São Paulo: não sou conduzido

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Willian Luiz da Conceição
01/09/2008

 

O Brasil, com cerca de 190 milhões de habitantes, onde mais de 80% estão em áreas urbanas e sendo que as 100 maiores cidades contêm mais de 250 mil habitantes, possui graves problemas de mobilidade urbana agravados por falta de políticas públicas sérias.

 

Sinônimo da crise de mobilidade, a cidade de São Paulo enfrenta hoje um verdadeiro caos no que tange ao transporte. Maior metrópole brasileira, com 10,8 milhões de habitantes, sendo considerada a 14ª mais globalizada do planeta, é a capital brasileira do ponto de vista cultural, econômico e político. Com o título de 9ª cidade mais rica do mundo e representando isoladamente cerca de 12% de todo o PIB nacional, sua região metropolitana possui 18,8 milhões de habitantes, o que a torna a 6ª maior aglomeração urbana do mundo. Não são poucos os títulos que a capital acumula.

 

Sozinha, detém 25% da frota nacional de veículos, o que hoje representa perto de 6 milhões de automóveis, praticamente um carro para cada dois habitantes. A pesquisa "Origem-Destino", realizada a cada dez anos desde 1967 e que analisa a região metropolitana de São Paulo, registrou em sua última edição 30 milhões de deslocamentos diários - 10 milhões deles em transporte coletivo, 10 milhões em transporte individual e 10 milhões a pé. Segundo o Ministério das Cidades, um terço de todo deslocamento a pé do país.

 

Nos últimos 50 anos, uma preocupação tornou-se eminente: o questionamento sobre o futuro colapso do trânsito, principalmente na cidade de São Paulo. A hipótese de caos generalizado nas grandes cidades brasileiras baseia-se em premissas verdadeiras, pois, para o contrário, seria necessário que a taxa de motorizarão (carros por habitante) chegasse a níveis baixíssimos, o que dificilmente irá ocorrer.

 

A crise urbana está na falência do sistema de exclusão social existente, da não priorização do transporte coletivo, onde quem não tem veículo próprio e depende de ônibus é penalizado por congestionamento provocado pelo carro particular (que na sua maioria trafega apenas com um indivíduo), além das altas tarifas do transporte que excluem centenas de milhares de pessoas do acesso à cidade.

 

Uma experiência importante iniciada na cidade de São Paulo foi o Tarifa Zero na gestão da então petista Luiza Erundina (1989-92). Apresentado pelo ex-secretário municipal de transportes, Lúcio Gregóri, o projeto previa a criação de um Fundo Municipal de Transportes e acarretaria numa reforma tributária real, em que os ricos arcariam com os custos da isenção do transporte para a população, pois são eles os maiores beneficiados com o deslocamento das pessoas. O objetivo era inverter a lógica de que os beneficiados com o transporte coletivo são os usuários. Este é o ponto forte do projeto, que trata o transporte coletivo como um direito assim como saúde ou educação, que não são pagos no ato de sua utilização, mas sim no conjunto de impostos e taxas municipais. O projeto foi duramente criticado pela imprensa corporativa e a oposição, além de ter sofrido resistências internas de boa parte do próprio partido.

 

O problema clássico passa pelo modelo de transporte coletivo vigente, de sucateamento e entrega aos interesses privados. O transporte coletivo, no entanto, representa um papel fundamental no dia-a-dia da metrópole, apesar de caro e de baixa qualidade. São Paulo conta com uma imensa estrutura de linhas de ônibus, com uma frota superior a 15.000 unidades, sob responsabilidade da SPTrans. Os trens da CPTM, o Metrô, a EMTU-SP e o sistema de interligação entre eles completam o sistema municipal e estadual de transporte na cidade. Informalmente também nota-se o uso de lotações irregulares.

 

Durante muitos anos, havia uma forte presença de vans irregulares em toda a cidade, mas ações públicas conseguiram registrar a maior parte desse tipo de transporte. Para ajudar na fluidez do tráfego, foram construídos por toda a cidade corredores de ônibus (faixas que são de uso exclusivo desse tipo de veículo), o que ainda é pouco, já que os automóveis individuais não respeitam. Além dos corredores, a cidade conta com um sistema VLP (Veículo Leve sobre Pneus), sendo o mais famoso deles o Expresso Tiradentes, com um considerável trecho já inaugurado.

 

Vários dilemas fazem parte da vida dos paulistanos e da cidade que tem como lema "não sou conduzido, conduzo". O transporte de cargas vindas de todo o país complica bastante a situação; não faltam tentativas de resolver este problema, tais como o rodízio de cargas. Porém, nem essa proposta chega a ser consenso entre transportadoras, população e donos de pontos de recebimentos.

 

Muitos estudiosos acreditam que, "existindo escassez de vias públicas e vendo-se a necessidade de priorização de uma forma de transporte, a outra não prioritária deve ser taxada para beneficiar a maior parte da população", que nesse caso é usuária de transporte coletivo. Será o caminho de maior justiça e viabilidade? A cidade adotou este caminho, quando criou, há mais de 20 anos, a Zona Azul. Mas a experiência da cidade do México provou não ser eficaz o rodízio "dia par com par" e tampouco a taxação. Lá, a prefeitura restringiu a circulação de automóveis alternando placas ímpares e pares nos dias "úteis" da semana. Inevitavelmente, os paulistanos deverão debater a totalidade da municipalização do transporte coletivo, o trânsito tarifado ou o pedágio urbano, pois é essencial inverter a lógica que hoje predomina, a do transporte individual sobre o coletivo – o privado sobre o público.

 

É necessário que possamos entender que o processo de debate da cidade envolve um conflito de interesses entre dois projetos; trata-se da cidade em que vamos viver, assim como do papel do processo participativo por parte da população na busca de soluções que levem à melhoria das condições de vida em geral. Deve ser, sem dúvida, o pano de fundo do plano diretor participativo, mas que não se resume só a ele, já que é acima de tudo uma constante luta política, social e econômica. É um desafio tecnológico, mas principalmente político, de debate e responsabilidade de todos os setores da sociedade, principalmente dos movimentos sociais, pois é a população que sofre os problemas da cidade no dia-a-dia; ela é quem tem de se apropriar desse processo

 

Agora, a pergunta que não quer calar. Quem conduz quem, ou até quando conduzirá? A barbárie parece próxima e inevitável. Sem uma verdadeira reforma urbana sustentável que coloque em xeque as mazelas produzidas pelo projeto de sociedade que temos (baseado na exclusão e exploração de milhões de pessoas às margens do sistema), dificilmente São Paulo, ou qualquer outra metrópole munida desse projeto, se conduzirá por muito tempo.

 

Willian Luiz da Conceição é militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em Santa Catarina. Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

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