A ONU dá novo fôlego à causa palestina

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Luiz Eça
05/12/2012

 

No fim da votação da Assembléia da ONU, que aprovou o reconhecimento da Palestina como Estado Observador, o premier israelense comentou: “É uma resolução sem significado que não mudará qualquer coisa na situação atual”.

 

Foi uma declaração para consumo interno, de olho no pleito de 22 de janeiro, destinada a manter sua imagem de vencedor junto ao eleitorado israelense.

 

Mas ele e todos os observadores sabem que o processo de independência da Palestina deu um passo enorme no seu reconhecimento pela ONU, com 138 votos a favor, 41 abstenções e somente 9 contrários.

 

Em primeiro lugar, porque agora existe oficialmente um Estado palestino. Não mais apenas um povo. E quem aprovou seu reconhecimento foi mais do que a massa dos países asiáticos e africanos, mas a maioria absoluta dos países de cada um dos continentes, uma representação fiel dos povos do mundo.

 

Mesmo na Europa, tradicional aliada dos EUA, apenas a República Tcheca atendeu ao apelo de Obama para derrubar a pretensão palestina.

 

Até a eterna aliada Inglaterra absteve-se e assim mesmo o governo conservador foi fortemente censurado pelos partidos Trabalhista e Liberal (que faz parte do governo) e muitos parlamentares do próprio Partido Conservador que queriam o apoio aos palestinos.

 

Na Alemanha, ligada por sentimentos de culpa a Israel, o ministério queria somar com Abbas, só aceitando a abstenção devido ao apelo da premier Merkel.

 

Enquanto isso, Israel teve por si, além dos EUA e da República Tcheca, o Canadá e quatro ilhas da Oceania...

 

Como Estado, ungido pela comunidade internacional, a Palestina ganhou força e respeito diante dos israelenses.

 

Nunca antes Israel ficou tão isolada. Sentindo isso, Netanyahu, que havia prometido, no caso de vitória da Palestina, reagir encerrando a Autoridade Palestina, fato que implicaria na demissão de Abbas e no cancelamento do Acordo de Oslo e da solução dos dois Estados, teve de se abster.

 

Preferiu retaliar de modo menos duro, anunciando a aprovação da construção de 3.000 novas unidades residenciais em Jerusalém Oriental e na Margem Oeste e o apressamento do processo de permissão de mais 1.000 unidades.

 

De acordo com o New York Times, essas novas edificações serão erguidas “numa área controvertida de Jerusalém Oriental, conhecida como E1, onde os assentamentos judaicos são vistos há muito tempo como golpes mortais para a solução dos dois Estados no conflito palestino-israelense”.

 

Foi um lance perigoso, uma provocação, porque os palestinos podem usar a arma mais temida de que agora como Estado dispõem: o direito de processar Israel no Tribunal Criminal Internacional.

 

Não lhes faltaria base jurídica, pois os assentamentos já foram muitas vezes condenados pela ONU e outras instituições como violações do direito internacional.

 

É duvidoso que o façam agora, pois já declararam que não têm pressa em recorrer à justiça, embora advertindo que o fariam caso Israel reincidisse em atentados às leis internacionais.

 

Além disso, seria ousar demais, afrontando novamente Israel e o EUA logo depois de derrotá-los na ONU. Se tiverem coragem, contarão certamente com o apoio da opinião pública mundial, cansada das transgressões israelenses.

 

Caso esse problema seja superado sem maiores traumas, a nova realidade palestina vai facilitar as jamais iniciadas negociações de paz.

 

Até hoje, Israel negava-se a aceitar como interlocutor uma coalizão Fatah-Hamas. Isso porque o Hamas negava a existência de Israel como Estado e não abandonava a resistência armada, eivada de atentados terroristas.

 

Mas agora as condições mudaram. Ao apoiar o pedido de reconhecimento do Estado palestino, limitado pelas fronteiras de 1967, o Hamas implicitamente admite Israel, pois o território do governo de Tel-aviv está fora desses limites.

 

E a verdade é que o Hamas já parou de praticar atentados há muito tempo. No recente conflito de Gaza, quem começou os ataques foi Israel. O Hamas só passou a lançar foguetes depois dessa agressão inicial.

 

Antes disso, no período 2010/2011 e parte de 2012, nenhum dos foguetes lançados sobre Israel partiu do Hamas.

 

Aliás, não haverá mais motivos para os EUA e a Europa Unida considerarem o Hamas terrorista uma vez que ele já cumpriu as duas obrigações para se livrar dessa classificação:

 

1- aceitou a existência de Israel, ao apoiar o reconhecimento da Palestina, nos limites de 1967;

 

2- parou de praticar atentados. Agora que a Palestina foi reconhecida como Estado, Israel passa a ser classificado oficialmente como potência ocupante. A exigência de interrupção da luta armada, depois da votação da ONU, é descabida. Ninguém pode chamar de terrorista um movimento que luta contra a ocupação estrangeira do seu país.

 

Mesmo que os palestinos se limitem a protestar contra os novos assentamentos, Israel ficará numa posição nunca antes tão desconfortável diante da comunidade internacional.

 

Não só por promover novos assentamentos, um ato amplamente condenado até pelos EUA, como também pelo momento escolhido: justamente após o reconhecimento da Palestina pela ONU.

