalho a partir da negação dos direitos básicos resguardados pela CLT, garantindo lucro fácil aos donos da empresa.

 

Um grande ícone da política já nos ensinou que "a palavra pode convencer, mas é o exemplo que arrasta". E é justamente aí que Marina Silva revela o que realmente representa. O excesso de apego da candidata ao seu passado na verdade busca legitimar uma personagem, mascarando sua falta de propostas reais de defesa do meio-ambiente e a inexistência de diferenças entre ela e a velha política da qual é representante, além de comover o eleitor. Serve também como cortina de fumaça para ocultar quem ela se tornou e quais interesses representa hoje, alinhada com a mesma classe social que vitimou Chico Mendes. Vale salientar que o líder das florestas não foi morto por uma pessoa, mas sim por um sistema social.

 

E hoje Marina Silva serve a este sistema, um triste cenário da cooptação política. Nos sete anos que Marina chefiou o Ministério do Meio Ambiente no governo Lula, liberou os transgênicos, a Usina de Belo Monte e aprovou o projeto que aluga áreas da floresta amazônica ao capital privado. Desmembrou e esvaziou órgãos federais como o IBAMA, para facilitar a concessão de licenças ambientais, gerando devastação em várias partes do Brasil.

 

A respeito das histórias pessoais, a filósofa política alemã, Hannah Arendt, brutalmente levada aos campos de concentração nazistas, costumava afirmar que "não se pode dizer o que uma pessoa é, mas somente o que ela foi", pois nossa biografia esta sempre em construção. Deste modo, é evidente que ela já não é mais quem foi um dia. Marina há tempos já se tornou o que é hoje, entrando no vale tudo político; banalizou o mal, mas também o bem, a dignidade pessoal, a honra, a moral e a ética, mercantilizou a identidade.

 

Portanto, este artigo não se trata de um ataque ou de um "rótulo", é um sinalizador: Marina não se situa na nova política, mas sim no lado mais perverso da velha politicagem, encarnou a falsa alternativa que sempre surge em momentos de disputa de poder, coladas com crise moral e ausência de projeto. Ela não vem para mudar, mas para dissimular e para tanto usa um discurso vago, vazio, neoliberalmente articulado para parecer novo, sendo na verdade a mais conservadora posição destas eleições.

 

Ademais, a morna e não posicionada Marina sempre enfatiza que é cristã, mas parece que não observa os princípios desta crença que no Livro das Revelações adverte (3-15/16): "Eu conheço tuas obras, que nem és frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Mas porquanto és morno, e não frio nem quente, te vomitarei de minha boca". E tampouco ela considera a advertência de Cristo em Mateus, 16/26, "de que não vale ganhar o mundo e perder a alma". O mais grave não é apenas se vender para tentar ganhar as eleições, o pior neste caso é levar consigo o imaginário de Chico Mendes que sempre se opôs a estas práticas degradantes e morreu combatendo o capitalismo. Pois o que aqueles que financiam Marina buscam é lucrar com a degradação do meio ambiente e sustentar o lucro ad eternum.

 

A irritação de Marina e do PV com Plínio se justifica, afinal, o candidato do PSOL é o signo da coerência com 60 anos de vida pública, é a figura que poderia mais se auto-afirmar pela biografia, mas não o faz e ao invés disso sempre afirma que o importante é futuro. As ditas terceiras vias ao longo da história política, ou seja, a persistência das falsas alternativas, sempre foram um caminho para ficar no mesmo lugar e aprofundar a desigualdade. Por isso o apelo marinista significa: mudar para continuar como está.

 

Gilson Amaro é Graduado em Filosofia, professor e militante socialista.

Valério Paiva é jornalista e militante socialista.

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Twitters: @gilson_amaro e @ivanvalerio

 

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