Congresso norte-americano sabota, mas acordo nuclear avança

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Luiz Eça
17/04/2014

 

 

O Congresso dos EUA ainda não desistiu de fazer fracassar o acordo nuclear do Ocidente com o Irã. Numa campanha, a que não são estranhos Netanyahu e sua fiel AIPAC (maior lobby judaico-americano), está atento para contra-atacar cada avanço.

 

Quando os chamados P+5 (EUA, Reino Unido, França, Rússia, Alemanha e China) firmaram um acordo provisório com o Irã, com concessões recíprocas e prazo de seis meses para um tratado final, os congressistas logo agiram.

 

O grupo dos mais exaltados defensores dos interesses de Tel-aviv (o Israel, first) conseguiu aprovar na Casa dos Representantes novas e mais demolidoras sanções contra o Irã. Faltava a aprovação do Senado.

 

Sentindo a ameaça às chances de paz, Obama pressionou os senadores e acabou melando o jogo dos adeptos do delenda Iran.

 

O projeto de sanções foi congelado. As conversações com os iranianos puderam seguir e, no começo deste mês, várias controvérsias foram resolvidas.

 

Marcou-se para 13 de maio o início da discussão final do acordo nuclear.

 

Contrastando com o entusiasmo dos europeus, John Kerry, o Secretário de Estado dos EUA, mostrou-se reticente.

 

Ele lembrou a “capacidade nuclear” do Irã que lhe daria condições teóricas de fabricar uma bomba atômica se assim o desejasse.

 

Apresentou como sendo de “domínio público” o fato de que o Irã poderia produzir suficiente material físsil para uma bomba em apenas dois meses.

 

No seu entender, os iranianos poderiam facilmente elevar o enriquecimento do urânio, de 3% a 5%, a que chegam atualmente, para 95%, o grau necessário para uma arma nuclear.

 

Levando essa objeção ao pé da letra, deveria ser excluído todo e qualquer enriquecimento, o que os iranianos jamais aceitarão.

 

É exatamente a posição de Netanyahu que, aliás, não tem sido seguida por Obama em diversos pronunciamentos.

 

Ele sempre salienta que o inaceitável para os EUA seria a existência de um programa nuclear iraniano, coisa jamais provada.

 

Aparentemente, as declarações de Kerry foram mais para agradar os congressistas fiéis a Israel, pois, o que os representantes dos EUA e da Europa têm reclamado nas negociações é que o Irã não desenvolva uma tecnologia de enriquecimento capaz de produzir material físsil sensível com maior velocidade.

 

Poucos dias depois de a imprensa mundial divulgar essas exigências, o Irã as levou em conta.

 

Akbar Salehi, chefe da Organização de Energia Atômica do governo de Teerã, anunciou alterações no projeto do reator de pesquisas de Arak, que o Ocidente teme destinar-se à produção de material para bombas nucleares.

 

O Irã nega que seja verdade, mas vai apresentar uma proposta que baixará substancialmente o plutônio a ser fornecido por Arak.

 

Trata-se de uma demonstração de flexibilidade para resolver um problema chave nas negociações do acordo nuclear.

 

Antes mesmo de este obstáculo ser praticamente removido, os congressistas norte-americanos já estavam levantando outro.

 

Aprovaram um projeto negando autorização para a entrada no país de pessoas envolvidas em espionagem ou terrorismo ou que signifiquem ameaça à segurança nacional.

 

O objetivo é barrar o novo embaixador do Irã na ONU,  Hamid Abutalebi.

 

Argumentavam, inicialmente, que ele participara do sequestro do pessoal da embaixada dos EUA em Teerã, em 1979, durante a revolução que derrubou o xá pró-EUA, Reza Pahlevi.

 

Tudo durou 444 dias, mas ninguém saiu morto ou ferido. Abutalebi provou com testemunhas que se limitara a servir de tradutor, nem de longe poderia ser acusado de terrorismo ou algo similar.

 

Aí tomou a palavra o movimento Mujahedin-e Khalq, acusando o diplomata iraniano de, quando embaixador de seu país em Roma, ter coordenado o assassinato de um opositor do regime.

 

O Mujahedin-e Khalq não merece muito crédito. Trata-se de um movimento terrorista, que foi aliado de Saddam Hussein, tendo praticado uma série de atentados no Irã e outros países do Oriente Médio.

 

No ano passado, ele saiu da lista de terroristas do Departamento de Estado, graças a uma campanha apoiada por importantes políticos estadunidenses. “O inimigo dos meus inimigos, meu amigo é”, foi o raciocínio que superou as restrições a esse pessoal.

 

Seja como for, o Mujahedin não apresentou nenhuma prova de suas acusações.

 

Aboutalemi é um diplomata muito conceituado no Irã, tendo sido embaixador do seu país na União Européia durante seis anos.

 

Nos anos 90, foi membro de uma delegação do seu país na ONU. Nessa ocasião, recebeu visto pra entrar nos EUA, sem que ninguém tivesse se lembrado de sua discutível participação do sequestro de 1979.

 

A reação de Teerã ao veto norte-americano ao seu embaixador foi irritada. Pode piorar bastante o clima que existe nas negociações entre os dois países.

 

Claro, Obama tem condições de resolver o problema: ele tem poderes para vetar a ação mal intencionada dos congressistas.

 

Maio está chegando e é indispensável que as partes se sentem à mesa das negociações com boa vontade.

 

Provavelmente, Netanyahu e seus seguidores nas duas casas do legislativo norte-americano não tirarão seu time do campo facilmente.

 

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

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