 

Mas, o mais provável é mesmo que Abbas não pretenda, por enquanto, aproveitar esse pretexto, indo ao Tribunal Criminal Internacional.

 

Ele sabe que as eleições de Israel estão próximas e Netanyahu, precisando impressionar o eleitorado, não deixaria de retaliar.

 

Aos palestinos, ao contrário dos israelenses, interessa a criação de um clima que favoreça negociações de paz e não um agravamento do conflito.

 

Se eles fossem ao tribunal de Haia, Netanyahu poderia, por exemplo, contra-atacar fechando as portas do mercado de trabalho para milhares de palestinos.

 

Embora não seja certo que isso fosse conveniente à economia israelense, pois implicaria em despedidas em massa, trazendo, certamente, paralisações indesejadas na produção.

 

De qualquer modo, a votação de 29 de novembro deixou a causa palestina mais forte. Israel não tem mais de lidar apenas com um povo, mas com um Estado. E um Estado que reúne as principais forças palestinas, antes divididas, já que Hamas e Fatah anunciam união.

 

Como Estado não membro da ONU, a Palestina pode agora acionar Israel no Tribunal Criminal Internacional com muitas chances de êxito, pois o governo de Tel-aviv tem cometido repetidas violações das leis internacionais.

 

As conseqüências de eventuais condenações por esse tribunal são imprevisíveis. De um lado, nada indica que Obama deixe de apoiar Israel incondicionalmente. De outro, a Europa já não aceita mais as violências e ilegalidades israelenses e sua clara oposição à independência da Palestina.

 

Caso o Congresso estadunidense barre o auxílio mensal de 200 milhões de dólares à Autoridade Palestina, é bem possível que os Estados europeus o substituam como doadores.

 

Por sua vez, a aceleração do processo de criação de novos assentamentos é uma demonstração clara das intenções de Israel anexar a Palestina total ou parcialmente.

 

É um desafio ao novo Estado não membro da ONU e à solução dos dois Estados, já aprovada pela comunidade internacional.

 

Abbas não parece o homem certo para enfrentá-lo. Tem um passado de concessões e capitulações, de fraqueza diante dos EUA e Israel.

 

É verdade que recuperou parte do seu prestígio ao levar a solicitação do ingresso da Palestina na ONU como Estado Observador, resistindo às pressões estadunidenses, israelenses e, no fim, inglesas.

 

De agora em diante, porém, vai ser necessário um líder mais corajoso e combativo, pois o recurso ao Tribunal Criminal Internacional é um processo que pode alongar-se.

 

Depois de esperar 65 anos por um Estado, os palestinos agora têm pressa. A tese de Marwan Barghouti, líder respeitado tanto no Fatah quanto no Hamas, ganha cada vez mais corpo.

 

Do fundo de uma cela, num presídio de Israel, onde está condenado à prisão perpétua, ele enviou no começo do ano uma nova proposta de luta para o movimento de independência: a resistência civil.

 

Consiste em abandonar tanto a luta armada, defendida pelo Hamas, quanto as negociações diretas para a solução dos dois Estados, defendida pelo Fatah.

 

Ambas falharam: uma pela clara inferioridade militar diante de Israel e a outra por claro desinteresse do governo de Tel-aviv.

 

Barghouti propõe a resistência civil, consistente na total não colaboração com a ocupação israelense. Nem na segurança, nem na administração, nem na ordem econômica.

 

Os palestinos não se encarregariam mais de garantir a ordem pública nos territórios atualmente sob sua administração na Margem Oeste, nem aplicariam os regulamentos emitidos pelo exército de ocupação, nem mesmo permitiriam que suas lojas vendessem produtos de Israel.

 

Isso implicaria no fechamento da Autoridade Palestina e a entrega de suas chaves ao exército de ocupação israelense.

 

Ao lado dessa postura passiva, Barghouti também propõe que se multipliquem as ações pacíficas em favor da independência, dentro e fora do território israelense.

 

Isso incluiria processar Israel por todos os crimes praticadas em Gaza e na Margem Oeste; intensificar a campanha mundial pelo boicote dos produtos e serviços dos assentamentos judaicos; denunciar pela imprensa e realizar manifestações de protestos contra todas as violências israelenses.

 

A vitória dos palestinos na Assembléia Geral da ONU foi apenas o primeiro round da luta final pela sua independência. Os próximos deverão acontecer somente depois das eleições israelenses de 22 de janeiro.

 

Sem obrigações eleitoreiras impostas por seu marketing político, Netanyahu, provável vencedor, terá condições para lidar com o novo Estado palestino de maneira mais racional e menos tirânica.

 

Não quer dizer que abrandará, apenas que poderá ser prudente. Um adversário assim vai exigir uma nova liderança palestina, capaz de enfrentá-lo com os pés no chão, mas com as cabeças nas nuvens, no sonho de um país livre.

 

Já existe um novo começo, desta vez promissor: o resultado da votação de 29 de novembro da Assembléia Geral da ONU, um marco no processo que parecia estagnado há anos.

 

Uri Avney, importante jornalista liberal israelense, é otimista: “A busca pela paz baseada na coexistência entre Israel e a Palestina deu um grande passo para frente. A unidade entre os palestinos será o próximo. O apoio dos EUA à criação verdadeira do Estado da Palestina deverá vir logo depois”.

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

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