2014: poucas esperanças, muitas decepções

0
0
0
s2sdefault
Luiz Eça
06/01/2014

 

 

O mundo respirou fundo depois da aprovação do acordo nuclear provisório entre as grandes potências e o Irã. Parecia certo que tudo acabaria bem. Mas o lobby de Israel é muito poderoso.

 

Apesar dos esforços de Obama, os senadores do Israel, first devem apresentar um projeto que impõe sanções mais destruidoras ao Irã.

 

Admite que Obama poderá deixar de aplicá-las durante os seis meses de prazo para discussão do acordo final. Mas estabelece que esse acordo só será aceito se determinar a destruição total do programa nuclear civil iraniano, incluindo a usina de água pesada, de Arak.

 

Exatamente o que Netanyahu exige. Claro, o Irã jamais aceitaria. Aí, só resta a guerra. Felizmente, caso o projeto seja aprovado, Obama prometeu vetar.

 

Contaria com o apoio do povo norte-americano, que, em recente pesquisa da APGfK, declarou-se favorável ao acerto com o Irã por 55% contra 38%.

 

Na discussão do veto, não dá para dizer quem vai prevalecer: Obama e a opinião pública americana ou o lobby pró-Israel no Senado.

 

Se na questão nuclear iraniana há chances nas esperanças de paz, nos outros fronts do Oriente Médio isso parece quase impossível.

 

John Kerry, o secretário de Estado dos EUA, começou bem suas gestões pró-negociações entre israelenses e palestinos. Protestou firmemente contra a contínua expansão de assentamentos na Margem Oeste, taxando-as de obstáculos à paz.

 

Criou esperanças de que o sonho da Palestina independente pudesse acontecer. Mas o despertar promete ser doloroso. Como as negociações tivessem empacado, Kerry apresentou uma proposta às duas partes. Jornais de Israel revelaram seus pontos principais.

 

Kerry sugere inicialmente um acordo de princípios provisórios, centrado na questão da segurança, prevendo o controle pelo exército israelense da parte palestina do vale do rio Jordão e vários pontos no território desse futuro Estado, que seria ainda desmilitarizado.

 

Ficou claro que, de mediador neutro e imparcial, o secretário de Estado não tinha nada... Apesar de suas repetidas concessões aos EUA e a Israel, o presidente da Autoridade Palestina, Abbas, certamente vai rejeitar proposições que negariam soberania ao Estado palestino.

 

Kerry poderá até alterar suas idéias, mas, se agradarem aos palestinos, não serão aceitas por Netanyahu. Ele já deixou clara sua intransigência na área de segurança; o que o secretário dos EUA propõe é o mínimo aceitável.

 

Não vamos esquecer que, além da “segurança”, precisam ainda ser discutidas outras questões igualmente controversas: os limites do futuro Estado da Palestina, com inclusão dos assentamentos, o atendimento aos refugiados palestinos, expulsos pelo exército de Israel na guerra de 1948, e o status de Jerusalém Oriental.

 

O malogro das negociações de paz, que parece certo, deixará apenas duas opções para a resistência palestina: intifada ou resistência civil.

 

Como a primeira não tem sentido, diante da imensa superioridade militar de Israel, só sobra a resistência civil. Mesmo este caminho é complicado, pois implica em negar toda colaboração com Israel.

 

Isso seria o fim da Autoridade Palestina, hoje responsável pela segurança, saúde, educação e outros serviços na pequena região da Margem Oeste que administra, sob os olhares críticos de Israel.

 

Teriam Abbas e aliados do Fatah desprendimento suficiente para renunciar ás comodidades dos seus cargos? Coragem para enfrentar a certamente dura reação de Netanyahu?

 

Esperanças desfeitas estão à vista também na Síria. No fim do ano, EUA e Reino Unido renderam-se à real politik e mostram-se dispostos a conseguir, de qualquer jeito, um acordo para se chegar à paz.

 

Mesmo que implique numa transição com aliados do regime de Damasco participando do governo e até, conforme alguns diplomatas afirmam em off, na permanência de Assad na presidência, com poderes limitados, até as eleições de abril.

 

Em teoria, um acordo patrocinado por todas as grandes potências do orbe (China e Rússia inclusive) teria forçosamente de prevalecer.

 

Mais uma decepção à vista: embora os rebeldes moderados tenham de se dobrar a seus patrocinadores, a Frente Islâmica e os grupos terroristas garantem que não baixarão as armas.

