Chico de Oliveira: ‘não acredito em impeachment nem em renúncia’

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Valéria Nader e Gabriel Brito, da Redação
02/04/2015

 

 

Em meio ao mar de incertezas que pauta o Brasil de 2015, grandes parcelas da sociedade guardam expectativas de que alguma mudança de peso estaria em vias de se gestar e, após tamanho acúmulo de escândalos, ao lado de uma recessão econômica, a fortaleza do poder está ameaçada. Porém, não é assim que pensa o sociólogo Francisco de Oliveira, em entrevista concedida ao Correio da Cidadania.

 

“Não é questão de impeachment ou renúncia. Isso é onda. Numa crise desse tamanho, não temos oposição capaz de reunir forças políticas para lidar com o problema. Os tucanos não têm credibilidade, o PT está imerso na crise e manifestações do tipo que vimos nos dias 13 e 15 são indicações da capacidade da sociedade de gritar. Mas tampouco se transformam em força política organizada para criar soluções alternativas”.

 

Para Oliveira, o sistema capitalista chegou a um nível de consolidação no Brasil em que é plenamente possível “conviver com a mediocridade”, a exemplo do que se vê nos EUA e Europa. E, no Brasil, foi o lulismo quem reuniu condições de colocar no mesmo saco todas as tendências do jogo político, destaca.

 

“O PT virou isso aí, já foi. Nossos processos históricos, da economia e sociedade brasileiras, transferiram-se ao lulismo. O PT liquidou a esquerda por algumas décadas. Mas não há nada, infelizmente, muito dramático no sistema. Seria bom que tivesse, mas não há. O lulismo foi uma fase de excepcional inclinação das pessoas, em geral, à esquerda, e que foi comida pelo próprio centro e a direita”, constatou.

A entrevista completa com Chico de Oliveira pode ser lida abaixo

 

Correio da Cidadania: O país afunda em crise profunda, econômica, política, social, ética, institucional, hídrica, elétrica... Como vê hoje esse país e qual é a responsabilidade do governo e do PT pela crise?

 

Chico de Oliveira: A responsabilidade do PT é enorme. Não foi o PT que detonou a crise toda. A questão é que Lula, como líder máximo do partido, aceitou as regras do jogo. Regras do jogo, no capitalismo, especialmente periférico, impõem crises. Não é um passeio tranquilo. Ao aceitar tais regras, como liderança das massas, porque os partidos da oposição, como o PSDB, não possuem tal condição, abriu-se o jogo para as crises.

 

Ele é uma personalidade capaz de armar o partido para conter crises, inevitáveis dentro do capitalismo, mas pelo menos trabalhando-as sem todo o desgaste. Crises, de toda forma, vão ocorrer.

 

A oposição não deve pensar, por outro lado, que vai tirar sua casquinha nisso tudo. Ninguém vai. Se o PT tiver uma estrutura melhor de relações, até pode conter um pouco a crise, mas evitá-la é quase impossível.

 

Correio da Cidadania: Qual o seu olhar sobre as manifestações que tiveram lugar país afora no dia 13 de março (mais governista) e no dia 15  de março (de setores oposicionistas)?

Chico de Oliveira: Essas manifestações são muito boas, porque mostram que a sociedade não aceita passar o tempo inteiro engolindo sapos. Mas daí pra se transformar em força política é um passo que não se pode dar ainda. Nem mesmo a oposição tucana, pois não tem nada a propor. A situação, pró-PT, tampouco tem muito a dizer. Assim, a situação atual, se não é incontornável, é difícil de escapar.

 

Correio da Cidadania: Acredita que se caminha para uma crise institucional no país, com possibilidades de abertura de um processo de impeachment ou de uma renúncia da presidente? O que resultaria para o país em um tal cenário?

 

Chico de Oliveira: Não acredito. Seria uma crise muito violenta. Não imagino que ocorra. Não que se saia da situação de forma tranquila, mas não é uma crise institucional. Isso é onda da imprensa. Esta é uma crise que o Brasil tinha tapeado quando ia bem economicamente, enquanto o resto da América Latina e Europa já passavam mal, mas não é uma crise que põe em risco o sistema atual. Quem apostar nisso, estará apostando mal.

 

Correio da Cidadania: Caso não se configure esse quadro mais ‘violento, como acredita que vá caminhar Dilma até o fim do mandato?

 

Chico de Oliveira: Vai caminhar com crises. Porque, basicamente, a crise é do lulismo. Já que o Lula, malandro como sempre, tirou o time de campo, a Dilma não tem recursos políticos. Embora a economia não estivesse tão mal nos três anos anteriores, ela não tem recursos políticos pra contornar esse tipo de problema.

 

O PT, na verdade, não existe. O PT é Lula. Basta ver as entrevistas de outros líderes do partido, do Rui Falcão, presidente do partido. Não dão em nada. A liderança é Lula, o governo não tem solução e ele está tirando o corpo. É uma crise administrada com pulinhos de gato.

 

A Dilma vai ter que se virar com isso pelo resto do mandato. Não é questão de impeachment ou renúncia. Isso é onda, como disse. Numa crise desse tamanho, não temos oposição capaz de reunir forças políticas para lidar com o problema. Os tucanos não têm credibilidade, o PT está imerso na crise e manifestações do tipo que vimos nos dias 13 e 15 são indicações da capacidade da sociedade de gritar. Mas tampouco se transformam em força política organizada para criar soluções alternativas.

