A urgência da unidade na esquerda socialista

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Fernando Silva e Júnia Gouvêa
28/07/2009

 

Há em curso, em amplos setores das representações políticas e sindicais combativas da classe trabalhadora e dos movimentos sociais, um debate a respeito da unidade da esquerda socialista para enfrentar o cenário político em tempos de crise e também com vistas às eleições de 2010.

 

Do nosso ponto de vista, a questão da unidade tem que começar desde já e ser pautada fundamentalmente no movimento de massas e nas lutas sociais, apresentando alternativas imediatas desde a perspectiva dos trabalhadores para enfrentar a crise, em relação intrínseca com a luta pela superação do capital. Nestes tempos de recessão, de ataques aos direitos da classe trabalhadora e de fragmentação da esquerda socialista - entre setores, movimentos e correntes -, é imperioso apresentar de forma unitária um projeto, capaz de construir uma resistência unitária que responda às necessidades imediatas da classe e que tenha claramente um perfil anti-sistêmico, de ruptura com o capitalismo.

 

Tal é a ofensiva atual do grande capital e dos seus governos - tanto governos tucanos estaduais como o governo federal - sobre direitos da classe trabalhadora, que não sem alguma perplexidade constata-se um avanço na criminalização dos movimentos sociais e suas ações sob a vigência da "era Lula".

 

Apenas para ficar no terreno do movimento sindical, recentemente pudemos verificar tal unidade de "procedimentos" intimidatórios entre governos tucanos e petistas. Na greve dos trabalhadores da USP, coube ao governo Serra a primazia de tentar impedir o direito de greve com a ocupação e repressão militar do campus da USP. Na greve dos trabalhadores do INSS, coube ao governo Lula tentar impedir o direito de greve através de: liminar que proibia a greve quase uma semana antes de a mesma ser iniciada, imposição de multas pesadas aos sindicatos da categoria, corte de ponto dos servidores, interditos proibitórios e o uso da força da Polícia Federal. Procedimentos todos similares aos adotados pelo governo FHC durante a greve dos petroleiros de 1995.

 

É nesse difícil e complexo cenário que está posta a responsabilidade para a esquerda socialista e combativa (que não se deixou cooptar pelo governo Lula-Sarney e companhia bela), de construir a unidade para apresentar uma alternativa de uma verdadeira, renovada e reorganizada esquerda, em primeiro lugar no terreno da luta de classes.

 

Esta será a melhor forma para a esquerda socialista construir condições de se apresentar nas eleições de 2010.

 

A próxima eleição será a do balanço da "era Lula" e das conseqüências que seus dois mandatos trouxeram para a esquerda brasileira, balanço este que obrigatoriamente teremos que fazer.

 

Será o momento de tentar romper a falsa polarização entre o bloco PSDB/DEM e a candidatura do bloco de sustentação do governo Lula, atualmente de Dilma Roussef, que está levando o próprio Lula a assumir o papel de condutor da "tropa de choque" para bancar a permanência de Sarney, ou seja, o esvaziamento de mais um dos inaceitáveis escândalos de corrupção, agora envolvendo o Senado, em troca do apoio do PMDB nas eleições de 2010. Aliás, outra similaridade de procedimentos da era "Lula" com os governos da "era FHC"

 

Caberá à oposição de esquerda estabelecer a verdadeira polarização de projetos e programas para o Brasil também no terreno eleitoral.

 

Os problemas onde estão

 

Mas a questão é que, mesmo no âmbito da esquerda combativa, que luta duramente e sofre para manter bandeiras e posições no movimento, o debate sobre as condições para a construção da unidade e de uma frente socialista vem obedecendo em grande parte à matemática eleitoral. Por isso, raramente se propõe que a constituição de uma frente de esquerda comece pela ação unitária no movimento, onde prevalece árida fragmentação.

 

Como consequência de se pensar em uma frente apenas no terreno eleitoral, acaba prevalecendo uma quase total subordinação do debate de programa ao debate de nomes e candidatos que devem encabeçá-lo.

 

O debate de candidaturas não pode estar descolado da definição de qual é o projeto de poder, programa e estratégia que poderão unir uma frente política e social de esquerda e, nesse patamar, quais os nomes mais credenciados e adequados para representar na disputa eleitoral tal projeto.

 

Mas, freqüentemente, nos deparamos com esse "vício" do passado, mesmo em grande parte dos setores da esquerda socialista, que saem lançando publicamente nomes e disputas de quem é o candidato a presidente ou quem é o vice.

