Para aposentado do Banespa, CPI pode revelar verdadeira face do Santander

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Gabriel Brito, da Redação
01/04/2010

 

Na esteira do assunto CPI Santander, que visaria investigar a privatização do Banespa em favor do banco espanhol em 2000, o Correio da Cidadania entrevistou o ex-funcionário do antigo banco público João Bosco Galvão de Castro. Assim como outros cerca de 17 mil trabalhadores, ele foi um dos espoliados pela escusa operação que o Santander realizou, conseguindo em Brasília autorização para usar como quisesse os 4 bilhões de reais destinados na época a honrar os compromissos com os aposentados.

 

Como se sabe, o banco aplicou a quantia no mercado financeiro, de modo que, com os rendimentos obtidos, exatamente no período de euforia especulativa pré-crise, não só cobriu como lucrou com a compra do Banespa. Ao mesmo tempo, implantou uma política interna agressiva com seus trabalhadores, enxugando quadros e aumentando brutalmente a pressão sobre os remanescentes. Completando, forçou arrochos salariais que foram estendidos automaticamente a seus aposentados.

 

Na entrevista, João Bosco diz acreditar na possibilidade de sucesso da CPI, pois as gestões para tal já ocorriam bem antes do ano eleitoral. Além disso, denuncia a ostensiva propaganda institucional do banco, como patrocinador de grandes eventos e campanhas enaltecedoras de sua atuação social. Por fim, o banespiano dispara contra todos os governos paulistas desde Quércia, que para ele sempre atuaram em favor dos interesses de tais grupos através de suas corrosivas políticas privatistas.

 

Correio da Cidadania: O que achou da notícia de uma possível CPI da compra do Banespa ser aberta? O senhor está otimista que os parlamentares, que já reconheceram em outras oportunidades os prejuízos dos aposentados, defendam os trabalhadores lesados e consigam colocar o banco contra as cordas?

 

João Bosco Galvão de Castro: Nós, os aposentados do Banespa, neste caso específico, estamos depositando nossa confiança no trabalho ora desenvolvido, visto a iniciativa por parte do deputado federal Nelson Marquezelli. Este parlamentar há vários anos vem tentando, juntamente com nossas entidades representativas, solucionar este problema que se arrasta desde a privatização do banco. Ele conseguiu o número necessário de apoio para requerer a instalação da CPI do Santander ainda quando não estávamos em clima de campanha, o que nos dá a entender que aqueles que apóiam sua proposta não estavam apenas agindo de forma oportunista e eleitoreira.

 

Vale lembrar que os títulos públicos garantidores de nossa aposentadoria e liberados para o banco são derivados de recursos públicos e se destinaram a uma empresa privada estrangeira. Dessa forma, a investigação deveria interessar a todo cidadão brasileiro.

 

CC: Acredita que a CPI teria outra utilidade além de recuperar todos os valores até hoje negados aos aposentados?

 

JBGC: A criação da CPI servirá também, no meu entender, como um instrumento de contra-propaganda, contrapondo-se à massificação de sua propaganda institucional, patrocinando grandes eventos esportivos e outros. A citação de seu nome nos órgãos de informação, mostrando a verdade, poderá desgastar ainda mais a imagem do banco, que é uma das empresas líderes em números de processos trabalhistas a que responde.

 

O Estatuto do Idoso existe na teoria, porém não tem sido utilizado, principalmente para agilizar ações judiciais que nos auxiliem. Na condição em que nos encontramos, toda tentativa é válida, razão pela qual procuramos fazer este trabalho independente, procurando divulgar nosso drama para a sociedade inteira.

 

CC: Como os aposentados lesados e suas entidades de representação têm tratado do assunto, no sentido conjunto, nos últimos tempos? 

 

JBGC: Temos várias entidades que nos representam e cada qual atua de sua forma. O universo de representados chega a 14.000 aposentados e pensionistas (viúvas), ansiosos por assistirem, ainda em vida, o restabelecimento da justiça, trazendo-nos de volta o respeito e a dignidade maculados por tantos anos de sofrimento e privações.

 

Alguns colegas abnegados, não submetidos a compromissos que não sejam unicamente a luta em prol de nossa causa, procuramos realizar este trabalho paralelo, de "formiguinha", buscando espaços alternativos que estejam dispostos a acolher nossos apelos.

 

CC: Na matéria do ano passado, o senhor nos disse que já haviam morrido 2000 ex-funcionários do Banespa sem receber o que tinham direito. O senhor tem recebido informações sobre se outros aposentados têm passado por situações de dificuldade mais extrema?

 

JBGC: Hoje os mortos, segundo dados informais, alcançam 2.700 banespianos. Os 14.000 aposentados e viúvas, de uma forma ou de outra estão passando por necessidades financeiras, pois tiveram seus proventos congelados nos anos de 2001 e 2004, em maior ou menor intensidade, além de humilhações e constrangimentos. Conheço colegas que tiveram de se desfazer até da casa própria para dar conta de compromissos financeiros. 

