A morena Marina e o verde da mata

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Maria Clara Lucchetti Bingemer
29/05/2008

 

Difícil, muito difícil mesmo, escrever algo melhor e mais belo sobre a ministra Marina Silva e os episódios que cercaram sua saída do Ministério do Meio Ambiente do que a crônica "Querida Marina", de Frei Betto. Além de conhecê-la pessoalmente, meu amigo Betto é artista da pena e dos maiores que povoam esse Brasil.

 

Em todo caso, tento. Tenho a meu favor, como vantagem em relação a Frei Betto, o fato de ser mulher, irmã de gênero de Marina, a morena seringueira, a militante brava e valente, discípula de Chico Mendes, que caiu de pé, como diz seu dominicano amigo e admirador, após sentir que não mais poderia, onde estava, ajudar seu povo e perseguir seus ideais.

 

Desde que assumiu o ministério, Marina vinha lutando por aquilo que era a bandeira da campanha do presidente Lula. Entre as lutas históricas do PT sempre estiveram o repúdio aos transgênicos e à transposição do rio São Francisco - na qual estava unida e solidária ao carismático e extraordinário Frei Luis Flávio Cappio -, a defesa da imediata demarcação das terras indígenas e a preservação da Amazônia, patrimônio ecológico da humanidade, contra o plantio indevido da soja e da cana e a criação de gado, promovidos pela ganância e fome de lucro desmedidas.

 

Marina lutou incansavelmente na fidelidade a seus ideais. Lutou até o ponto de desgastar sua figura austera e militante. A vocação religiosa vivida na juventude foi transfigurada em consagração militante secular e social, mas não menos radical. A morena Marina, que queria ser freira, passou a lutar pelo povo da mata verde e ameaçada do norte brasileiro. Foi deputada, senadora e depois ministra. A diuturna luta pela sustentabilidade, no entanto, esbarrava contra a barreira implacável do modelo de governo do país.

 

A ex-ministra vinha entrando em conflitos com outros ministérios, como a Casa Civil e a Agricultura, em casos e questões que opõem proteção ambiental a interesses econômicos. As hidrelétricas e a plantação de cana não tinham seu beneplácito. E Marina avaliou que não havia apoio à sua luta por parte do presidente Lula. O principal motivo de seu descontentamento eram as medidas de combate ao desmatamento, principalmente na Amazônia. Recusava-se, entretanto, a recuar e desistir daquilo em que acreditava apenas para permanecer no cargo. Este já não fazia mais sentido se, a partir dele, não podia lutar pela preservação da natureza, que significa o futuro da vida das novas gerações.

 

O governo, ainda ébrio de orgulho pelo "investment grade" recém obtido, acabou de empurrar Marina para o digno e maduro pedido de demissão. Na ponta do processo, o embate entre duas mulheres: a ex-ministra Marina e a todo-poderosa ministra Dilma Roussef. Ganhou a que detém mais poder. Marina compreendeu e dignamente retirou-se. Sem acusar ninguém, sem espalhar maledicências e amargas queixas em volta de si. Sem lamentar-se ou aferrar-se ao poder.

 

Como mulher, declaro-me orgulhosa da morena Marina, sua digna coragem e sua inquebrantável fidelidade. Sempre que uma mulher ascende ao poder, é duplamente observada e vigiada. Seus acertos e erros têm peso duas vezes maior que os de um homem. Ela ainda é pioneira, está abrindo caminho, criando paradigmas e modelos. Se mimetiza o jeito masculino de ser e de agir, que muitas vezes na história da humanidade foi pouco atencioso à vida, é duplamente desastroso.

 

Não foi esse – graças a Deus! - o desfecho do mandato ministerial da morena Marina Silva. E por isso a mata verde e a biodiversidade a esperam em festa e sob aplausos.

 

Desde a cadeira do Senado, a indomável seringueira continuará sua luta em prol da vida e da sustentabilidade. O país agradece e a história saberá fazer-lhe justiça. E as mulheres lhe abrem alas em sentida e sincera homenagem.

 

Maria Clara Lucchetti Bingemer é teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, além de autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor" (Ed. Rocco).

 

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