Uma resposta feminista à vinda do papa ao Brasil
- Detalhes
- Secretaria Estadual Mulheres do PSOL/SP
- 21/05/2007
Foi notável a mobilização social patrocinada pela grande mídia e pelo Estado na ocasião da visita do papa ao Brasil. Este fato político pautou a mídia durante semanas e reacendeu debates polêmicos em nossa sociedade, particularmente a questão do aborto.
Como resposta a esta e outras recentes ofensivas ideológicas contra a autonomia da mulher, mais uma vez as feministas brasileiras e outros setores sociais articulam-se para defender uma de suas bandeiras históricas: a legalização do aborto.
Mas não são apenas as mulheres as atingidas pelo conservadorismo encarnado por Bento XVI.
O controle da sexualidade feminina
Ser esposa e mãe é considerado o “destino natural” da mulher. Para isso, há uma série de mecanismos de controle da sexualidade feminina. A conduta sexual moralmente aceitável para as mulheres é bem diferente da aceitável para os homens. A justificativa ideológica – muitas vezes respaldada pela ciência - é de que as mulheres seriam naturalmente monogâmicas, sentiriam menos necessidade ou desejo sexual. Este controle da sexualidade coloca as mulheres em situação de vulnerabilidade nas relações afetivo-sexuais, sujeitas à violência, constrangimento e negação de sua autonomia para decidir sobre sua vida sexual e reprodutiva.
Bento XVI, em sua visita ao Brasil, expressou as posições dominantes da Igreja Católica sobre temas relacionados à sexualidade e propôs ao governo brasileiro que adotasse suas proposições. O princípio é a tolerância ao sexo apenas para fins de reprodução, sendo o sexo por prazer condenado como algo sujo, imoral. Algumas das decorrências deste princípio são os posicionamentos contra a homossexualidade, promovendo a discriminação por orientação sexual; contra o uso de métodos contraceptivos, contribuindo para aumentar o número de gravidezes indesejadas; contra a camisinha (em uma conjuntura de pandemia da AIDS); contra o aborto.
Em defesa do aborto legal e seguro, garantido pelo Estado
Alguns dados ajudam a dar a dimensão da problemática do aborto: estima-se que no Brasil 1,2 milhão de abortos são provocados por ano, sendo que grande parte deles termina em danos graves à saúde, sem ou com seqüelas, como infertilidade (25% dos casos) e até mesmo morte (em 9% dos casos). Hoje o aborto é a quinta causa de internações hospitalares (250mil/ano).
A legislação brasileira só permite o aborto em caso de risco de vida para a gestante ou estupro. A inexistência de atendimento às mulheres pela rede pública em caso de aborto incentiva a existência de redes de clínicas clandestinas, com preços variáveis conforme a qualidade do procedimento. Um lucrativo mercado ilegal. Assim, as mulheres trabalhadoras e pobres são penalizadas ao terem que se submeter a condições precárias para abortar, enquanto as mulheres ricas pagam para realizar o aborto em condições seguras.
Por isso, a defesa da descriminalização e legalização do aborto com sua realização na rede pública de saúde. Neste sentido, a luta é também em defesa da saúde pública e por mais verbas para o SUS. Além disso, a política de legalização do aborto deve ser acompanhada pelo acesso à educação sexual, aos métodos contraceptivos e ao direito à maternidade com assistência plena.
Mas o debate não se resume a um problema de saúde pública. Se a maternidade é um direito e não um dever (“destino natural”), obrigar uma mulher a levar adiante uma gravidez indesejada constitui um ato de violência. A maternidade tem um enorme impacto na vida de uma mulher e defendemos sua total autonomia para decidir sobre sua própria vida.
A defesa da vida é o socialismo
A maioria das organizações que são contrárias à legalização do aborto fala em “defesa da vida”. Em primeiro lugar, defende a vida do embrião, esquecendo-se que há pelo menos mais uma vida envolvida na gravidez – a da mulher. Em segundo lugar, defende a vida abstratamente, como se garantir o nascimento de uma criança significasse garantir sua vida! A defesa coerente e conseqüente da vida inclui desde uma assistência adequada no pré-natal, parto e pós-parto até o direito à licença-maternidade, creche em período integral, educação pública de qualidade em todos os níveis, direito ao trabalho, ao lazer, à moradia – enfim, tudo aquilo que a sociedade capitalista e machista não garante!
Hoje as mulheres sofrem uma série de ameaças à sua vida e de seus filhos, com os projetos que pretendem retirar seus direitos conquistados, como a licença maternidade e a aposentadoria, para citar apenas um importante exemplo. Nossa luta pela defesa da vida passa pela resistência a todas as reformas neoliberais que retiram direitos da classe trabalhadora e atingem diretamente as mulheres.
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