Fracasso olímpico desnuda falso crescimento esportivo

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Gabriel Brito
25/08/2008

 

Mais uma edição dos Jogos Olímpicos foi encerrada e não pela primeira vez o país passará uns bons dias como autêntico muro das lamentações esportivas, perguntando-se por que esta ou aquela medalha não veio e o que aflige o país nas horas decisivas - debate este muito em voga com algumas derrotas que não são cômicas porque tomam contornos trágicos.

 

Não é preciso se estender muito para lembrar que o país não perde o costume de criar bolhas desmedidas de euforia que ao estourarem levam o torcedor e o atleta da empolgação máxima à profunda depressão. Tampouco é necessário muito esforço para perceber que tal comportamento é propiciado pela cobertura da grande mídia, desesperada por ídolos e resultados que encantem o fã, e pela velha cartolagem nacional, sempre vendendo discursos de evolução da futura potência olímpica que acabam desmascarados ao final de cada grande competição.

 

Dependência dos poucos ídolos

 

Carente de um maior número de atletas mundialmente de ponta, nada mais natural que as esperanças e sonhos de triunfo recaiam sobre as costas dos atletas mais bem cotados internamente. No entanto, como a estrutura dada à maioria dos atletas não acompanha o nível de expectativa, cria-se a perigosa, como cansamos de ver em Pequim, combinação entre esses dois fatores. Ao se depararem com a primeira frustração, nossos atletas acabam por cair em prantos, extravasando os anos de esforço não visto e não compensado, além do posterior esquecimento que o regresso ao país lhes reserva.

 

Não estaria na hora de o país utilizar seus prodígios de cada esporte como modelos para as novas gerações, o que permitiria ao país evoluir e renovar-se constantemente?. O que, por conseguinte, diminuiria muito o peso sobre os poucos que conseguem chegar longe e representar o Brasil em competições oficiais.

 

Foi flagrante a quantidade de compatriotas nossos chorando derrotas, inesperadas ou não, diante das câmeras, ato seguido de lamentos pela falta de apoio durante tantos anos e pelas divagações sobre o que será de agora em diante. De forma geral, esse choro todo cria rótulos, reaviva discussões em torno do velho complexo de vira-lata, detectado por Nelson Rodrigues quando o Brasil não tinha nem televisão ainda. Não é complexo algum, é a simples e dura realidade: o que vemos nos quadros de medalhas é o reflexo daquilo que o país está apto a conquistar, nada mais.

 

Se o surgimento de Cielos, Hypolitos e Gregorios servir apenas como perspectiva de vitórias na próxima competição, e não como bandeira com vistas a popularizar a modalidade e revelar um número crescente de talentos, vamos resolver o problema do volume de água do São Francisco com os jogos de Londres 2012.

 

E dinheiro nem é mais problema...

 

Em outros tempos, a simples justificativa da falta de verbas já servia como explicação quase definitiva para nossas escassas alegrias esportivas. Hoje em dia, entretanto, a situação mudou muito e, apesar de ainda insuficientes, uma maior quantidade de recursos não é sinônimo de grandes transformações se não raro são usados de forma inapropriada.

 

Para compreender melhor a questão, vale lembrar que as contas do Pan do Rio, realizado no ano passado, seguem sem aprovação da União, o que é muito compreensível quando se verifica que o orçamento previsto de R$ 400 milhões ganhou um zerinho a mais, isto é, decuplicou-se.

 

E como prova de que a verba destinada às práticas esportivas deixou de ser o grande problema, o site Contas Abertas revelou que, ineditamente, o orçamento do setor em 2008 supera o da cultura. "Enquanto o montante desembolsado pela pasta do Esporte esse ano (até agora) é de R$ 317,1 milhões, a Cultura aplicou R$ 293 milhões. Para 2008, a verba autorizada é de R$ 1,3 bilhão e empata com a da Cultura", informa o órgão.

 

Porém, de que adianta tamanha dinheirama se a única representante do Brasil na maratona, Marily dos Santos, cortadora de cana até os 18 anos, teve de pegar emprestado o uniforme de um colega brasileiro para correr? O traje sobrando no corpo da esguia atleta escancarava a patacoada. De que adianta, se a única psicóloga da delegação teve sua ida aos jogos forçada pela equipe de vôlei, pois o Comitê Olímpico Brasileiro era contra, e sua estadia teve de ser bancada pelo treinador José Roberto Guimarães?

 

Aliás, esse episódio merece uma observação à parte: enquanto vemos nossos atletas desmancharem-se em lágrimas ao sucumbirem mediante situações de alta exigência física e emocional, os líderes do esporte nacional crêem ser desimportante a utilização de profissionais de apoio psicológico, sendo que todas as grandes potências esportivas estruturadas oferecem suporte a suas equipes.

 

Conclusões

 

Postos à mesa nossos resultados, fica evidente que o país, assim como em muitas outras áreas, desperdiça gritantemente seus recursos e capacidades, o que não leva pouco tempo para se mudar. Tendo apenas 12% de suas escolas com quadras para prática esportiva, o investimento nessa base é mais que primordial para que no futuro nos acostumemos com gerações de atletas de primeiro escalão, em todos os esportes e com renovação constante.

 

Prestigiar o atleta somente quando este já é profissional e provou por conta própria seu valor, além de oportunista, é enganoso, pois passa a imagem de que grandes empresas e federações respaldam nossos esportistas de forma incondicional, fazendo-nos esquecer dos que estão na mesma luta e seguem largados.

 

Promover a prática esportiva desde cedo, além de ensinar a ganhar e a perder na vida, promove convívio e inclusão social. Foi por esse processo que passaram, e passam, as grandes potências olímpicas, inclusive Cuba, que tem mais ou menos o tamanho de Sergipe e já disputou palmo a palmo a liderança do quadro geral com os próprios norte-americanos.

 

Dessa forma, parece claro que primeiro devemos nos estruturar (e limpar) internamente para que no médio prazo possamos começar a colher resultados que ainda não estamos acostumados a obter. No entanto, nossos dirigentes, não satisfeitos em estourarem em 1000% as contas do Pan, já anunciaram que o próximo passo é sediar os jogos de 2016.

 

Mas para que organizaríamos uma Olimpíada dentro de casa em prazo tão breve? Para chorar nossas mazelas e fraquezas diante do mundo todo dentro de casa? Pra brigar pau a pau com a Mongólia no quadro geral? Pra despejar um caminhão de dinheiro na mão de quem o faz sumir sem constrangimento algum? Deve ser para virar motivo de piada da própria população, como na "adaptação" do filme ‘A queda’, em que se fantasiam cenas de um Hitler desolado com a derrota que se aproximava em Berlim.

 

O Brasil olímpico é um retrato fiel do Brasil que conhecemos de todos os dias. Desperdício de talento/recursos, descaso, tragédias cinematográficas em momentos decisivos, corrupção endêmica e falsas promessas para aliviar as dores e fazer acreditar que um dia seremos o que idealizamos. No fundo, parece que já estamos acostumados.

 

Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.

 

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