Mali: os interesses em jogo

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Luiz Eça
21/01/2013

 

A guerra do Mali começou na guerra da Líbia. Depois da derrota de Kadafi, militantes da Al Qaeda e similares, que lutaram contra o ditador, e tuaregs, que lutaram do seu lado, continuaram com suas poderosas armas.

 

Eles as usaram para invadir o norte do Mali. O exército do governo do país foi inicialmente derrotado. Essa foi a causa de um golpe militar que derrubou o presidente eleito, Amadou Touré.

 

Segundo o New York Times: “comandantes das unidades de elite do exército nacional, fruto de anos de cuidadoso treinamento estadunidense, desertaram quando eram mais necessários – levando tropas, armas, caminhões e os conhecimentos recém-aprendidos para o inimigo, no calor da batalha, de acordo com oficiais de alta patente do Mali”.

 

Lamentável, pois era uma democracia exemplar na África, com 20 anos de existência. O líder do golpe, o capitão Sanogo, havia participado de diversos programas militares de treinamento e formação educacional nos EUA, inclusive do programa básico para oficiais.

 

Pressionado, Sanogo, entregou o poder a uma junta militar, que, por sua vez, acabou aceitando a nomeação de Diosdane Traoré para presidente interino.

 

Mas o novo regime continuou apanhando dos rebeldes. Eles eram agora apenas a Al Qaeda e seus aliados que tinham brigado com os secularistas tuaregs e os vencido em combate.

 

Os dois grupos tinham objetivos opostos: os tuaregs queriam declarar o norte um país independente; a Al Qaeda e aliados, transformar todo o Mali num Estado islâmico.

 

Em poucos meses, os grupos liderados pela Al Qaeda tomaram quase todo o norte, uma área maior que a França.

 

Combalido, o governo Traoré pediu a ajuda dos franceses, de quem o Mali fora colônia. O presidente Hollande apressou-se a intervir, desembarcando uma força de 500 homens e bombardeando regiões em poder dos rebeldes com seus modernos jatos.

 

Pensava em liquidar a fatura facilmente. Mas se enganou.

 

Embora seus aviões tenham matado muita gente, os adversários lançaram um contra-ataque, invadindo o sul do país e tomando a cidade estratégica de Diabaly.

 

Os próprios oficiais do exército francês admitem que os rebeldes estão mais bem armados e melhor organizados do que se imaginava.

 

Diversos países africanos começaram a enviar tropas para ajudar o governo malinês. O contingente terrestre francês deve aumentar, atingindo 2.500 soldados.

 

Por enquanto, a Alemanha, o Reino Unido e os EUA têm se limitado a oferecer apoio logístico, transporte e inteligência às forças do governo de Paris.

 

Mas os estadunidenses, provavelmente, não ficarão nisso. Seus interesses no Mali são amplos. Segundo Ben Schreiner, em Counter Punch, o apoio de Washington tem mais a ver com a competição com a China do que com o combate ao terrorismo internacional.

 

Nos últimos anos, Pequim vem expandindo consideravelmente suas relações econômicas com os países africanos.

 

O comércio China-África cresceu de 10 bilhões de dólares em 2000 para 107 bilhões em 2008. Os países africanos fornecem 1/3 de todas as necessidades de energia chinesas. Além de minérios essenciais às indústrias, como cobre, platina e ferro.

 

Os investimentos de Pequim nos países da região também estão em crescimento acelerado. O que está criando um problema para a Casa Branca. A África sempre esteve na sua zona de influência.

 

A Obama não interessa que os chineses venham disputar a hegemonia na região. Atualmente, os EUA importam da África 18% do seu suprimento de energia, sendo que esta cifra deverá aumentar para 25% até 2015.

 

Enquanto a penetração chinesa se faz através do comércio e dos investimentos, os EUA preferem usar do poder militar, quer treinando as forças de países africanos, quer intervindo em defesa de governos ou movimentos aliados.

 

De acordo com o “Comando EUA-África” (AFRICOM), o Pentágono planeja enviar soldados para 35 diferentes nações africanas, em 2013. Na guerra da Líbia, a aviação estadunidense teve papel destacado.

 

A China, que se posicionou contra a participação de países do Ocidente e do Golfo a favor dos rebeldes, saiu perdendo com a derrota de Kadafi.

 

Para dar uma ideia do porte dos interesses que ela mantinha na Líbia, 30.000 técnicos e trabalhadores chineses foram obrigados a sair do país, em consequência da vitória dos inimigos do ditador.

 

A China tem também uma participação respeitável na economia malinesa. Ela é a maior importadora dos produtos do país, com 27% do total.

 

Enquanto que, para os EUA, a questão do Mali é mais um round da sua luta contra a China pela hegemonia na África, o governo francês a vê de forma diferente.

 

Segundo alguns analistas, seria uma forma de Hollande promover-se politicamente, atacando os terroristas da Al Qaeda, causa muito popular na França.

 

Certamente ele teme que um sucesso dos invasores contamine os regimes dos países limítrofes do Mali, todos eles produtores de materiais essenciais à indústria francesa.

 

O Níger, por exemplo, possui uma das maiores reservas de urânio do mundo, o que interessa muito à França, já que seu suprimento de energia depende em grande parte da indústria nuclear.

 

Apesar dos esforços das agências de notícias internacionais, a guerra civil não é uma luta entre good guys versus bad guys.

 

Embora ninguém duvide que os rebeldes tenham cometido uma série de barbaridades dignas de Gengis Khan, as forças do governo, como a Anistia Internacional atestou, prenderam, torturaram e mataram tuaregs, aparentemente apenas por razões étnicas.

 

Em setembro do ano passado, elas prenderam, em Diabaly, 16 clérigos que se dirigiam a uma conferência religiosa. E os executaram sumariamente.

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

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