 

Correio da Cidadania: Na linha do que o senhor mencionou, de que o PT não existe mais, como vê Lula, o lulismo e o petismo nesse novo cenário do país?

 

Chico de Oliveira: O PT não é mais um partido. Já foi, não é mais. O PT é uma expressão dessas forças que o lulismo agrega. Isso é lulismo. Ao invés de partido, o que existe é uma liderança personificada, que não transfere nem votos e nem capacidade de hegemonia a outras parcelas do partido. Quase todo dia vemos declarações de líderes do partido. E não dão em nada.

 

O Rui Falcão é patético. Porque ele diz aquelas coisas não só por obrigação, mas como tentativa política. Mas quem ouve?

 

Correio da Cidadania: Qual será o preço a ser pago pelo país pela impostura do PT, que usurpou a bandeiras da direita e corrompeu o sistema de representação política?

 

Chico de Oliveira: Nenhum! A gente gostaria, mas não se pagará preço nenhum. O preço é a mediocridade. O Brasil já é uma economia suficientemente grande pra conviver com a mediocridade. A gente sempre pensa o contrário, mas é assim. Poderíamos ter um baque feio ou uma recuperação exitosa. Nem uma coisa nem outra.

 

O sistema capitalista, em suas maiores expressões, mais evidentemente nos EUA e Europa, é assim. Não acaba, mas é medíocre. E nós entramos nessa, já que hoje a economia brasileira é mundialmente importante.

 

Correio da Cidadania: Se os mantenedores da ordem não perdem nada, a quem poderia prejudicar a atual conjuntura de “mediocridade”?

 

Chico de Oliveira: O PT virou isso aí, já foi. Nossos processos históricos, da economia e sociedade brasileiras, transferiram-se ao lulismo. Basta ler as declarações do Rui Falcão, que não é uma pessoa “do mal”, mas é patético. Faz declarações que não têm nenhuma repercussão, porque o sistema achou por bem encaixar todas as suas nuances dentro do lulismo. E o lulismo não vai fazer nada.

 

Os setores à esquerda do PT não têm força. E me incluo nisso, como integrante do PSOL. Não temos força. O PT liquidou a esquerda por algumas décadas. É muito rara essa análise na esquerda, em relação ao sistema político brasileiro: ainda há parcelas da população que fazem essa distinção entre “esquerdas”, no entanto, a maior parte não faz mais.

 

O importante numa luta política é ter forças capazes de desestabilizar o cenário. O PMDB nunca foi isso, pois é apenas um refúgio comum. Os tucanos não têm credibilidade popular. O PT está nessa crise toda, refém de pulinhos de gato.

 

O que o sistema europeu tem feito com a crise? Nada. A soma de interesses é tão forte que, ao contrário do que pensamos, de que o momento obriga soluções radicais, vemos o inverso: o sistema não suporta soluções radicais. Assim, ou vai empurrando com a barriga, o que o Lula tem de sobra, ou aguenta o tranco. Mas não há nada, infelizmente, muito dramático no sistema. Seria bom que tivesse, mas não há.

 

Correio da Cidadania: Você tem esperança nas movimentações e protestos sociais que têm acontecido país afora, como a que o MTST acaba de convocar para o dia 15? Como as enxerga?

 

Chico de Oliveira: Não. Podemos nos preparar pra isso. Aliás, eu não vou porque não tenho mais idade para essas passeatas. Mas vocês, sim. Vai ter pouca gente, na minha opinião, e não vejo condição pra se transformar em força política organizada, capaz de oferecer soluções. Durante muitas décadas, o PT, ao mesmo tempo que aproveitou a ligeira tendência à esquerda que o sistema político brasileiro apresentou, matou essa mesma tendência.

 

Não será, portanto, impunemente que uma tendência poderosa como essa tenha sido hegemonizada pelo lulismo. O lulismo é a conciliação, a expressão de uma convivência feliz com o processo burguês. Não tem mais nada a dar, mas tampouco há outra expressão política e social que tome o lugar do lulismo.

 

Correio da Cidadania: Nem mesmo o aparecimento de crescentes insatisfações de setores mais organizados de trabalhadores e um grande número de greves que se desenha para esse ano ameaçam mexer nessa tendência?

 

Chico de Oliveira: No meu modo de ver, não vai resultar em força política organizada pra desestabilizar o que está aí, sobretudo o PT. O PT é hegemônico dentro dessa mediocridade. Quais declarações de Lula são aproveitáveis, no sentido de indicar o comportamento do partido? Nenhuma. Ele simplesmente enrola. Em atitudes, não oferece nada.

 

O lulismo foi uma fase de excepcional de inclinação das pessoas, em geral, à esquerda, e que foi comida pelo próprio centro e a direita. Dentro dessa noção, tivemos também Sarney. Uma solução tancredista. Sarney conduziu um país numa fase de formação de tendência social à esquerda, da qual o lulismo se apropriou. A própria esquerda criou a expectativa de que crises resultam em modificações no capitalismo. Não é tão fácil assim.

 

Temos de reconhecer que, hoje, o sistema é muito forte no Brasil. Houve todo um período de consolidação do sistema desde o Sarney. O lulismo é um sarneysismo personificado. E comeu as tendências de esquerda que estavam postas no Brasil.

 

 

Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania.

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