 

Existem outros que deixaram de pagar o plano de saúde, para si e seus dependentes, que possuímos por absoluta falta de recursos, estando hoje desamparados quando mais precisam de atendimento médico. O fato de estarmos com uma defasagem de quase 80% em nossa complementação da aposentadoria, de responsabilidade do Banco Santander, fez com que nossa qualidade de vida, além do fator idade, venha se degradando dia a dia. 

 

Antes da privatização os aposentados do Banespa e suas viúvas tinham recursos que lhes proporcionavam uma velhice digna e honrosa. Hoje, muitos têm dificuldade até para comprar remédios e estão totalmente impossibilitados de freqüentar modestos restaurantes ou realizar pequenas viagens. Fizemos concurso público para sermos funcionários do Banespa porque sabíamos que teríamos, na velhice, proventos que permitiriam manter o mesmo padrão de vida. Depois da privatização o sonho acabou.

 

O Santander praticou um terrorismo interno no Banespa ao assumir o seu controle, com ameaças de demissões injustas do pessoal que ainda estava na ativa. Estes, temerosos em perder o emprego, celebraram Acordo em 2001 que lhes assegurava o emprego por apenas um ano (2001) e congelava os salários por três anos. Isso foi repetido no Acordo de 2004/2005. Os aposentados, que têm os reajustes dos proventos da aposentadoria com base no salário da ativa, sofreram por extensão o absurdo congelamento.

 

CC: Diante de todo o quadro relatado pelo senhor e as explicações sobre negociações desta década, que considerações teria a fazer a respeito da atuação do sindicato na questão?

 

JBGC: A maioria dos que mais sofreram tem mais de 60 anos. Nos acordos firmados entre banco e sindicato, em troca de uma suposta demissão por parte do banco, os aposentados é que pagaram a conta. O banco apenas deixou de demitir em massa para demitir no ‘varejo’, de forma imperceptível para a imprensa e opinião pública.

 

Eles negociaram vários benefícios aos funcionários da ativa, como PLR e abonos, não extensivos aos aposentados, razão de nossa defasagem salarial. O banco conseguiu dividir nossa categoria entre ativos e aposentados.

 

Depois, em outra negociação, incluiu uma nova proposta, também aceita pelo sindicato, oferecendo aos aposentados três opções, uma pior que a outra:

 

- Uma delas que chamamos de "PDV do aposentado", quando seria possível sacar a "reserva matemática", ou seja, a provisão que tínhamos até nossa morte e "desaposentar do banco";

 

- A outra era receber uma indenização, que chegava no máximo a R$15.000,00, para que abríssemos mão dos direitos que "tínhamos ou viéssemos a ter".

 

Os mais desesperados, que estavam com doenças graves, endividados, pressionados, aceitaram uma das propostas acima, para a felicidade do banco.

 

Foi oferecida uma última opção de ficar como estava, não optante a nada, situação em que eu e uma grande parte dos aposentados se encontra.

 

Estou colocando esta informação para que se saiba que o bom para os mais novos é bom para os idosos e idosas. São problemas diferentes, e o banco sabe trabalhar em prol deste divisionismo, que só a ele interessa. Quando aportou aqui no Brasil, para nossa infelicidade, já trazia uma experiência anterior em outros países, onde adotou a mesma prática.

 

É uma instituição que incentiva uma luta de irmãos, de idosos com os mais jovens, luta esta que ele assiste de camarote. Hoje os banespianos na ativa são raros, a maioria é do Santander, do Meridional, do Real, todos sobre a mesma bandeira do Santander.

 

CC: O que pensa das atitudes dos distintos governos nesses anos todos no tratamento do caso?

 

JBGC: O problema do banco, que o levou à privatização, teve origem no governo irresponsável do Sr. Quércia, que usou e abusou do banco para fazer atendimentos políticos, tendo, segundo dizem, ao final da campanha para eleger o Sr. Fleury, usado a frase "quebrei o Banespa, mas elegi meu candidato".

 

Os governos se seguem, os políticos se alternam no poder, mas nada muda a nosso favor. Nosso drama teve seqüência nos governos Covas e FHC, que nos usaram em sua política privatista. O Sr. Covas usou os funcionários do Banespa em prol de sua campanha ao governo do estado de São Paulo, tendo remetido a cada um de nós uma carta, às vésperas da eleição, jurando defender o Banespa caso eleito.

 

Antes mesmo de sua posse descumpriu o prometido, tendo entregado o comando do Banespa para os interventores da União. Possuo este precioso documento em meu arquivo pessoal. Tínhamos alguma esperança com a mudança do poder nas mãos do PT, no início, mas o tempo nos mostrou que estávamos enganados. Os funcionários do Banespa tinham status de funcionário público, mas, com a privatização fomos abruptamente lançados nas mãos do capital privado, que busca somente o lucro, mesmo que para isso tenha de espoliar o ser humano – inclusive idosos e viúvas.

 

O atual governo, assim como o anterior, mostra que não pretende adotar nenhuma medida em nosso favor, visto que o banco é um de seus maiores financiadores de campanha.

 

Leia mais:

 

CPI do Santander tem de focar roubo das aposentadorias e super-exploração

 

Entrevista com a bancária do Santander Vera Marchioni.

 

Gabriel Brito é jornalista.

 

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