Plano de Energia para 2030 não prioriza efetivas necessidades da sociedade

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Valéria Nader
16/07/2008

 

Além da interrupção das privatizações, o resgate de um autêntico planejamento para o setor elétrico brasileiro, com a retomada de um modelo racional que recolocasse na ordem do dia a regulamentação da compra e venda de energia, era uma das grandes expectativas com a chegada de Lula ao poder.

 

Infelizmente, nenhuma dessas esperanças se configurou verdadeira. Nem se partiu para um modelo elétrico mais efetivo – muito pelo contrário, as geradoras estatais estão sendo crescentemente descapitalizadas com a venda de energia a baixíssimos preços para distribuidoras privadas - e nem se interromperam as privatizações – na medida em que o que se vê hoje não é a venda das empresas estatais, mas sim a privatização da energia e do potencial hídrico do país por parte de grandes empresas, como a Vale do Rio Doce e a Alcoa.

 

Para comentar o mais recente Plano Nacional de Energia 2030, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE -, que foi criada pelo governo Lula, conversamos com o engenheiro Joaquim Francisco de Carvalho.

 

Confira abaixo a entrevista.

 

Correio da Cidadania: Uma das principais críticas dos profissionais e pesquisadores do setor energético à administração do presidente Fernando Henrique Cardoso refere-se ao abandono do planejamento de longo prazo. Em sua opinião, essa falha foi corrigida com o anúncio do Plano Nacional de Energia 2.030 elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE, que foi criada pela administração do Presidente Lula?

 

Joaquim de Carvalho: Embora conheça o preparo e reconheça o mérito e dedicação dos técnicos da EPE, devo dizer que o Plano Nacional de Energia 2.030 não é propriamente um plano, mas sim uma coleção de dados e informações interessantes sobre algumas fontes de energia, além de cenários para os anos 2.010, 2.020 e 2.030.

 

CC: Qual é a crítica que o senhor faz ao Plano 2.030?

 

JC: A principal crítica que eu gostaria de fazer, e o faço com intenção totalmente construtiva, é que o Plano 2.030 apresenta cenários que foram desenhados mais pelo lado da oferta de energia, do que pelo lado da efetiva demanda da sociedade por produtos e serviços que contribuam para melhorar-lhe a qualidade de vida. Explico melhor: um plano teria proposto projetos prioritários, em função das efetivas necessidades de consumo da sociedade, e teria imposto restrições a projetos cuja produção de bens não contribua para melhorar a qualidade de vida da população.

 

Melhoro esta explicação por meio de um exemplo concreto: Um plano teria imposto restrições à implantação de novas fábricas de produtos eletro-intensivos, (alumínio, ferroligas, indústria químicas da linha soda-cloro etc.) muito além do necessário para cobrir a demanda do mercado interno. Isto porque essas fábricas estão se apropriando dos melhores e mais baratos aproveitamentos hidrelétricos, e sua produção é quase toda exportada, sem nenhuma vantagem para a população local, de modo que, quando for necessário expandir o sistema elétrico para atender à demanda da sociedade, os melhores e mais baratos aproveitamentos já estarão sob controle das fábricas de alumínio, e teremos que apelar para termelétricas a gás, que são muitíssimo mais caras, além de poluidoras.

 

CC: Então, qual é a utilidade do Plano 2.030?

 

JC: Apesar de não ser um plano na plena acepção do termo, o trabalho reúne dados e informações que serão muito úteis para a elaboração de um verdadeiro plano para o setor energético, com efetivas propostas de programas e projetos destinados a tirar partido das importantes vantagens relativas do Brasil, no campo da energia, além de regulamentações destinadas a coibir a especulação com os preços e tarifas deste setor, que é vital para todos os demais setores da economia.

 

CC: E sobre a inclusão do projeto de Angra III no Plano 2.030, qual é a sua opinião?

 

JC: Muita gente pensa que as usinas nucleares poderão garantir o suprimento de eletricidade por tempo praticamente ilimitado. Trata-se de um equívoco, pois as reservas de minérios nucleares não são renováveis. Elas são limitadas, e vão acabar, exatamente como as de petróleo. Aliás, a sua exploração depende de combustíveis derivados de petróleo, para acionar os equipamentos de pesquisa, lavra e transporte de minérios.

 

Estima-se, entretanto, que as reservas conhecidas de minérios nucleares poderão durar o tempo suficiente para que se desenvolvam tecnologias para o uso de fontes energéticas renováveis (direta ou indiretamente de origem solar), para cobrir a demanda global de eletricidade. A energia nuclear deve, portanto, ser vista como uma solução transitória, que pode ser importante para países que não disponham de alternativa mais econômica para a produção de eletricidade.

 

Até o presente o Brasil aproveitou apenas 28% do potencial hidrelétrico econômica e ambientalmente viável, portanto, aqui, as usinas nucleares ainda não são necessárias.

 

Em primeiro lugar, porque a energia gerada em hidrelétricas é muito mais barata, de modo que seria mais interessante tirar partido da enorme vantagem relativa que temos em relação a outros países, que é o potencial hidrelétrico. E que pode ser complementado com geração termelétrica a bagaço de cana, excedente das destilarias que produzem o álcool para os nossos automóveis.

 

Em segundo lugar, porque a economia que se faria com a diferença entre os elevados custos da eletricidade que seria gerada em usinas nucleares e os baixos custos da eletricidade gerada nas hidrelétricas seria mais do que suficiente para financiar um programa de pesquisa industrial, para desenvolver tecnologia destinada a projetar e construir um protótipo de reator eletronuclear, aproveitando, em parte, a experiência já adquirida no projeto de reator de propulsão naval, feito pela Marinha, em associação com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, da USP.

 

Teríamos, então, tempo suficiente para escalar o protótipo a uma escala comercial, adequada para produzir energia elétrica, quando o potencial hidrelétrico estiver planamente aproveitado.

 

O Plano 2.030 não considerou nada disso em seus cenários.

 

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.

 

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