O caminho para o socialismo

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Otto Filgueiras
27/10/2014

 

 

Depois de votar num colégio do Brooklin Novo, próximo da antiga moradia, na rua Arandu, o repórter faz a viagem de volta no trem, com destino a Osasco, seguindo a mesma rotina. Parte dos passageiros, entre os quais gente simples e antes eleitora petista, declara ter votado no tucano e hoje neoliberal Aécio Neves, que defendia a volta de Armínio Fraga e os tempos de FHC.

 

A maioria votou em Dilma Rousseff, na continuidade de seu governo neo-desenvolvimentista de petista chapa branca - mas não só -, comunistas de logotipo, aliados de direita (como Paulo Maluf, Delfim Netto, José Sarney e Fernando Collor), de centro-direita e outros mais. Uma minoria votou nulo, por decepção com as duas candidaturas, e uns poucos também por convicção ideológica.

 

Os pensamentos do repórter se voltam para sua casa, aonde alguns dos filhos queridos deveriam estar. Entre eles há pelo menos um que vota mulo há muitos anos, os outros votaram em Dilma, por entenderem que Aécio é pior (é mesmo) e a atual presidenta distribuiu renda para os mais pobres. Elencam argumentos em favor de Dilma/Lula, sem desconhecer suas alianças com o grande capital nacional, internacional, com partidos e lideranças de direita e de extrema-direita.

 

Não se lembram da visita de Lula a Bush e a de Obama a Dilma, ou não acham decisivo levar em conta a presença militar do Brasil no Haiti. Sabem que a política econômica do governo petista também é neoliberal, mas com política social compensatória e assistencialista.

 

Estavam no clima contra Aécio Neves, que prometia trazer de volta Armínio Fraga, mas não se lembravam de Henrique Meirelles ou de Antonio Palocci, ministros da Fazenda nos governos petistas.

 

Conversas marcadas não acontecem. Paciência. Afinal, cada qual precisa viver a sua própria experiência.

 

De volta ao trem, o repórter se dá conta de que não há ameaça fascista, nem o risco de um golpe de Estado. Aécio representa o núcleo duro do neoliberalismo com as consequências econômicas, sociais e políticas decorrentes.

 

Manteve sua posição e se lembrou dos fundamentos do artigo de Atílio Borón, entre os quais de que a conjuntura brasileira é semelhante à do período anterior à ascensão do nazismo e da grande crise capitalista de 1929.

 

Mas o economista Nildo Ouriques contestou, em texto no Correio da Cidadania, dizendo que “nem mesmo o mais pessimista analista poderia afirmar que estamos próximos daquela situação”.

 

Ouriques sustenta que a discriminação contra os nordestinos, manifestada pelo tucanato, é expressão de racismo, pilar do desenvolvimento capitalista no Brasil. “O mesmo racismo destilado cotidianamente contra a maior parte da população negra e os povos originários”.

 

Ele admite que haja manifestações fascistas da classe média reacionária, localizadas principalmente em São Paulo. E não desconhece a diferença entre Dilma e Aécio. Afinal, enquanto Dilma lutou contra a ditadura, foi presa e torturada, Aécio é um bon vivant, adotado pela burguesia para servir aos seus interesses, e discípulo cordato de FHC.

 

Mas ele diz que o avanço conservador na sociedade brasileira não é necessariamente contra o PT, Dilma/Lula e lembra que parte considerável do conservadorismo crescente no país é decorrente da própria estratégia do petismo chapa branca e das alianças da candidatura de Dilma.

 

Não por acaso, muitos parlamentares ultraconservadores dão sustentação ao governo Dilma, a exemplo da senadora Kátia Abreu, ex-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). É inimiga do MST e da reforma agrária.

 

Portanto, os programas sociais são importantes para diminuir a desigualdade social, mas também úteis para a estabilidade burguesa, porque são baratos, mantêm os pobres na pobreza, sem que avancem em sua organização política.

 

A opção pelo voto nulo de militantes socialistas não supõe que o caminho de reconstrução da esquerda seria mais fácil numa vitória de Aécio, diz ele. Tampouco será melhor com a reeleição de Dilma.

 

Mas a revista Veja, dos Civita, extrapolou, antecipando sua edição semanal com matéria de capa leviana, sustentando, sem apresentar provas, que o doleiro Alberto Youssef teria dito, em sua delação premiada, que Dilma e Lula sabiam da corrupção na Petrobrás.