 

Alguns exemplos práticos desta realidade dramática foram o recente programa de TV e o documento público lançados pelo PSTU. Os dois materiais dão muito pouco peso ao debate da construção de uma alternativa dos trabalhadores para a crise, embora coloquem a correta idéia de lutarmos pela unidade na esquerda para as eleições de 2010, contribuindo dessa forma para um esforço, que deve ser comum a todos, de evitar uma fragmentação deste campo em mais de uma candidatura.

 

Mas além da limitação de restringir o chamado apenas ao terreno das eleições, aqui já criticado, o lançamento público, feito pelo PSTU, de uma proposta que já tem os nomes de candidatos para encabeçar tal constituição frentista, incorre no mesmo erro que temos criticado sobre o passado recente da história do "ciclo petista", mas que também tem sido cometido por outros setores da esquerda, ao se pautarem basicamente pela lógica das "personalidades".

 

Erro que atinge também os setores mais sensíveis ao eleitoralismo no interior do PSOL que, por conta disso, por exemplo, chegam ao extremo de não ir além de um discurso cujo centro se resume à questão da ética, da denúncia exclusiva da corrupção, com um viés demasiadamente moralista.

 

Não custa lembrar que nas eleições de 2006, embora tenha sido muito positiva a constituição de uma frente eleitoral de esquerda entre PSOL, PCB e PSTU, o seu grande problema foi exatamente esse: não foi além de uma frente eleitoral. Após as eleições, não houve qualquer continuidade desta frente no movimento de massas. Mesmo a formação do seu programa em 2006 limitou-se a um acordo entre os partidos da Frente, com pouco diálogo com as representações populares, sindicais e dos movimentos sociais que eram simpáticos à idéia da Frente de Esquerda. Com o agravante de que mesmo no decorrer da campanha o programa original aprovado em comum pelos partidos da Frente não foi respeitado na campanha presidencial.

 

Não fazemos coro com os setores que negam a participação da esquerda na disputa eleitoral como uma tarefa dos socialistas. E também não somos alheios à importância de bons resultados eleitorais para a esquerda socialista, como parte de uma necessária acumulação de disputa para a classe trabalhadora e a sua consciência para um projeto de ruptura com o capital. A eleição de parlamentares socialistas é muito importante para solidificar as "cabeças de ponte" das lutas dos trabalhadores.

 

Mas desde que seja exatamente isso: resultados eleitorais e nomes que expressem e representem um projeto anticapitalista, pois muitos votos para projetos e programas que não ultrapassam o horizonte das "melhorias" ou ilusões reformistas sob o capitalismo cumprem um papel tremendamente desorganizador da consciência e da luta da classe trabalhadora contra o capital.

 

Propostas de bases constitutivas

 

Defendemos, portanto, uma frente da esquerda socialista capaz de unir PSOL, PSTU, PCB e aglutinar e ampliar-se com os movimentos sociais combativos, em oposição de esquerda ao governo Lula e aos governos tucanos e da direita tradicional. Ou seja, em confronto com as duas candidaturas do bloco dominante de poder no país.

 

Mas a construção deste programa deve ser articulada entre os partidos da Frente e com as representações combativas da classe trabalhadora, dos movimentos sociais, da intelectualidade crítica, todos que estejam dispostos a construir um outro projeto político de poder, com vistas a armar a classe trabalhadora para enfrentar a crise efetivamente, numa perspectiva extra-parlamentar, com vistas a superar o capitalismo.

 

Por isso, esta frente tem que ter como base constitutiva um programa anti-capitalista para enfrentar as mazelas da crise do capital e a visão estratégica de que nosso projeto de poder é para além da disputa institucional.

 

A constituição da frente deve ser para além do terreno eleitoral, começar desde já a construir as condições para que a unidade se dê no terreno da ação, que seja capaz de superar a fragmentação e isolamento das lutas sociais em curso.

 

Tal frente precisará constituir-se com parâmetros muitos claros de independência política e financeira do jogo institucional e dos financiamentos privados de campanha do grande capital, enfrentando e denunciando as mazelas sistêmicas do regime e de suas instituições, e não apenas de alguns de seus representantes.

 

Portanto, debater nomes e candidaturas deve ser expressão de um projeto de poder, de programa e de estratégia para uma Frente de Esquerda Socialista em diálogo com os movimentos sociais, combativos e autênticos da classe trabalhadora.

 

Fernando Silva é jornalista, membro do Diretório Nacional do PSOL e do Conselho Editorial da revista Debate Socialista.

 

Júnia Gouvêa é previdenciária, membro do Diretório Nacional do PSOL e do Conselho Editorial da revista Debate Socialista.

 

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