O campo no Brasil atual

0
0
0
s2sdefault
Antonio Julio de Menezes Neto
22/09/2009

 

Marx partia do princípio de que, para compreendermos as sociedades, seria necessário entendermos como esta sociedade produz e reproduz os seus meios de existência. Ou seja, seria necessário compreendermos o trabalho humano como um princípio fundante de situações sociais diversas. Partindo deste princípio, a esquerda brasileira, até os anos 80, analisa o mundo do campo e o da cidade através da categoria trabalho e, deste modo, quem trabalhava em atividades agrícolas era um sujeito do campo.

 

O trabalho rural era dividido em diversas categorias, como o de pequeno produtor, o assalariado, o posseiro, o sem terra, o bóia-fria etc. Claro que, existindo sujeitos que produziam no campo, existiriam outras categorias, como professores, pequenos comerciantes etc. A luta pela reforma agrária englobava a luta de todos estes trabalhadores visando à construção de uma sociedade que num primeiro momento integrasse os trabalhadores ao processo produtivo para, num segundo momento, criar as bases para a ultrapassagem do capitalismo. Pensando nos direitos materiais e culturais, todos teriam o mesmo direito que a modernidade, através do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, havia conquistado.

 

A partir dos anos 1990, decorrentes da crise do socialismo, do fim da URSS e da supremacia do pensamento neoliberal, a esquerda brasileira, como de resto a esquerda mundial, desconcerta-se. E, em conseqüência, boa parte desta esquerda irá abrigar-se em análises puramente culturalistas e pós-modernas, desvinculadas dos problemas sociais e econômicos.

 

As análises acerca da problemática rural tomam o mesmo rumo acima descrito. Passa-se a debater o que seria o campo e sua relação com as cidades numa análise puramente cultural.

 

Com isto, os projetos de reforma agrária vão perdendo espaço para debates acerca da influência dos meios de comunicação, do jovem, do velho, da mulher, desvinculados da realidade sócio-econômica. Debate-se o que seria campo ou cidade em termos puramente subjetivos e, assim, começa-se uma discussão estéril se as pequenas cidades seriam parte urbana ou rural do país ou se o campo é relação com a natureza pura e a cidade a natureza transformada. Nesta discussão, o trabalho como instância definidora perde espaço.

 

Porém, esta discussão subjetiva e culturalista começa a mostrar as suas fragilidades, pois não é possível discutir estas questões sem colocar a questão da produção e reprodução da vida em primeiro plano. Desta forma, vejo que devemos retomar conceitos básicos para que, compreendendo as relações sociais de produção hoje, possamos compreender o papel do campo na sociedade brasileira atual.

 

Defendo que o capitalismo brasileiro não mais merece o crédito das reformas. Assim, o trabalho e vida no campo e na cidade devem estar inseridos em um novo Projeto de País em que ambos tenham sua importância como produtores de bens necessários e bens que nos levem ao caminho da liberdade. Devemos superar a produção visando apenas o mercado, criarmos condições reais de produção e trabalho, proporcionando assim as condições de vida, escolarização, saúde, lazer e maior integração com as cidades para os moradores do campo.

 

Devemos atualizar o projeto para o campo, pensando na questão ambiental e na produção para valores necessários à vida humana. Podemos dar ênfase ao cooperativismo, às alternativas regionais de produção e comércio, como a convivência com o semi-árido, à produção coletiva e democraticamente dirigida pelos trabalhadores nas maiores propriedades.

 

Se a população do campo decresce, precisamos compreender este processo dentro de relações capitalistas da sociedade brasileira, e não ficarmos especulando em análises puramente culturalistas. Só assim será possível compreendermos o campo, suas contradições, suas possibilidades, ou não, de ter um papel fundamental no desenvolvimento da sociedade brasileira.

 

Antonio Julio de Menezes Neto é professor na faculdade de Educação da UFMG.

 

{moscomment}

0
0
0
s2sdefault