 

A revista não provou as calúnias, Dilma rebateu e ativistas da União da Juventude Socialista (UJS), do PCdoB, fizeram manifestação barulhenta na porta do prédio da Editora Abril, responsável pela revista. Como nos velhos tempos, eles se mostraram aguerridos.

 

Mais do que isso: a coligação Força do Povo (PT, PMDB, PSD, PP, PR, PROS, PDT, PCdoB e PRB) entrou com representação na Justiça contra a revista e conseguiu liminar impedindo a Veja de divulgar a matéria caluniosa e o TSE obrigou-a a publicar o direito de resposta de Dilma.

 

Enquanto a UJS assumia atitude combativa contra o anti-jornalismo da revista para favorecer o tucanato eleitoralmente, o governador eleito do Maranhão, Flávio Dino de Castro e Costa, do PCdoB, foi apoiado por Aécio Neves e se deixou fotografar, sem constrangimento, com o candidato tucano no primeiro turno. O mesmo Aécio que os comunistas de logotipo diziam combater.

 

De qualquer forma, a esquerda revolucionária foi derrotada na farsa eleitoral. Mas pode transformar a derrota em avanços, se fizer autocrítica dos erros, deixar de falar para si mesma e ampliar a sua base social.

 

Farsa eleitoral que muitos personagens do livro da AP embarcaram, sendo que alguns analisavam a possibilidade de votar na Dilma.

 

Ao final, Dilma Rousseff foi reeleita com vantagem superior a 3% dos votos. Mas governará com um congresso muito mais conservador. O toma lá dá cá vai se intensificar e terá, se não continuar agradando “a mão invisível do mercado”, oposição cada vez mais raivosa da mídia comercial, que o governo federal se recusa a regulamentar. Portanto, nada de mudanças progressistas à vista.

 

O trem vai chegando ao seu destino e o repórter se lembra do comandante Josué, muito mais coerente. Afinal, deixou claro o seu apoio a Aécio Neves e aos tucanos.

 

A questão não é só votar no picolé de chuchu, pois gente correta também votou em Geraldo Alckmin e Aécio Neves. Mas, sim, ludibriar as pessoas. Não se pode tirar conclusões apressadas e ser passional. O Fla-Flu eleitoral foi pesado e valeu tudo.

 

Mesmo confirmando que alguém votou no picolé de chuchu, enganando amigas e amigos só para agradar a José Serra, ainda assim não anula as suas contribuições positivas no passado, remoto e recente.

 

O repórter continua preocupado com a não distribuição do livro da AP nas livrarias. Em Salvador não chegou um só exemplar nas lojas e só está a venda em três livrarias de São Paulo e uma no Rio de Janeiro.

 

Enquanto isso, correntes da esquerda petista e movimentos sociais combativos teimam em dizer que o governo Dilma/Lula está em disputa, só porque se aproximou da esquerda. Mas a aproximação foi apenas por interesse meramente eleitoral.

 

A viagem de trem chega ao final.

 

Embora velho e avariado, o repórter teima em permanecer na ponte da vida, caminha até o ponto de ônibus e não tem dúvida de que agora, mais hoje, mais amanhã, continuando a crise econômica capitalista mundial, que já bate no Brasil, como indicam dados econômicos, medidas ortodoxas e de ajustes fiscais serão adotadas e vem pau contra os trabalhadores brasileiros.

 

Há muito ele não tem certezas na frente e a história na mão. Sabe que está velho, mas não estragado. Por isso vai ajudar a bater de porta em porta e chamar o povo para a luta.

 

Mulheres e homens precisam resistir e gestar alternativa operária e popular, o caminho para o socialismo e sem conciliação de classes.

 

E vai haver trombadas com os mais atrasados e reacionários, que desrespeitarão os princípios democráticos por causa de privilégios capitalistas. Mas é necessário ter consciência de que os mais obtusos do PSDB, a direita, a extrema-direita e a polícia vão insuflar as manifestações de protestos nas ruas para desgastar o governo Dilma.

 

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Eleição 2014: não há o que comemorar – Editorial

 

Otto Filgueiras é jornalista e está lançando o livro Revolucionários sem rosto, uma história da Ação Popular.

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