Crise do capital e soberania alimentar

0
0
0
s2sdefault
Osvaldo Russo
21/10/2008

 

Não dá mais para escamotear a vulnerabilidade econômico-financeira exposta mundialmente pela crise do capital, originária da quebradeira imobiliária do mercado dos Estados Unidos – o mais poderoso país capitalista do planeta -, que somente foi equacionada, ainda que emergencialmente, parcialmente e não se sabe até quando, pela forte intervenção estatal dos governos dos países ricos, a começar pelo da Inglaterra.

 

Países como o Brasil e os nossos vizinhos da América do Sul devem se preparar para enfrentar os efeitos dessa crise internacional fortalecendo os seus mecanismos de intervenção e regulação do mercado e de governança do Estado por meio do fortalecimento de suas empresas estratégicas, no nosso caso: Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES, Eletrobrás, Embrapa etc., mesmo reconhecendo que o Brasil hoje está bem menos vulnerável do que no passado.

 

A pesquisa realizada em 2007 pelo Ibase aponta que houve avanços nos índices de segurança alimentar e nutricional da população beneficiada com a transferência de renda efetuada pelo Bolsa Família, ainda que permaneça um contingente de famílias que mantém elevados índices de insegurança alimentar. Este programa social e as políticas de aumento real do salário mínimo e de elevação do nível de emprego pelo maior aporte de investimentos estatais (o PAC é exemplo disso) expressam a mão distributiva do Estado social em contraposição à mão concentradora e desigual do mercado.

 

Mas é preciso estar atento e aprofundar políticas de Estado na área de reordenamento territorial com controle e ocupação racional e familiar das terras públicas, em especial na Amazônia Legal, reforma agrária e apoio ao desenvolvimento da agricultura familiar. É preciso, também, ter claro que a principal fonte de desmatamento e ocupação fundiária irregular na Amazônia se dá pela ação de madeireiros, grileiros e fazendeiros do chamado agronegócio, com exploração da pecuária extensiva e da plantação de soja.

 

Atribuir ao INCRA, aos movimentos sociais ou à reforma agrária a onda de desmatamento é injusto. Isso, no entanto, não dispensa que os assentamentos em terras públicas, em áreas adquiridas por compra ou desapropriadas para fins de reforma agrária - na Amazônia ou em qualquer outra região –, não tenham que obedecer aos princípios da preservação e do desenvolvimento sustentável, conforme dispõem as próprias normas técnicas que orientam a instalação dos assentamentos.

 

A crise imobiliária nos Estados Unidos, que originou a crise atual do capital financeiro, antes já tinha impactado os preços dos alimentos no mercado internacional. As chamadas commodities, em verdade, são produtos de origem vegetal e animal, transformados em mercadorias, com valor de troca especulativo para gerar lucros fabulosos sem qualquer preocupação com a necessidade de alimentar as pessoas.

 

Aproximadamente, segundo a FAO, quase um bilhão de pessoas passa fome no mundo. Ou mudamos a matriz da produção de bens, em particular da produção agropecuária, democratizando a terra e priorizando a produção sustentável de base familiar, ou estaremos inviabilizando a vida saudável no planeta. São os pobres em todo o mundo os que mais sofrem com as crises e as desigualdades do capitalismo.

 

O Brasil, hoje, sem dúvida, está mais preparado para enfrentar esses desafios. É preciso, entretanto, dialogar mais intensamente com os movimentos sociais para que estes sejam efetivamente parceiros ativos nesse diálogo nacional. O Brasil não pode esperar, porque a fome e a pobreza têm pressa, como costuma professar a Igreja. A crise do capital financeiro internacional é a crise do seu centro acumulativo, que já está adotando medidas para reciclar o cassino em que se transformou a economia mundial, concentrando ainda mais o poder, a renda e a riqueza, destruindo a natureza e excluindo os pobres.

 

Se quisermos garantir a soberania alimentar do nosso povo, temos que potencializar as bases sociais e econômicas que construímos recentemente e fazer uma revolução sem armas no campo e na educação brasileira, com investimentos estatais em ciência, tecnologia, assistência técnica, qualificação profissional e preservação ambiental, para criar e consolidar as bases sustentáveis do desenvolvimento e da soberania do país.

 

Osvaldo Russo é estatístico e coordenador do Núcleo Agrário Nacional do PT

 

{moscomment}

0
0
0
s2sdefault