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Luiz Eça
19/10/2012

 

 

A Guerra do Afeganistão está completando seu 11º aniversário. É a mais longa da história dos EUA.

 

Na sua primeira campanha presidencial, Obama a chamava de “a boa guerra”, em oposição à Guerra do Iraque, por ele condenada.

 

Não há dúvida de que a Guerra do Iraque foi pior porque totalmente injusta.

 

Mas, se a do Afeganistão foi justificável no início, agora ela não tem nada de “boa”.

 

Como se sabe, os EUA invadiram o país para derrubar o governo e destruir a Al Qaeda, protegida pelos Talibãs e responsável pelo atentado das Torres Gêmeas.

 

Acontece que, conforme o próprio Secretário da Defesa, há vários anos a Al Qaeda praticamente sumiu do Afeganistão, permanecendo apenas cerca de 50 milicianos.

 

Mesmo assim, a guerra continua.

 

Em vez de sair, Obama alegou que agora seria necessário garantir o país contra a volta do regime bárbaro dos talibãs, deixando um governo eleito, capaz de defender a democracia.

 

Caberia aos EUA e à OTAN treinar soldados afegãos, para formar um exército forte e bem organizado, que iria garantir a segurança nacional. Além disso, deveriam ajudar o governo de Kabul a construir instituições democráticas sólidas e eficientes.

 

Foi definido 2014 como o ano em que tudo isso aconteceria e o Ocidente poderia retirar-se com a sensação de dever cumprido.

 

Em termos, porém, pois ficaria uma força militar para continuar o treinamento e, eventualmente, contribuir para a manutenção da ordem. Possivelmente, até 2024. Ou talvez mais.

 

Na melhor das hipóteses, portanto, a guerra propriamente dita duraria mais 2 anos e alguns meses. Mais algum tempo para “operações de limpeza”, eliminando alguns focos de talibãs recalcitrantes.

 

E os EUA e a OTAN deixariam de se preocupar com o Afeganistão, pois o país estaria tocando a vida por conta própria, enfrentando seus problemas com seus próprios meios (mais generosas ajudas financeiras do Ocidente, é claro).

 

A pergunta é: mesmo que esse futuro róseo de fato aconteça, a guerra terá valido à pena?

 

Até agora, morreram quase 2.200 soldados americanos, foram gastos cerca de 600 bilhões de dólares, sem falar nos feridos e nas despesas com tratamentos médicos que ainda serão feitos.

 

A imagem americana no país ficou bastante desgastada com incidentes como o assassinato de algumas famílias por um sargento do exército dos EUA, a queima de centenas de exemplares do Alcorão e o grupo de soldados que matavam civis afegãos por esporte.

 

A ação das forças especiais que, durante a noite, invadem casas de famílias, prendendo os homens brutalmente e levando-os para interrogatórios, nos quais, quase sempre, são inocentados, tem contribuído em muito para o antiamericanismo.

 

Despertam tanta indignação popular que, várias vezes, até o presidente Karzai ousou sair de sua condição de títere e reclamou o fim desses raids noturnos.

 

Como não conseguiu nada, os raids continuaram e deverão continuar mesmo depois de 2014, gerando mais medo e ódio em relação aos EUA.

 

O antiamericanismo cresceu tanto no Afeganistão que é grande e vem aumentando sempre o número de atentados praticados por soldados afegãos contra seus próprios instrutores dos EUA e da OTAN.

 

Neste ano, mais de 50 deles já foram assassinados por aqueles que estavam treinando. Apesar dos comunicados otimistas da OTAN, salientando um “nítido” enfraquecimento dos talibãs, a verdade é que eles continuam muito ativos.

 

Em agosto de 2009, quando Obama se preparava para enviar um reforço de 33 mil soldados, a insurgência efetuou 2.700 ataques.

 

Em agosto de 2012, quando os reforços voltaram para os EUA, esse número aumentou para 3.000. O mais grave, porém, é que as perspectivas de o governo conseguir dirigir o país de modo aceitável depois de 2014, sem o respaldo do exército e dos assessores da OTAN e dos EUA, são bastante sombrias.

 

Segundo o International Crisis Group (ICG), conceituado think tank, “há um risco real de colapso do regime de Kabul, depois da retirada da OTAN”.

 

E isso aconteceria porque as próximas eleições, programadas para 2014, devem ser inevitavelmente fraudulentas.

 

Em relatório publicado em 8 de outubro, o ICG afirma que: “O Presidente Karsai e o parlamento há muito sabiam o que precisava ser feito para garantir uma votação limpa, mas se recusaram a tomar passos sérios nessa direção”.

 

Uma repetição das caóticas e corrompidas eleições parlamentares e presidenciais de 2009 e 2010 solaparia qualquer esperança de estabilidade no governo afegão pós-retirada da OTAN.

 

De fato, aquelas eleições caracterizaram-se por violências, subornos, intimidações, adulteração de cédulas e outros crimes eleitorais. Além disso, o comparecimento dos eleitores foi extremamente baixo.

 

Em alguns dos postos, o número de votantes em 2010 foi menos de um quarto do apresentado nas eleições de 2009, refletindo o desencanto da população em relação à política.

 

Nas eleições parlamentares, houve ataques talibãs em todo o país. Apesar da proteção oferecida por 300 mil soldados afegãos e 150 mil estrangeiros, dos 6 mil postos eleitorais espalhados pelo Afeganistão, mais de mil não funcionaram por falta de segurança.

 

Eleito presidente, Karsai tem governado de forma corrupta.

 

Tudo indica que, nada tendo sido feito para se garantirem eleições honestas, elas voltem a ser sujas, o que reduziria ainda mais a credibilidade do povo nas autoridades públicas e mais gente viria engrossar as forças da insurgência.

 

Nas eleições de 2014, Karsai não poderá se candidatar pela terceira vez por razões constitucionais. Teme-se que ele alegue estado de emergência para aumentar seus poderes ou mesmo permanecer mais tempo governando, o que poderia causar uma guerra civil.

 

Diz Rondeaux, analista sênior do ICG: “Se isso acontecer, haverá poucas oportunidades para garantir a paz no Afeganistão, que se tornará um sonho muito distante”.

 

Em  entrevista à Al Jazeera, ele declarou: “Karsai parece mais interessado em perpetuar seu poder de qualquer maneira do que em garantir credibilidade a seu sistema político e  estabilidade por longo prazo a seu país”.

 

O relatório do ICG também afirma que “o exército e a polícia afegãos estão despreparados para a transição”. Atos de violência e corrupção repetem-se por todo o país com a omissão ou participação das forças encarregadas da segurança.

 

As conclusões do ICG não são surpreendentes.

 

O governo Obama sabe que a guerra do Afeganistão fracassou. Tanto que decidiu retirar o grosso das tropas em 2014, ainda que o objetivo de deixar um regime democrático e capaz de se defender não tenha sido atingido.

 

O próprio presidente Karsai reconheceu o mesmo ao dizer que a guerra dos EUA no Afeganistão “não será bem sucedida” e que o Talibã não reduziu sua força depois de 11 anos de guerra.

 

O ex-chefe da Cruz Vermelha no Afeganistão, ao retirar-se depois de 7 anos, vê as coisas indo de mal a pior. Declarou-se cheio de preocupações com a sorte dos civis no Afeganistão, afirmando que agora há mais facções armadas e que o futuro parece ainda mais lúgubre, enquanto o sofrimento da população aumenta.

 

Neste décimo primeiro aniversário da guerra do Afeganistão, todas as partes – EUA, OTAN, talibãs e governo afegão- só merecem pêsames.

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

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