A tragédia de 58 se repete hoje, como farsa

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Raymundo Araujo Filho
26/12/2009

 

Refiro-me no título do artigo ao Documento de Março de 58, expedido pelo PCB da época e que assume a colaboração de classes já praticada desde os fins dos anos 40 e consolidada principalmente nos anos 70, 80, 90 e início do século 21. "Quase acabou com o PCB", nas palavras de seu atual secretário geral Ivan Pinheiro, a meu ver o principal artífice da atual inflexão à esquerda do PCB, em claro rompimento com aquele Documento, que considero uma tragédia para a Revolução Brasileira.

 

Pessoalmente, espero que o PCB acentue esta sua inflexão, alguns tons mais acima da recomendação de voto no segundo turno para a reeleição do Lulla e aos atuais (poucos) elogios ao governo, notadamente na questão internacional - que penso não poder ser separada de todo o resto francamente entreguista, inflexão para manter alguns na defensiva. Não eu, decerto!

 

O resultado imediato deste Documento de 58 foi a criação do PC do B (1962), em inflexão revolucionária anti-colaboracionista, inclusive com a interiorização de quadros e preparo da guerrilha. A década de 60 no Brasil foi marcada pela criação de movimentos revolucionários de vários matizes, e todos eles anti-colaboração de classe e a favor do confronto com a burguesia e a ditadura militar, ao contrário do que preconizava a cautela do PCB. E aqui não estou fazendo nenhum juízo de valor, apenas descrevendo o cenário.

 

Nas décadas de 70, 80, 90 e início do século 21, o PCB aprofunda esta política colaboracionista, apoiando eméritos direitistas e conservadores, muitos deles caroneiros de última hora no desembarque da ditadura, afinal desgastada e finalmente atingida pelo espraiamento das teses democráticas que resistiram bravamente aos tempos obscuros que tivemos.

 

Como contraponto à colaboração de classes, vimos e participamos do surgimento do PT em suas primeiras inflexões de partido amplo e de massas, mas com inflexão anti-capitalista, inclusive ao anti-capitalismo de Estado soviético, e baseado na participação popular inovadora, a partir de seus Núcleos de Base.

 

Foi nesta trincheira que combatemos os Moreiras Francos da vida no RJ, e tantos outros pelo Brasil assessorados pelos Luas Pretas do PCB, já irmanados (ao menos na colaboração de classes, mas não como parceiros diretos) ao PC do B, que fletia descaradamente para a adesão ao projeto "desenvolvimentista, popular e democrático" da burguesia, através do "Tudo pelo Social" de Sarney. Assim, traiu a ideologia que impôs muitos mortos corajosos, assassinados pela burguesia, da qual os sobreviventes passaram a beijar as mãos e ganhar empregos, acentuadamente da década de 80 para cá.

 

Aí, o PT conhece o poder parlamentar, municipal e estadual. Cristaliza e burocratiza suas instâncias decisórias, concentrando-as em pequeno grupo egresso dos sindicatos e de alguns esquerdistas (atuais ex-esquerdistas) que sobreviveram à ditadura e poderiam consolidar um pensamento e ação revolucionária no PT. Incluo aí setores esclarecidos da(s) Igreja(s) de variadas profissões de fé, notadamente a católica e a protestante secular, além de marxistas, leninistas e trotskistas.

 

Foi alvissareiro o início petista, arrebatador até. Mas veio a burocratização e deslocamento do eixo "de massas" para o eixo dos "comedores de massas", que são os novos dirigentes sindicais pragmáticos, ávidos para obterem lucros para a sua elite dirigente, mesmo como sócios menores do capital.

 

Além de parlamentares que ensejavam (e ensejam) principalmente a manutenção de seus mandatos, a fim de movimentar a máquina eleitoreira, que os permita negociar ganhos reais para as suas bases eleitorais corporativas (ou viverem desta promessa, como conhecido petista gaúcho que se diz defensor dos aposentados, não ganha uma, mas não larga o PT e ainda arrebanha muitos votos para a legenda. E é uma simpatia pessoalmente...).

 

Ao assumir a presidência da República, o PT, através de seu líder máximo, único e carismático Lula (ainda não Lulla), mostra que de lindo Narciso virou um Retrato de Dorian Gray. Com todos os seus ex-líderes sindicais combativos, com raríssimas e honrosas exceções, devidamente aburguesados e possuidores de empregos onde ganham na casa das dezenas de milhares de reais por mês. Fora as maracutaias como, por exemplo, Sistema S, Fundos de Pensões, Cooperativas de Crédito aos Trabalhadores Rurais, ONGs e que tais, tudo financiado pelo FAT (Fundo de Amparo aos Trabalhadores). Além de jovens que se acostumaram à vida de ASPONES.

 

O cenário da primeira eleição de Lula era o de um amplo e manifesto movimento popular, social e sindical, a exigir e mostrar estarem preparados para protagonizar as tais profundas reformas não só do modelo econômico, mas das práticas mesquinhas e anti-éticas (para não dizer pior) da política, exercida pelas oligarquias que se revezaram no poder desde tempos imemoriais. Até a necessidade de Reforma Agrária e aceitação do MST como força política legítima estavam na pauta e consensuadas por amplos setores da sociedade brasileira.

 

No entanto, o golpe já tinha sido dado, nas penumbras das articulações políticas, inclusive internacionais, e foi anunciado 60 dias antes de sua eleição, na tal Carta aos Brasileiros (na verdade Carta aos Estrangeiros), onde capitulava aos ditames internacionais do capital. Assim, Lulla inicia sua caminhada de traição ao povo brasileiro e às reformas que representava no imaginário popular, substituindo-as por migalhas, enquanto entrega o resto do país.

 

Já em 1992 participa do Diálogo Interamericano, onde consolida sua amizade estratégica (para o capital) com Stanley Gaceck, braço trabalhista da AFL-CIO, o maldito sindicalismo dos EUA, que Lulla representou nesta malfadada reunião.

 

Coincide esta etapa com a tomada do poder petista, dentro do partido, pelos que hoje protagonizam este espetáculo deprimente que é um governo que joga migalhas para a platéia, com grande estardalhaço, enquanto no silêncio da conivência sórdida entrega as riquezas do país.

 

Tampouco inicia reforma alguma; aliás, paralisa a mais importante delas, a agrária, além de subservientemente inserir o Brasil de forma definitiva e subalterna no capitalismo mundial. E como exportador de matérias primas (commodities), aprofundando todos os ditames privatizantes de seu antecessor FHC, com algumas bravatas periféricas para manter as aparências, mas fazendo do Brasil um país "off shore". Ou um Prostíbulo do Capital se preferirem, como eu prefiro.

 

Estabelece-se que qualquer crítica "é coisa de direitistas", faz-se uma verdadeira caça às bruxas esquerdistas, consolidando na prática aquele maldito Documento de Março de 58, de forma muito mais aguda, perniciosa e temporalmente perversa, pois a tragédia virou farsa com a postergação "ad eternum" da máxima ‘Um Outro Mundo é Possível’.

 

Raymundo Araujo Filho é médico veterinário homeopata e feroz opositor, à esquerda, do Lullo Petismo, tão igual quanto pernicioso aos neoliberais clássicos do Brasil.

 

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