 

Armas que a Arábia Saudita continuará a lhes fornecer, no seu afã em derrotar Assad, o grande aliado do Irã, por sua vez, o grande inimigo dos petromonarcas.

 

Outro financiado pelos sauditas, o regime militar do Egito já é uma decepção para parte dos movimentos civis que o apoiaram no golpe que lhes deu o poder.

 

Um número cada vez maior de ativistas leigos, que lutaram contra Mubarak e Morsi, voltam-se contra o crescente autoritarismo do governo.

 

Mais de duas mil pessoas já foram mortas em manifestações, dezenas de milhares de membros da Irmandade Muçulmana encontram-se presos e líderes civis dos movimentos contra Morsi começam a ser presos e processados.

 

Uma nova lei criminaliza participantes em manifestações públicas não autorizadas pela polícia e o projeto da nova Constituição mantém os privilégios dos militares, inclusive o direito a orçamentos não sujeitos à supervisão do poder civil.

 

As eleições para presidente e para o poder legislativo marcadas para 2014 devem se realizar, com exclusão da Irmandade Muçulmana e de outros importantes opositores do governo.

 

Espera-se que o poder militar eleja o presidente e controle o novo parlamento. Isso deixará o Ocidente satisfeito, pois consideram uma concretização da democracia. O que não diminuirá a mão de ferro do Estado autoritário no controle dos opositores.

 

No fim de 2014, as forças de combate dos EUA e aliados irão se retirar do Afeganistão. Mas a guerra não vai acabar. Nem para os estadunidenses.

 

Apesar das suas recusas, o presidente Karzai vai acabar entregando os pontos e assinar um acordo para que os EUA deixem cerca de 10 mil soldados no país.

 

Uma pequena parte vai treinar tropas afegãs, a grande maioria, as Forças Especiais, ficará para lutar contra os talibãs. O prazo realmente final da guerra é indeterminado. Segundo diversos generais, ela vai durar pelo menos mais 10 anos.

 

Enquanto isso, os céus de vários países do Oriente Médio e da África continuarão povoados por drones e suas mensagens de morte.

 

Eles são condenados pela ONU e pela maioria das instituições universais de direitos humanos. O que quer dizer pouco.

 

Desde Bush, o Paquistão é o principal alvo dessas máquinas voadoras sem piloto e sem piedade. O objetivo é matar os talibãs afegãos que se refugiam na província do Waziristão, junto à fronteira com o Afeganistão. Mesmo que acabem matando também civis que não têm nada a ver com isso.

 

Com a retirada gradual das forças dos EUA e da OTAN durante 2014, espera-se também uma diminuição gradual dos ataques dos drones.

 

Mais uma esperança vã. A guerra do Afeganistão continua e os talibãs continuarão trafegando entre as fronteiras afegã e paquistanesa. Os drones não vão lhes dar moleza.

 

O governo atual do Paquistão foi eleito com a promessa de acabar com os ataques deles. Todo o povo paquistanês odeia e teme os drones. O Parlamento, os partidos políticos e a Justiça já exigiram muitas vezes seu fim por violarem tanto os direitos humanos quanto a soberania nacional.

 

Mas o primeiro ministro Nawas Shiraf hesita. Para cumprir suas promessas as opções seriam: a) denunciar os EUA à ONU; b) reclamar oficialmente junto à Casa Branca, ameaçando retaliações diplomáticas, e mesmo corte de relações; c) atirar nos drones.

 

Opções muito graves que, entre outros problemas, causariam corte da ajuda anual americana de 1,6 bilhão de dólares e perda de apoio (decisivo) no pedido de 6 bilhões ao FMI. É de se crer que, em 2014, o premier paquistanês vai continuar hesitando.

 

Previsões pouco otimistas podem ser feitas também para a Líbia – onde o governo sofre com os problemas causados pelas incontroláveis milícias – e a Tunísia – onde uma moderada Irmandade Muçulmana enfrenta oposições tanto dos partidos seculares quanto dos religiosos salafistas.

 

Pior mesmo só as situações de Gaza e do povo saariano. Gaza anseia pelo direito de viver, negado pelo bloqueio do Egito e Israel; os saarianos pela independência, negada pelo seu opressor, o Marrocos.

 

Não se creia que 2014 reserve boas novidades para eles.

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

0
0
0
s2sdefault