Segundo turno reafirma continuísmo conservador

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Gabriel Brito
31/10/2008

 

Fotos são cruéis. Registram para a eternidade momentos que nossas mentes não têm capacidade de armazenar em sua totalidade. Não são poucos os cliques a agarrar pessoas em posições e situações desconfortáveis ou embaraçosas. Muitas vezes são indesejadas, inesperadas, e na verdade gostaríamos de deixá-las secretamente enterradas. Dia 27 de outubro de 2008 talvez tenha sido pródigo em confirmar tal tese.

 

Manhã seguinte ao nosso exercício bienal de cidadania, naturalmente todos os jornais traziam em sua capa fotos dos vencedores e aliados em poses eufóricas, de modo a deixar claro o que ocorrera na véspera. Num momento em que se discute a cada vez mais gritante despolitização do processo eleitoral, a foto de um Kassab exultante ao lado de um Serra de olhar perdido e desligado, ambos cercados de crianças que faziam o famoso ‘V’ a pedido dos mais velhos, pode acabar adquirindo valor emblemático, ilustrando à perfeição a fase pela qual passamos.

 

Os resultados da última eleição confirmaram o momento de supremacia de um senso comum conservador em nossa política. "Olhando a partir ‘do alto’, o que se enxerga é a consolidação de um modelo de dominação, que se fundamenta na utilização de todos os aparelhos disponíveis na sociedade civil para a construção de um consenso passivo em torno das propostas das classes dominantes", já havia afirmado a este Correio o professor de história Marcelo Badaró.

 

De encontro a este diagnóstico, vão as palavras do chefe do diretório paulista do PSOL, Márcio Souza, para quem os partidos dominantes ainda capitalizam os efeitos da ascensão econômica. "A população fez a opção pelo continuísmo porque o crescimento econômico é capitaneado pelo governo Lula, mas também pelos outros governos, o que facilitou muitas reeleições no Brasil", analisa.

 

Ademais, com o aumento ininterrupto do descrédito da atual política, as pessoas teriam passado a criar mais desconfiança com relação à efetividade de mudanças drásticas no comando de suas cidades. "Saímos de um período em que a população e todos os políticos se colocavam no campo da mudança; essa era a palavra-chave dos processos eleitorais. A população viu que o discurso da mudança ficou só no campo do discurso e ao não sentir a tal mudança o eleitorado opta por ficar com aquilo que já conhece, preferindo ter essa garantia, sem se aventurar em algo novo", constata o cientista político José Antonio Moroni, em entrevista ao jornal Brasil de Fato.

 

"Além do mais, o PT e o PMDB possuem a maior máquina e o maior lastro de pessoal do país. O PT ganhou médios e pequenos municípios; já o PMDB novamente ganhou nos grandes, médios e principalmente nos municípios mais interioranos", prossegue Marcio de Souza, oferecendo um dos indicativos sobre os motivos que fizeram tantos prefeitos se manterem nos cargos.

 

Como se sabe, tal fator obteve exponencial crescimento no processo eleitoral recém- findado – dois terços dos que tentaram se reeleger conseguiram renovar mandato, ou 2245 de 3357 -, o que corrobora de forma cristalina a tese que aponta vitória do continuísmo. E uma das explicações para o sucesso de tais empreitadas é dada por Moroni, na mesma entrevista supracitada. "Nas eleições para governadores e presidente, a fiscalização torna-se mais simples do que nos processos municipais. Por uma questão numérica, é muito mais difícil fiscalizar todos os municípios. O uso da máquina não se dá apenas nos grotões. Basta ver o caso de Belo Horizonte, onde as maiores forças políticas de Minas Gerais se uniram para demonstrar força e, com isso, conseguem maior espaço na mídia, utilizando-se de suas imagens. Isso também é uso da máquina pública".

 

Por fim, o fato de o PMDB, que negocia suas alianças nacionais e regionais sem qualquer critério de direcionamento político, podendo se colocar ao lado de situação ou oposição ao mesmo tempo em locais distintos, ser o maior vencedor em números absolutos do pleito serve perfeitamente para ilustrar futuras críticas a respeito da (des)política em voga. Época marcada pelo incessante troca-troca de legenda - por meras conveniências, quase nunca por ideologia - protagonizado pelos nossos representantes parlamentares.

 

Reconstrução

 

Posto tudo à mesa, fica claro que no momento as propostas alternativas de gestão estão em baixa, praticamente excluídas do grande ‘debate’ político, caso este ainda exista. "A esquerda sai desta eleição do mesmo tamanho que entrou. Na atual fase, ela se encontra fragilizada, até em função da capitulação do PT, que durante muitos anos foi o partido das lutas nacionais. Com a falência e a mudança de rumos do PT, os socialistas ainda estão se rearticulando, portanto, é um momento muito difícil", opina Márcio.

 

"Apesar de a esquerda socialista ter participado das eleições em boa parcela dos municípios, ela precisa eleger mais gente para conseguir divergir politicamente. Estamos com uma representatividade parlamentar pequena e dentro do Executivo não conseguimos eleger nenhum membro de esquerda no país", continua.

 

Por conta disso, a busca por uma maior participação nos rumos do país através somente da via político-eleitoral vem impondo muitos obstáculos. "É um processo que demora anos, até porque estamos ainda vivendo uma fase de ascensão do projeto capitalista, que possivelmente a partir de agora sofrerá abalos com a crise econômica mundial", explica o militante do PSOL.

 

Dessa forma, como já disseram anteriormente Marcelo Badaró e Ricardo Antunes em entrevistas recentes, um dos caminhos para a reabilitação da esquerda brasileira passaria por uma maior concentração de energias nas lutas sociais e populares do cotidiano. "A potencialização das eleições pela esquerda partidária para um projeto mais amplo de transformação social depende, principalmente, da sua capacidade de inserir-se e unificar as lutas sociais impulsionadas pelos movimentos e formas de organização da classe trabalhadora. É justamente pela dificuldade de inserção e potencialização das lutas que a esquerda partidária tem obtido resultados eleitorais tão pífios", assinala Badaró.

 

Sendo este o quadro da atual esquerda e levando em conta a crescente dificuldade em se combater pela simples via eleitoral o modelo vigente – ainda por cima defendido pela mídia corporativa com fidelidade canina –, não há motivos para se crer em grandes mudanças dentro de dois anos.

 

E tal descrença em uma reviravolta de rumos não se deve somente à opressão imposta pelos atuais donos do poder. Como admitem os próprios oposicionistas do sistema, ainda que a catástrofe na economia mundial atinja níveis jamais vistos, a corrente revolucionária não está nada preparada para uma tomada de liderança nas lutas populares de toda a comunidade internacional. Pior dos mundos? Vejamos as imagens de capa dos jornalões de alguma segunda-feira do décimo mês de 2010 e saberemos.

 

Gabriel Brito é jornalista.

 

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