A conversão capitalista do governo Lula

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Antonio Julio de Menezes Neto
17/01/2008

 

 

O presidente Lula sempre enfatiza que o seu governo é o melhor da história do Brasil. Porém, o presidente equivoca-se ao se comparar com história pregressa do Brasil, pois sabe-se que, tirando os períodos de exceção, como o período Jango, os 500 anos de Brasil foram controlados pelas mais diferentes e despreparadas elites políticas, econômicas e sociais, que sempre mantiveram o olhar e as práticas para os “de cima”, como dizia Florestan Fernandes.

 

Dentro desta linha, de olhar para trás, o presidente e o PT debatem-se constantemente, nas disputas políticas, com o PSDB e o DEM e sempre procuram mostrar que o atual governo é superior aos governos passados. É lamentável que um governo de esquerda use este tipo de comparação, pois deveria manter o olhar em outras direções, como para os trabalhadores e os excluídos, e não para governos antecessores que representaram os interesses do capital nacional ou internacional, seja industrial ou financeiro.

 

Os princípios que norteariam o governo Lula deveriam ser radicalmente outros. Mas, infelizmente, não é isto que ocorreu. E o motivo principal é que o governo Lula passou a acreditar no capitalismo como alternativa, desde que tenha um viés social. Ou seja, uma visão extemporânea da social-democracia, hoje travestida de liberalismo-social.

 

Inicialmente, em nome da “governabilidade” e do pragmatismo, o governo Lula da Silva curvou-se aos interesses dominantes do capital. Num segundo momento, assumiu que estas políticas não eram conjunturais, mas políticas de governo. Assumiu os dogmas e a fé no liberalismo e no capitalismo. Com isto, defende e coloca em prática projetos como a transposição do São Francisco, esperando que este mega-projeto leve o capitalismo - através de empreiteiras e do agronegócio - ao semi-árido e, conseqüentemente, leve o “progresso”.

 

Na política, assumiu que seria impossível governar sem a maioria do Congresso Nacional, mesmo que sejamos um país presidencialista. Neste sentido, em busca da “governabilidade”, o governo Lula da Silva aproximou-se de partidos conservadores e de direita, repartindo o governo e as benesses decorrentes. Porém, tudo indica que, realmente, o governo deseja repartir o governo, pois acredita que os setores conservadores e empresariais são indispensáveis a qualquer projeto político.

 

Existiria outra possibilidade? Apesar de reconhecer que não existem soluções fáceis, o governo, se desejasse usar um paradigma popular, poderia, inclusive, usar as leis já existentes, inclusive a Constituição atual, e apoiar-se nos movimentos sociais e de trabalhadores para a sua aplicação. Afinal, qual foi a grande reforma que o governo realizou e que tanto necessitou do apoio do Congresso? A “reforma da previdência”, absolutamente desnecessária do ponto de vista da construção de uma sociedade mais justa. Lembremos que o governo, em plena crise do mensalão, desprezou o apoio que o MST, a CUT e a UNE lhe deram através de uma passeata de rua e convidou ministros conservadores para assumir os ministérios da Saúde e da Comunicação. E que, em troca do atual apoio do PMDB, entrega mais cargos e ministérios fundamentais, como o das Minas e Energia, aos apadrinhados de Sarney.

 

A reforma agrária é outro exemplo de uma ação política que poderia ser realizada com o apoio social. Acrescente-se que, se o governo necessitar de sua “base de apoio” no Congresso para votar leis em favor da reforma agrária, será derrotado. Caberia ao governo buscar apoio popular, diminuir a obsessão pelo superávit, enfrentar retrógrados interesses do agronegócio e regulamentar e atualizar a lei de produtividade. Desta forma, seria possível realizar uma reforma agrária. Mas esta reforma praticamente inexiste.

 

São diversas as ações que o governo poderia implementar baseado nas leis atuais, com o apoio da sociedade, sem nenhuma necessidade de negociatas com Congresso. Investimentos maciços em educação, saúde, habitação popular, saneamento, transporte, dentre outras, poderiam ser realizadas como políticas de governo. Mas, para tanto, necessitaria desviar o olhar do superávit e do paradigma capitalista de governo e instituir novas e ousadas ações. Necessitaria, principalmente, de ousar na auditoria e na renegociação da dívida, que escoa bilhões para a especulação financeira. Mas este parece ser um dogma sagrado deste governo.

 

O governo Lula e o PT, se ainda fossem de esquerda, deveriam ter rompido com o paradigma capitalista, que prioriza o PIB e a reprodução do capital, e construído novas relações políticas e sociais através da aliança com os movimentos populares, partindo da centralidade das necessidades básicas do povo. Mas preferiram manter as linhas econômicas e, com as franjas, fazer as políticas sociais “superiores” às dos antecessores. Preferiram garantir a governabilidade com alianças estranhas à história da esquerda. E o pior, mantiveram estas políticas porque assim é o governo Lula, porque é assim que pensam construir o país.

 

Preferiram - porque acreditam nele - o conservador caminho do social-liberalismo em vez de procurar construir novos caminhos visando à construção de uma sociedade mais justa e igualitária, centrada no ser humano e não na reprodução do capital, novas relações que pudessem pavimentar caminhos para o socialismo. Mas, infelizmente, deram continuidade à triste história de 500 anos.

 

 

Antonio Julio de Menezes Neto é sociólogo, doutor em educação e professor na UFMG.

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