Pequena síntese sobre a conjuntura política brasileira

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Murilo Gaspardo
27/10/2015

 

 

 

 

Como os jornais, portais de notícias e redes sociais estão repletos de análises sobre a “crise política e econômica brasileira” relutei em escrever sobre o assunto, entendendo nada ter a acrescentar. Porém, como muito do que se escreve não tem a pretensão de esclarecer, mas de confundir e afastar do campo de visão as raízes do problema, tentarei destacar alguns pontos que me parecem importantes.

 

1. A corrupção e a atual crise econômica não apagam os avanços sociais e econômicos conquistados ao longo dos anos de governo do Partido dos Trabalhadores, mas explicitam os limites do projeto: não se tratava de ruptura com a estrutura socioeconômica de dominação e exploração, nem com as relações políticas baseadas no patrimonialismo e no clientelismo que marcam a história brasileira – o projeto não passava de um novo pacto com as elites com incorporação de benefícios (controlados) para as classes trabalhadoras e excluídas.

 

1.1. Quanto à crise econômica, quando os recursos públicos, em razão da conjuntura internacional e de fatores internos, deixaram de ser suficientes para manter, simultaneamente, o ritmo dos avanços sociais e os níveis de lucros das elites, notadamente as rentistas, o governo deixou claro que seu compromisso principal era com as elites.

 

1.2. Da perspectiva política, as afirmações sobre o caráter seletivo da mídia brasileira ao tratar do tema da corrupção e da postura golpista da oposição – registre-se, verdadeiras – não isentam o partido do governo de suas responsabilidades por optar por construir sua governabilidade adotando as mesmas práticas que sempre criticou. E também por financiar suas campanhas eleitorais por meio de recursos obtidos junto a grandes empresas brasileiras que, de uma forma ou outra, como é de conhecimento público, ao fazerem suas “doações” estão “investindo”, à espera de retornos do Estado brasileiro – legais ou não, sempre imorais, pois comprados às custas do falseamento da democracia e da justa distribuição do orçamento público.

 

1.3. Assim, a defesa das instituições democráticas deve permanecer na agenda dos que esperam e lutam por transformações estruturais no Brasil, mas não subsistem quaisquer razões para a defesa do governo – não há o que pactuar com quem já escolheu pactuar com as elites financeiras, com o patrimonialismo e o clientelismo, e abandonou qualquer perspectiva emancipatória.

 

2. Por sua vez, a oposição à direita tem no impeachment sua única proposta concreta. Além disso, limita-se a um discurso contra a corrupção e por uma eficiência na gestão, o qual não encontra sustentação nem em seu passado nem no presente, bem como a práticas contraditórias e oportunistas no Congresso Nacional. Portanto, é preciso ficar claro para toda a população (não basta que os militantes de esquerda saibam disso) que a direita não tem qualquer alternativa para oferecer ao Brasil – a não ser às elites, especialmente financeiras, a quem sempre serviu.

 

3. Mas essas não são as únicas alternativas: há a oposição à esquerda, que se manifesta em partidos como o PSOL e, sobretudo, por meio de movimentos sociais que representam as parcelas mais excluídas e marginalizadas da sociedade brasileira. Estes defendem transformações radicais no Estado e nas relações sociais, mas esbarram em um limite cuja transposição não é simples: a construção de um projeto político que conquiste o apoio majoritário da sociedade brasileira.

 

3.1. Ressalta-se que a conquista do poder do Estado não deve ser o principal e, muito menos o único objetivo dos movimentos de esquerda, porém, no atual contexto histórico, revela-se indispensável.

 

3.2. Embora tais movimentos sejam constituídos ou representem a imensa maioria da população brasileira, há fortes evidências de que, da perspectiva da disputa eleitoral, não encontram respaldo dessa maioria. Por que isso ocorre? A resposta não é simples, nem única. Proponho algumas hipóteses:

 

a) restrições, inerente ao sistema capitalista, a projetos de esquerda; b) disputas internas em torno de espaços de poder ou em razão de diferenças ideológicas que se colocam acima do essencial, do que nos une, favorecendo os verdadeiros adversários; c) dificuldades de organização, mobilização e comunicação com a população; d) ausência de um projeto capaz de, respeitadas as diversidades dos movimentos de esquerda, uni-los para conquistar o apoio popular e enfrentar os verdadeiros adversários.

 

Discutir esses temas parece-me uma agenda essencial para a esquerda brasileira.

 

 

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Murilo Gaspardo é professor de Ciência Política e Teoria do Estado da UNESP/Franca e Doutor em Direito do Estado pela USP.

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